APELO À RECONCILIAÇAO
Por Lawe Laweki
Ao saber que a Liderança de Machel-Marcelino
dos Santos havia influenciado a Polícia de Tabora na Tanzânia e temendo pela
sua vida, o Padre Gwenjere deixou Tanzânia em 1972 para Nairobi no Quênia,
considerado um porto seguro para tantos moçambicanos que, no exílio, eram
forçados a fugir, não do inimigo comum, o regime colonial, mas dos outros
combatentes pela liberdade.
Logo após a sua chegada a Nairobi, no Quênia,
o Padre Gwenjere começou a trabalhar no sentido de unir os líderes dissidentes
da FRELIMO. Enviou telegramas ao líder do COREMO, Paulo Gumane, e ao
vice-presidente da FRELIMO, Uria Simango, que chegaram a Nairobi em 15 de
Janeiro de 1973 para uma reunião com ele. Após a reunião, Simango e Gumane concordaram
em trabalhar juntos sob a égide do COREMO.
Padre Gwenjere no Quênia,
informando um funcionário da ONU, William Sach, sobre a situação caótica no
movimento da FRELIMO. Fonte: © 2019 Lawe
Laweki
De acordo com os arquivos da PIDE, o padre
Gwenjere aceitou entusiasticamente o convite que recebeu dos líderes do COREMO
para participar desse movimento. No entanto, ele não aceitou o cargo de
vice-presidente designado para ele. De acordo com o padre, embora estivesse
preocupado com a libertação de Moçambique, ele queria manter a sua condição de
sacerdote, que era incompatível com o seu envolvimento directo em assuntos
políticos.
«PURIFICAÇÃO» DAS FILEIRAS
Tendo alcançado a
vitória sobre o grupo Nkavandame-Gwenjere, bem como sobre Uria Simango, a
direcção de Machel-Marcelino dos Santos passou a dividir os combatentes da
FRELIMO em duas alas: os combatentes “revolucionários” e os
“contra-revolucionários” ou “reacionários”.
Os combatentes da
linha “revolucionária” compreendiam membros do grupo dos sulistas e
moçambicanos de origem não nativa, bem como alguns membros da região Norte que
se aliaram àquele grupo, enquanto os combatentes “contra-revolucionários” ou
“reacionários” compreendiam membros do grupo de Nortenhos que viam Uria Simango
e Lázaro Nkavandame como seus líderes. O grupo de Machel-Marcelino dos Santos,
que já havia constituido uma base de poder militar, declarou guerra contra os
combatentes da linha "reacionária", resultando na sua remoção das
posições de chefia e neutralização, conforme Samora Machel confirmou anos mais
tarde num dos seus discursos:
“Foram expulsos vários elementos das
fileiras da Organização, outros foram expulsos do Comité Central. Foi
constituído um Conselho da Presidência que, pela sua composição, garantia a
neutralização do reaccionário Uria Simango e assegurava a aplicação das
directrizes revolucionárias do II Congresso e da III Sessão do Comité Central.”
Samora Machel,
que estava encarregado dos assuntos internos no triumvirato, reforçou a sua
posição ao criar subseções do Departamento de Defesa lideradas por indivíduos fiéis a ele. De acordo com os arquivos
da PIDE, Dinis Moiane, chefe do Campo de Treinamento Militar de Nachingwea,
tornou-se um elemento muito valioso nas manifestações anti-Simango.
O período de 1969
a 1970 foi o mais sangrento da Revolução Moçambicana, que consistiu na
aplicação da força das armas para instilar medo e impor ordem aos combatentes.
A direcção de Machel-Marcelino dos Santos embarcou numa extensa expurgação de
elementos divergentes que eram basicamente Nortenhos, como bem observou Miguel
Murrupa que era vice-secretário de Relações Externas da FRELIMO e um
colaborador próximo de Uria Simango. Ele rendeu-se ao regime colonial Português
no auge da crise de 1968-1970 na FRELIMO:
“Quem conseguiu escapar, escapou. Mas
muitos foram assassinados. Eram sempre do Norte ... este tipo de coisas, até a
FRELIMO chegar a ser só como partido da gente do Sul”.
Depois da Revolução dos Cravos de 25 de Abril de
1974, que derrubou o regime fascista e colonial de Marcelo Caetano em Portugal,
o padre Gwenjere e outros líderes dissidentes moçambicanos regressaram a
Moçambique. Em Agosto de 1974, o padre contribuiu para a fundação do Partido de
Coligação Nacional (PCN), que reuniu vários grupos anti-FRELIMO sob a liderança
de Uria Simango. O padre Gwenjere recusou-se a ocupar qualquer posto na
coligação, excepto o do "conselheiro político" do PCN.
Contudo, enquanto vários grupos anti-FRELIMO
realizavam campanhas políticas em Moçambique para tornar os seus movimentos
conhecidos em preparação para eleições livres e justas, o recém-estabelecido
governo em Portugal decidiu iniciar negociações directas com o movimento da FRELIMO
em Lusaka, Zâmbia, com vista a transferir o poder para aquele movimento.
Para piorar a situação, grupos de brancos com
tendências esquerdistas em Moçambique, instigados pelo movimento da FRELIMO,
interrompiam comícios organizados por grupos anti-FRELIMO e apedrejavam e
agrediam seus líderes e organizadores. Nesta onda de agitação política, o Padre
Gwenjere, rotulado de racista pela FRELIMO, foi agredido violentamente na
cidade da Beira por um grupo de radicais brancos.
“Segundo o testemunho do
Padre Alberto de Madureira, que vivia com o Padre Gwenjere na residência da
Diocese, o Padre Gwenjere fora agredido por desconhecidos na garagem da
Paróquia. Ele quando ouviu os gritos desceu para onde se encontrava a garagem e
encontrou o padre Gwenjere a gemer e inconsciente e um grupo de indivíduos em
fuga”.
Entrevistado no seu leito hospitalar na Beira
depois do assalto, o padre Gwenjere sublinhou que não era contra o povo
português, mas contra o regime colonial português. Ele negou as alegações de
que era um agente da PIDE e um racista:
“Quando dizem
que o padre Gwenjere é anti-branco, é uma pura mentira. Praticamente toda a
minha vida vivi com brancos. Antes de ser ordenado padre, fui acusado de que
era a favor dos brancos, era da PIDE. Quando cheguei à FRELIMO, disseram que eu
era anti-branco. Eu gostaria que alguém provasse isso.”
É de referir que, durante a sua estadia em
Nairóbi, no Quénia, o padre Gwenjere, por muitos anos, viveu na mesma casa com
um activista alemão chamado Willy Shultz, com quem era visto em público em
várias ocasiões. Os dois homens se encontraram pela primeira vez na Tanzânia,
onde Shultz viveu e trabalhou como
cooperante. Este facto por si só justifica a recusa do Padre Gwenjere de que
ele era racista ou anti-branco. É de referir que
um relatório confidencial da PIDE, datado de 29 de Janeiro de 1974, confirma a
aproximação que o Padre Gwenjere tinha para com Willy Shultz:
“Willy Shulze, engenheiro
civil da RFA foi a Lusaka contactar Coremo e foi a base Macheka. Insinuou que
deviam destruir Cabora Bassa e disse que iria tentar levar para a Alemanha o
padre Mateus (Gwenjere). DGS, Informação n°128-2a D.I., 29.1.74, confidencial
[p.6]
As acusações de que o Padre Gwenjere era um agente da
PIDE e um racista, começaram a surgir com a nova direcção da FRELIMO liderada
por Samora Machel e Marcelino dos Santos. Dirigindo-se ao terceiro congresso da
FRELIMO em Moçambique independente em 1977, President Machel disse o seguinte:
“Quando a nossa concepção
revolucionária se começava a impor em todas as nossas escolas, os novos
exploradores, utilizando um elemento infiltrado pela PIDE no Instituto
Moçambicano, o Padre Mateus Pinho Gwenjere, instigaram os alunos contra a linha
política da FRELIMO... Manipulados, os estudantes lançaram-se no racismo,
atacando os professores brancos que no Instituto lutavam pela aplicação da
nossa linha correcta na educação”.
A nova direcção da FRELIMO de Machel-Marcelino dos Santos
rotulou o Padre Gwenjere de racista e de agente da PIDE, devido ao seu
envolvimento directo na expulsão da Tanzânia de três brancos moçambicanos de
origem portuguesa. É falso afirmar que o Padre Gwenjere era contra os brancos que
ensinavam no Instituto Moçambicano. Havia mais de uma dúzia de brancos de
diferentes países e nacionalidades no Instituto Moçambicano. O Padre Gwenjere
estava apenas contra a presença de moçambicanos brancos de origem portuguesa,
depois de ter sido informado de que um deles, de nome Orlando Cristina, regressou a Moçambique após
uma estadia de um ano na FRELIMO, tendo supostamente roubado um veículo da
FRELIMO e documentos importantes. De acordo com João Cabrita, autor de
“Mozambique: The Tortuous Road to Democracy”, de regresso à Moçambique, Orlando
Cristina, juntamente com Jorge Jardim, criaram Grupos Especiais que
posteriormente lutaram contra a FRELIMO.
O entendimento de que a FRELIMO havia sido infiltrada por
indivíduos que prestavam informação à PIDE, é credível se se considerar que
para o livro (Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário), este autor
obteve grande parte do material e fotografias dos arquivos da PIDE/DGS na Torre
do Tombo em Lisboa. Note-se que até este autor, que não era uma entidade
importante na FRELIMO e nem no Instituto Moçambicano, encontrou o seu nome nos
arquivos da PIDE na Torre do Tombo em Lisboa. Um documento da PIDE, anexado ao
final do livro, coloca este autor no topo da lista de estudantes que
beneficiaram da assistência do Padre Charles Pollet.
SEQUESTRO EM NAIRÓBI
Em 7 de Setembro
de 1974, o Ministro dos Negócios
Estrangeiros português Mario Soares e o Presidente
da FRELIMO Samora Machel assinaram o Acordo de Lusaka, segundo o qual a FRELIMO
deveria nomear seis dos 10 membros do governo de transição que governariam o
país até à independência. Este acordo eliminava qualquer possibilidade de
realização de eleições multipartidárias em Moçambique. Diante dessa situação, o
padre Gwenjere regressou a Nairobi, no Quênia.
Em Nairobi, o padre continuou a viver no mesmo
bairro de Riruta Satelite em Kawangware, nos arredores da capital queniana,
onde, todos os domingos, os refugiados moçambicanos assistiam à missa que ele
celebrava na Igreja Católica local. Foi enquanto vivia em Riruta Satelite que
ele foi sequestrado em 10 de Outubro de 1975, poucos meses após a independência
de Moçambique.
Pouco antes do seu rapto de Nairobi, o Padre
Gwenjere foi contactado por um homem que conheceu
em Dar es Salaam, na Tanzânia. O homem, comummente
conhecido como “Matola” foi à casa do Padre Gwenjere em Riruta-Satelite em 9 de
Outubro de 1975. Não o tendo encontrando, deixou uma nota escrita em suaíli. De
acordo com a nota, ele havia comprado passagens de comboio para ele e o padre
viajarem para Mombaça no dia seguinte. Na nota, Matola pedia ao padre que fosse
a uma casa no Jamhuri Estate donde partiriam juntos para a estação de
caminhos-de-ferro de Nairobi. É de notar que, em Mombaça, existe até à presente
data uma grande comunidade de imigrantes moçambicanos da tribo Maconde, com os
quais o padre Gwenjere sempre teve aproximação.
A percepção extra-sensorial do sacerdote de que a
viagem à Mombaça poderia dar errado fez com que ele confiasse num jovem da sua
Missão de Murraça que também morava em Riruta-Satelite. Na manhã do dia 10 de
Outubro de 1975, ele foi a casa deste jovem para lhe dizer que ele ia a Mombaça
com Matola na noite daquele dia e regressaria a Nairóbi no dia seguinte.
O Padre Gwenjere pediu ao jovem que comunicasse
o assunto ao secretário do KANU (Kenyan African National Union – União Nacional
Africana do Quénia), Peter Guidumbi, caso não regressasse dentro de dois dias.
Acredita-se que este jovem, que pediu anonimato, era a única pessoa entre a
comunidade de refugiados moçambicanos em Nairobi que tomou conhecimento da
viagem sem regresso do Padre Gwenjere.
Depois de um almoço preparado pela esposa do jovem, os dois saíram juntos
para a casa de Jamhuri Estate onde, às 16h00 daquele dia, o jovem viu o Padre
embarcar num veículo vermelho Ford Cortina cuja matrícula ele anotou como sendo
KMK-546. O jovem contou a este autor que, além do Matola e do Padre Gwenjere,
três outras pessoas, incluindo o motorista, haviam embarcado no veículo.
Segundo ele, Matola sentou-se no banco da frente, enquanto o Padre Gwenjere e
outras duas pessoas sentaram-se no banco traseiro.
Continuando, o jovem da Missão de Murraça disse que não esperou dois dias
antes de procurar pelo Secretário do KANU para informá-lo sobre o sucedido,
segundo havia sido instruído pelo Padre Gwenjere. Para a sua surpresa, enquanto
caminhava pela cidade de Nairobi no dia seguinte (11 de Outubro de 1975), ele
viu Matola saindo do Avenue Hotel. A sua presença contínua em Nairobi, o jovem
raciocinou, indicava que ele não viajou para Mombaça com o padre segundo
planeado, embora ele tenha visto ambos a embarcarem no mesmo veículo.
Este autor acredita que este homem, comummente conhecido como “Matola” seja
o mesmo que é referido nos
arquivos da PIDE como um dos colaboradores de Mzee Mchekecha, que era o
presidente do Baraza-la-Wazee (Conselho de Anciãos), um grupo que, conforme foi
revelado anteriormente, trabalhava com o Padre Gwenjere durante o seu conflito
com a liderança de Mondlane em Dar es Salaam. Os arquivos da PIDE referem-se à
este Matola na seguinte citação:
“Uria Simango,
dá inicio em 17 de Dezembro de 1969 a uma série de reuniões num bairro dos
arredores da Dar es Salaam, em que congrega elementos desafectados ao partido,
entre os quais o supra mencionado Matola e Mchekecha, sendo este último o
presidente do ‘Grupo dos Velhos’ dependentes espiritualmente do Padre Mateus”.
A investigação levada a cabo pelo gabinete do KANU revelou que Matola mais
tarde desceu do veículo que, em vez de seguir para a Estação Ferroviária de
Nairobi, seguiu directamente para o posto fronteiriço de Namanga com a
Tanzânia, onde agentes de segurança moçambicanos e tanzanianos aguardavam o
sacerdote para entregá-lo às autoridades moçambicanas.
Durante vários anos, nenhuma informação concreta foi obtida sobre o
paradeiro do padre Gwenjere. Em 19 de Maio de 1995, um artigo publicado no
jornal Savana por Benedito Tomás
Muianga revelou que, após o seu rapto de Nairobi, o Padre Gwenjere passou algum
tempo em Maputo, após o que foi levado para um 'centro de reeducação' no norte
de Moçambique, onde foi morto em 1977, juntamente com outros presos políticos. No entanto, quando contactado por este autor
vários anos depois, o autor do artigo acima escreveu que as últimas informações
que ele obteve revelavam que o Padre Gwenjere não entrou vivo em Moçambique,
após o seu rapto de Nairobi:
“Duas pessoas com quem falei disseram-me que o Padre
Gwenjere não passou pelo Campo de Reeducação da M'telela na Província de
Niassa. Ele foi executado na fronteira, presumivelmente uma referência à
fronteira tanzaniana-moçambicana. Duas pessoas me deram a mesma informação. Um
deles foi o antigo Bispo de Lichinga, Dom Luís Gonzaga, que me disse que o
Bispo da Beira, Dom Jaime Gonçalves, tinha mais informações sobre o que
aconteceu com o Padre Gwenjere.”
DETENÇÃO DE LÍDERES DISSIDENTES
Após a Revolução dos Cravos de 1974 em
Portugal, havia grandes expectativas de que a direcção da FRELIMO procuraria
reconciliar e unir todos os moçambicanos sob a égide da FRELIMO. Esse não foi o
caso, no entanto. O movimento FRELIMO rejeitou veementemente a reconciliação ou
a realização de eleições multipartidárias em Moçambique, pressionando Portugal
a transferir-lhe o poder, alegando que ele era "o único representante
legítimo do povo moçambicano".
Durante muitos anos, enquanto o Presidente
Julius Nyerere apoiava a FRELIMO na Tanzânia, o Presidente Kenneth Kaunda da
Zâmbia apoiava COREMO, que, sob a liderança de Paulo Gumane, havia se
consolidado naquele país. No entanto, após a Revolução dos Cravos em Portugal,
o Presidente Nyerere persuadiu Kaunda a desmantelar o COREMO. Em Junho de 1974,
as autoridades zambianas invadiram as instalações do COREMO, prenderam todos os
líderes e membros proeminentes desse movimento, tendo os entregue à FRELIMO. Em
7 de Setembro de 1974, os Acordos de Lusaka foram assinados em Lusaka, na
Zâmbia, entre o Governo Português e a FRELIMO, transferindo assim o poder a este
movimento.
Após a formação do governo provisório em
Moçambique, a principal preocupação da FRELIMO era cercar, prender, e deter
todos os líderes dissidentes. Os líderes dissidentes detidos em Moçambique
incluem o líder provincial de Cabo Delgado Lázaro Nkavandame; o
Secretário-Geral do PCN Basílio Banda; o Secretário de Relações Externas do PCN
Arcanjo Faustino Kambeu; a líder da GUMO Drª. Joana Simeão, e o médico João
Joaquim Unhay.
Do Malawi, com a assistência do Director
da “Special Branch” Malawiana, Martin
Gwede, e do Secretário-Geral do Partido do Congresso do Malawi, Albert Muwalo
Nqmayo, a FRELIMO recebeu o Presidente do PCN, Uria Simango, o Vice-Presidente
do PCN Paulo Gumane, e dez outros altos dirigentes do PCN. Quanto a Uria Simango,
Nqmayo enganou-o a ir à Blantyre de Nairobi, salientando que o seu país tinha
concordado em mediar conversações de alto nível entre ele e as autoridades da
FRELIMO. Cabrita escreve que todos os funcionários do PCN acima referidos foram
depois entregues à FRELIMO em Milange (texto citado traduzido do inglês).
“Esperando-os estava João
Honwana, chefe de segurança da Frelimo na Zambézia. Ele tinha os prisioneiros
amarrados contra a carroçaria de um camião do exército, com as suas cabeças
para baixo e levando-os para o campo militar da FRELIMO em Mônguè”.
Com o estabelecimento de um governo
provisório, liderado por este movimento em Moçambique, a FRELIMO embarcou igualmente
numa campanha de caça ao homem sem precedentes. Dirigiu cartas ao Escritório do
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a outras
organizações internacionais, instando-as a pararem de conceder ajuda e bolsas
de estudo aos refugiados moçambicanos. Do mesmo modo, solicitou aos governos
dos países africanos onde os moçambicanos viviam como refugiados para
expulsá-los dos seus países. O Quénia, um país que foi influente em trazer um
acordo de paz entre a FRELIMO e a RENAMO em 1992, sob a mediação da Comunidade
Católica de Santo Egídio, foi um dos poucos países africanos que ignoraram o
pedido de repatriação dos refugiados moçambicanos.
Os refugiados moçambicanos que regressavam
a Moçambique, depois de serem repatriados, incluíndo os que regressavam por
livre vontade, eram sistematicamente
presos nos aeroportos e nas zonas fronteiriças e encaminhados para os chamados “centros
de re-educação” no norte de Moçambique, onde alguns deles desapareceram,
enquanto outros, particularmente aqueles que se envolveram em conflitos com a
direcção da FRELIMO durante a luta armada, foram sumariamente executados. Os
líderes dissidentes moçambicanos que resistiam regressar também não estavam
seguros. Contravendo as convenções internacionais, a FRELIMO sequestrava-os de
países onde viviam no exílio, levando-os à Moçambique e executando-os
sumariamente.
JULGAMENTO EM
NACHINGWEA
Em 12 de Abril de 1975,
mais de 400 prisioneiros políticos desfilaram no solo tanzaniano no Campo de
Treinamento Militar da FRELIMO de Nachingwea. Satisfeitos com o trabalho que
realizaram para detê-los a fim de facilitar a FRELIMO chegar ao poder, os dois
presidentes – Kenneth Kaunda da Zâmbia e Julius Nyerere da Tanzânia –
abandonaram os assuntos dos seus países para assistirem esses prisioneiros, a
maioria dos quais nacionalistas genuínos, a serem submetidos à um julgamento
cruel e atípico. O facto de que o número desses prisoneiros era
consideravelmente alto para serem todos "traidores" e
"contra-revolucionários", não incomodou Nyerere e Kaunda,
supostamente conhecidos como presidentes cristãos. Nem estavam perturbados pelo
facto de estarem a violar as convenções internacionais ao deter moçambicanos no
solo tanzaniano e submetê-los a um tratamento cruel, enquanto os mesmos não
fizeram nenhum mal àquele país e ao seu povo.
Há relatos de que a Igreja Católica iniciou um processo
para declarar Nyerere um “santo”. Infelizmente, a Igreja Católica tem, em
várias ocasiões, feito vista grossa às injustiças que as pessoas sofrem no
mundo.
Falando no dia do desfile dos prisioneiros, na presença
dos presidentes Julius Nyerere e Kenneth Kaunda, Machel disse que, embora as
suas actividades anti-revolucionárias tivessem prejudicado e atrasado a vitória
final da luta de libertação do povo moçambicano, os "reaccionários"
não seriam mortos. Segundo ele, eles acabariam sendo libertos e levados pelo
país inteiro para verem como a FRELIMO estava a desenvolver Moçambique:
“A revolução moçambicana gerou
os seus heróis e inevitavelmente os seus traidores reaccionários agentes do
colonialismo português e do imperialismo em Moçambique. Levados pela ambição e
pela sua vocação exploradora eles infiltraram-se na FRELIMO e dentro da
Organização realizaram as suas actividades de sabotagem e subversão ao serviço
do inimigo. Centenas desses agentes foram detectados pela vigilância popular e
encontram-se nas mãos da FRELIMO. Em Nachingwea estão cerca de 400 desses
reaccionários, muitos dos quais o povo conhece bem. É o caso de Uria Simango,
Kavandame, Basílio Banda, Joana Simeão, Paulo Gumane, Verónica Namiva, José
Dimaka, Joseph Madzozere, Ali Madebe, Mateus Punda
Alipona, Pedro Mapanguelane
Mondlane, Asahel Jonassane Mazula, dr. Arcanjo F. Kambeu, João Craveirinha
Júnior, dr. Unhai, Calisto Makuluva, José Eugeny Zitha, Longoloka, e muitos
outros. As suas actividades anti-revolucionárias prejudicaram e atrasaram a
vitória final da luta de libertação do povo moçambicano. Mas deles há uma
grande lição a aprender: eles são a prova viva de que o colonialismo não tem cor,
o imperialismo não tem pátria e a exploração não tem raça. Portanto continuarão
como provas vivas e o povo com a sua justiça revolucionária tentará
recuperá-los.”
Com a garantia dada por Machel, na presença de dois
chefes de Estado, de que estes presos políticos não seriam mortos, os
moçambicanos, particularmente os seus familiares, esperavam que um dia seriam libertos.
No entanto, foram mortos num local, data e sob circunstâncias que ainda não
foram oficialmente esclarecidas pelo governo da FRELIMO.
APELO À RECONCILIAÇÃO
Ao chegar ao poder em 1986, o Presidente Joaquim
Chissano encorajou os dissidentes moçambicanos a regressarem a Moçambique,
garantindo-lhes que não seriam mortos ou detidos. Ele manteve a sua promessa.
Contudo, Todos os sinais demonstram que a nova direcção da FRELIMO não está
disposta a reabrir o dossiê dos presos políticos e quer que este episódio seja
esquecido, como claramente disse o Presidente Joaquim Chissano numa entrevista
com jornalistas moçambicanos em Janeiro de 1991:
“Em qualquer país a revolução
tem as suas regras e normas e é normal que esses indivíduos (os referidos
presos políticos) tenham sido tratados de acordo com essas normas”, tendo
acrescentado: “neste momento, em que queremos criar a unidade e harmonia seria
bom que não abríssemos esses dossiês.”
No entanto, surge uma pergunta: como é que o povo
moçambicano deverá esquecer o dossiê dos presos políticos sem que o governo da
FRELIMO procure sarar as feridas? Até à presente data, os familiares desses
prisioneiros políticos não foram informados pelo Governo da FRELIMO porquê
foram executados e quando. De igual modo, eles não foram informados aonde foram
executados e enterrados para que possam conceder-lhes um enterro condigno.
Quase cinquenta anos depois da independência, é
tempo de reflectir sobre este período marcado pelo ódio entre pessoas
pertencentes à mesma família moçambicana. A história mostrou que o espírito de
ódio e de vingança, acumulado ao longo dos anos pela direcção da FRELIMO, não
conseguiu resolver os problemas de Moçambique. Pelo contrário, foi a principal
causa do sangrento conflito que eclodiu no país um ano após a independência e
que durou 16 anos. A guerra civil entre
a FRELIMO e a RENAMO deveu-se principalmente à intransigência e recusa da
FRELIMO em ver a reconciliação como um elemento chave na construção de uma paz
justa e duradoura no país.
Muitos países africanos, incluindo a África do
Sul, Serra Leoa, Libéria, Gana e Ruanda, estiveram envolvidos em processos de
reconciliação. A África do Sul, um país vizinho, com a sua Comissão de Verdade
e Reconciliação (TRC), é vista como um modelo para as sociedades que desejam
viver em paz. Em Moçambique, nunca houve uma reconciliação genuína desde a
independência em 1975.
Quando a FRELIMO e a RENAMO assinaram o Acordo de
Paz de Roma em 1992, o Presidente Joaquim Chissano aproveitou a oportunidade
para conceder amnistia aos chamados "contra-revolucionários" que não
podiam regressar a Moçambique sem enfrentar prisão, detenção, ou morte. Sabe-se
que a decisão do Presidente Chissano de conceder amnistia a esses
"contra-revolucionários" não foi bem recebida por alguns líderes da
FRELIMO.
É a opinião deste autor e de muitos outros
moçambicanos que seria um gesto nobre por parte dos líderes da FRELIMO
abraçarem um processo genuíno de reconciliação entre a família moçambicana.
Este processo começaria com o reconhecimento pela direcção da FRELIMO de que
violou os direitos humanos e as convenções internacionais, ao raptar os
chamados "contra-revolucionários" em países estrangeiros onde viviam
exilados e executando-os sumariamente sem um julgamento apropriado; o
reconhecimento da dor infligida a seus familiares e entes queridos, por
deixá-los sem saber, durante quase 50 anos, porquê, quando, e onde essas
pessoas foram mortas e enterradas para que possam conceder-lhes um enterro
condigno; e o reconhecimento de que, embora os chamados
"contra-revolucionários" tivessem opiniões diferentes da direcção da
FRELIMO, eles eram combatentes genuínos da liberdade que merecem respeito e
amor do povo moçambicano. Uma verdadeira reconciliação entre os moçambicanos é
um elemento-chave na construção de uma paz justa e duradoura em Moçambique.
Com muita reluctância por receio do que os portugueses podiam fazer contra a Tanzania, ele fez sacrificios para os combatentes pela independência (wagombania uhuru em swahili que pode se traduzir como combatente pela independência ou combatente pela liberdade), mas eu nao chamo os combatentes da Frelimo combatentes pela liberdade visto que a palavra liberdade para mim nao equivale a independência.
O que havia ou ha de comum naqueles paises acima-mencionados? Todos estiveram, e estao, independentes, mas sob governos ditadores, tiranos e mesmo totalitarios.
Vou por de lado a minha propria sentença sobre se devemos ter reconciliaçao em Moçambique no que concerne as execuçoes pela Frelimo ou nao. Nao digo o regime da Frelimo somente visto que eventos de matanças sumarias de individuos foram cometidas na Frelimo como movimento de luta pela independência e depois da independência. Vou concordar com Lawe Laweki que seria na verdade muito importante que o regime revelasse dados sobre porque aqueles individuos foram mortos, onde foram mortos, e, se foram enterrados, onde foram sepultados.