sábado, 3 de março de 2018

Como Sobrinho terá desfalcado o BESA em quase 500 milhões de euros


Como Sobrinho terá desfalcado o BESA em quase 500 milhões de euros
3/3/2018, 12:23374
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Investigação em que participa o "Expresso" mostra que o empresário terá enviado para (pelo menos) três empresas angolanas a que estaria, na realidade, ligado. Vários movimentos eram em dinheiro vivo.
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Edgar Caetano
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O antigo presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA), Álvaro Sobrinho, terá desfalcado o banco num equivalente a pelo menos 433 milhões de dólares (350 milhões de euros), através de um esquema de empréstimos a empresas de quem não se conheciam sócios — e que, suspeitam as autoridades, estariam ligadas ao próprio Sobrinho. Juntando a esse valor os 182 milhões de dólares (que, segundo noticiou o Expresso em junho), Sobrinho recebeu das offshores Grunberg e Pineview (e, também, em nome próprio), ascendem a cerca de 500 milhões de euros os fundos que o empresário angolano terá desviado do BESA naqueles anos.

Estes são os principais números que nascem de uma investigação em que participa o jornal Expresso, com o consórcio EIC (European Investigative Collaborations), a partir de uma fuga de informação com documentos e e-mails que chegaram às mãos da revista alemã Der Spiegel.

Os documentos explicam em detalhe como Sobrinho terá beneficiado de uma rede de empresas a quem foram feitos empréstimos volumosos, dinheiro que flui para fora do BESA (que tinha no BES o seu maior acionista). No total, no que se conclui a partir da documentação, o BESA terá emprestado 1,6 mil milhões de dólares a cinco empresas-fantasma, a quem ninguém conhece donos e sobre as quais Sobrinho não deu explicações à gestão que lhe sucedeu, liderada por Rui Guerra.

Sobrinho terá ligações a pelo menos três das cinco empresas (Vaningo, Cross Fund, Saimo, Govest e Socidesa). Houve transferências e depósitos em numerário (dinheiro vivo na ordem de dezenas de milhões de dólares) para empresas em que o beneficiário real era Álvaro Sobrinho e a família direta. O DCIAP e o Ministério Público suíço estão a investigar este caso de burla qualificada, abuso de confiança e branqueamento de capitais. A documentação inclui vários e-mails trocados entre Álvaro Sobrinho e o cunhado, Manuel Afonso-Dias, que lhe geria a fortuna privada, onde fica claro que Álvaro Sobrinho fez os levantamentos suspeitos e transferências/depósitos para as empresas suspeitas.

Em várias ocasiões, nesses e-mails, Manuel Afonso-Dias aparece a queixar-se do “caos” contabilístico que era gerado por estes movimentos. Perante a preocupação do cunhado quanto ao que se chamavam de “suprimentos”, Álvaro Sobrinho disse-lhe, por exemplo, que “no banco não tens de dizer nada. Se, por acaso, te perguntarem, só tens de dizer que são dívidas entre empresas”.

Ocean Private, Anjog e Marina Baía eram os nomes das três empresas que receberam um total de 433 milhões de dólares vindos do BESA, pela mão de Sobrinho. Estes recursos permitiram a Álvaro Sobrinho ir além do que era a sua remuneração normal, no BESA, e acumular uma fortuna que lhe permitiu, por exemplo, comprar os jornais Sol e i (através de uma offshore), e tornar-se acionista da SAD do Sporting com quase 30% do capital (segundo dados de dezembro de 2016 da CMVM).

Na Comissão Parlamentar de Inquérito, Álvaro Sobrinho garantiu que era “impossível” que se tenha dado crédito (no BESA) a empresas ligadas a si — e considerou “absurdo” falar-se em levantamentos e depósitos de várias centenas de milhões de dólares em dinheiro vivo.

ANÁLISE DO BESA: AS ENGENHARIAS FINANCEIRAS DO GRUPO ESPÍRITO SANTO


Os procedimentos descritos no artigo de Rafael Marques “A burla de meio bilião de dólares do Espírito Santo em Angola” não devem causar surpresa a quem acompanhou a crise da banca portuguesa, e sobretudo a implosão do Banco Espírito Santo, a partir de 2014.  
Na realidade, estes esquemas foram frequentes nos bancos portugueses e constituíram uma das causas da grave crise bancária que assolou este país e que levou à insolvência e venda de quase todos os bancos (uns de forma mais encapotada do que outros). 
O esquema básico era simples: os controladores de um banco, donos ou administradores, emprestavam dinheiro aos empresários amigos (geralmente através de testas-de-ferro, mas nem sempre) com base em garantias sobreavaliadas por “avaliadores independentes”. O banco nunca recebia esse dinheiro de volta, ficando assim prejudicado. Quem enriquecia eram os amigos, que recebiam os empréstimos e não os pagavam, e os próprios donos e administradores dos bancos, uma vez que também, através de comissões ou doações, embolsavam pessoalmente uma parte do dinheiro emprestado. 
Para o esquema funcionar, eram necessários quatro parceiros: 
  1. os controladores dos bancos (donos ou administradores);
  2.  os amigos (verdadeiros ou falsos empresários);
  3. os testas-de-ferro (habitualmente advogados prestigiados ou associados);
  4. os avaliadores (empresas com boa reputação e marcas em língua inglesa).
Um dos casos que já chegou aos tribunais lusos, tendo sido julgado e dando origem a várias condenações, foi o chamado Homeland, ligado ao BPN e ao antigo deputado do PSD, Duarte Lima. Neste caso, o banco, através do seu presidente, na época Oliveira e Costa, emprestou sem qualquer garantia 43 milhões de euros para a compra de um terreno onde seria construída a futura sede do Instituto Português de Oncologia, o que nunca veio a acontecer. O dinheiro acabou num fundo na Suíça denominado Homeland. 
Mas existem outros casos em curso nos tribunais ou sob investigação na justiça portuguesa. 
No caso concreto do Banco Espírito Santo, a história é mais elaborada. A família Espírito Santo, após o 25 de Abril de 1974, não tinha o músculo financeiro suficiente para financiar o seu regresso a Portugal e comprar o BES – que tinha sido nacionalizado após a Revolução. Na verdade, o seu alegado poderio capitalista baseou-se em ficções, a partir do momento em que recuperou o banco. Ricardo Salgado, que sucedeu a Manuel Ricardo Espírito Santo como líder da família, sabia bem das deficiências da estrutura financeira da família que comandava. Por isso, implementou uma política de crescimento orgânico da instituição bancária, nunca deixando ninguém espreitar para dentro, o que lhe permitiu forjar várias efabulações contabilísticas. Ao mesmo tempo, politizou a actividade. Vários ministros portugueses e outros próceres do regime encontraram assento no BES: Durão Barroso, António Mexia, Miguel Frasquilho, Manuel Pinho, Maria de Belém, Rui Machete, Rui Vilar, Murteira Nabo, e a lista poderia continuar.
A rede que Ricardo Salgado estabeleceu permitiu-lhe ter acesso a variados negócios que teoricamente iriam trazer músculo financeiro ao grupo. No entanto, isto não aconteceu, porque ao mesmo tempo existiam projectos que sugavam o dinheiro recebido. Em Miami, há que lembrar o projecto Santa Ulisseia, que tardou a ter rentabilidade, ou a Quinta do Peru, em Portugal, com as contas sempre a descoberto e a desencadear todas as angústias do Centro de Empresas BES de Setúbal. 
Uma das relações que Salgado vai cultivar é com Angola. Angola vai ser chave no BES e permitir toda uma série de circularização de fluxos financeiros sem controlo. Como se vê no artigo de Rafael Marques, até ao fim subsistiram as engenharias financeiras para manter o grupo Espírito Santo.
Como nota final enfatize-se que a situação reportada se refere a crimes que terão sido cometidos em solo angolano, mas com ramificações e ligações a Portugal e a empresas portuguesas. Isto demonstra que a grande criminalidade ligada à corrupção, burla e branqueamento de capitais em Angola raras vezes é meramente um fenómeno nacional, envolvendo, pelo menos, Angola e Portugal. Muitas vezes, também o Brasil.
 A queda do BESA em Angola está intimamente ligada à queda do BES em Portugal. Os piores corruptos em Angola têm sempre a sua contraparte e os seus avençados em Portugal, o que significa que só quando existir verdadeira colaboração e cooperação entre as Procuradorias-Gerais da República de Angola e Portugal, constituindo equipas mistas de investigação para pessoas e factos dos dois países, poderá haver verdadeira eficácia no combate à grande criminalidade económica.

BURLA DO BESA: REFUTAÇÃO DA RESPOSTA DA FBL

resposta da FBL ao artigo A burla de meio bilião de dólares do Espírito Santo em Angola” foi por nós recebida com toda atenção (e publicada, conforme legislação sobre direito de resposta), merecendo-nos os comentários que se seguem.
Esta sociedade de advogados confirma que participou no negócio abordado no dito artigo, mas alega que apenas o fez como prestadora de serviços a clientes, afirmando não ter conhecimento de qualquer plano para defraudar o BESA.
Ainda de acordo com a resposta ao nosso artigo, a sociedade não terá sido devidamente contactada pelo jornalista Rafael Marques com questões relativas ao negócio.
Em relação aos contactos com a sociedade de advogados, Rafael Marques enviou um questionário ao administrador da sociedade, através do seu WhatsApp, mas não obteve resposta. Falou telefonicamente com a secretária da FBL, bem como com a sócia-fundadora, Paulette Lopes, a quem encaminhou novamente, por sugestão desta, o questionário através do seu endereço de email, para que o fizesse chegar a Fernando Faria de Bastos, mas de novo não obteve qualquer resposta. Da parte da FBL, não houve sequer o cuidado de confirmar recepção do e-mail.
A questão mais grave, porém, é que a sociedade afirma que apenas prestou serviços a clientes, entre os quais a constituição das sociedades beneficiárias dos empréstimos fraudulentos do BESA.
O facto de a sociedade estar a prestar um serviço não a exime de qualquer responsabilidade. Desde, pelo menos, a Lei n.º 12/10 de 9 de Julho, antiga Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais, os advogados estão sujeitos a uma série de regras de due diligence e de prudência quando efectuam serviços para os seus clientes. Essas normas obrigam a especiais cuidados quando se constituem sociedades de fachada, quando se lida com pessoas politicamente expostas ou se intervém em operações de elevado valor.
Ora, no caso vertente, a sociedade de advogados não se limitou a constituir sociedades de fachada por mando dos seus clientes; os advogados da sociedade ficaram sócios e gerentes das sociedades e agiram em nome delas, tendo obtido os empréstimos referidos. Os pedidos de financiamento das cinco empresas, cujas garantias estão sobrevalorizadas e são manifestamente inferiores aos valores mutuados, estão assinados pelo administrador único da FBL, o advogado José Fernando Faria de Bastos.
Portanto, não temos um mero serviço de preparação da constituição de uma sociedade, mas uma actividade continuada e estruturada de decisão dos advogados referidos em várias sociedades. Se são pedidos empréstimos, sabe-se para o que servem, quais os fundamentos e necessidades, e quais os movimentos financeiros subjacentes e subsequentes. E, se não se sabe, devia saber-se.
Os deveres deontológicos dos advogados ligados às exigências legais relativas ao branqueamento de capitais nunca – sublinha-se, nunca – lhes permitem dizer que constituem uma sociedade e obtêm milhões de um banco, desenvolvendo toda a actividade por conta de um cliente, desconhecendo os seus desideratos. A lei não permite tais afirmações e comportamentos.
Não há defesa possível para os advogados da FBL, que, na nossa opinião, serão co-autores, em conluio com os seus clientes, dos crimes de burla e branqueamento de capitais.

BURLA DO BESA: DIREITO DE RESPOSTA DA FBL

O artigo publicado no Maka Angola intitulado “A burla de meio bilião de dólares do Espírito Santo em Angola” tem gerado múltiplas reacções.
A última chegou-nos da sociedade de advogados FBL, liderada por Fernando Faria de Bastos.
Apesar das múltiplas tentativas de contacto para que nos enviassem a resposta em formato devidamente editável neste portal, não obtivemos resposta, pelo que nos vemos forçados a publicá-la em formato de imagem:

A BURLA DE MEIO BILIÃO DE DÓLARES DO ESPÍRITO SANTO EM ANGOLA

Na pilhagem que tem sido levada a cabo em Angola, pouco se tem falado do extraordinário papel dos facilitadores portugueses, sobretudo administradores bancários, advogados e intermediários, na montagem de operações afins e o papel extremamente nefasto que desempenham em Angola, passando-se por superiores.
Maka Angola traz a lume a operação de 518,5 milhões de dólares, montada em 2013 pelo advogado português radicado em Angola José Fernando Faria de Bastos, e pelo então presidente da Comissão Executiva do Banco Espírito Santo Angola (BESA), o cidadão português Rui Guerra.
Comecemos a 28 de Junho de 2013. Nesse dia, o BESA realizou cinco operações de crédito, no valor total de 379 milhões de dólares, a cinco empresas-fantasma, para a compra de activos da Espírito Santo Commerce (Escom), detido em 66 por cento pelo Grupo Espírito Santo (GES), de Portugal, e em 30 por cento pelo luso-angolano Hélder Bataglia. Uma adenda feita em Setembro do mesmo ano a um dos créditos elevou o montante total a 518,5 milhões de dólares. As cinco empresas, como o BESA reconhecia na aprovação de créditos, tinham cada uma apenas um funcionário: o mesmo administrador único José Fernando Faria de Bastos.
O valor encaixado com a operação serviria, então, para a Escom amortizar a sua dívida junto do BESA – detido em 56 por cento pelo BES, que, por sua vez, era controlado pelo Grupo Espírito Santo.
Porquê essa operação dentro do mesmo grupo? O BESA consolidava as suas contas com o BES em Portugal. A elevada dívida da Escom ao BESA tinha de ser reportada ao Banco de Portugal, através do BES Portugal, e apareceria nas contas do Grupo BES Portugal como dívida vencida (imparidade). De acordo com analistas financeiros consultados pelo Maka Angola, o BESA teria de fazer uma provisão sobre o montante total da dívida da Escom para cobrir as perdas. O relatório do Grupo BES ao Banco de Portugal teria de ser submetido a 30 de Junho de 2013. Daí a pressa para expurgar mais de meio bilião de dólares da dívida da Escom, ou seja, do GES, das contas do BESA. A dívida total ultrapassava os 600 milhões de dólares.
Assim, a engenharia montada serviu para cobrir as contas negativas do Grupo Espírito Santo (GES), liderado pelo banqueiro Ricardo Salgado, em Portugal, e à custa dos angolanos.
No mesmo dia das transferências bancárias, a 28 de Junho de 2013, os accionistas do BESA procederam ao seu aumento de capital em 500 milhões de dólares. Na mesma reunião, os accionistas nomearam o actual secretário-geral do MPLA, Paulo Kassoma, para presidente do BESA, cargo que mantém no sucedâneo Banco Económico.
As cinco empresas-fantasma e os advogados da FBL
A 26 de Junho de 2013, dois dias antes de os créditos terem sido concedidos, foram criados no Guiché Único de Empresas os seguintes veículos:
• Casota – Administração em Investimentos e Bens Mobiliários e Imobiliários, S.A;
• Enignimob – Administração em Investimentos e Bens Mobiliários e Imobiliários, S.A;
• Prismódico – Administração em Investimentos e Bens Mobiliários e Imobiliários, S.A;
• Schemata – Administração em Investimentos e Bens Mobiliários e Imobiliários, S.A;
• Urbanlab – Administração em Investimentos e Bens Mobiliários e Imobiliários, S.A.
Essas sociedades comerciais foram todas criadas por cinco elementos do reputado escritório de advogados Faria de Bastos & Lopes Advogados (FBL), com a mesma estrutura accionista, nomeadamente José Fernando Faria de Bastos (administrador único de todas as empresas), Victor Manuel Évora de Ceita, António José Caxita Marques, Laurinda Jacinto Prazeres Monteiro Cardoso e Anacleta Cipriano. Faria de Bastos e Vítor Ceita são sócios fundadores da FBL e, na altura, tinham como sócios António Caxita Marques e Laurinda Prazeres Cardoso, e como associada, Anacleta Patrícia da Silva Cipriano.
Todas as empresas passaram a ter como sede o endereço do escritório da FBL, na Rua dos Enganos, n.º 1, 7.º Andar, em Luanda.
A trapalhice da proposta e a concessão de crédito
Nos documentos consultados pelo Maka Angola estranhamente se nota que, no sistema do banco, as propostas de financiamento aparecem como tendo sido apresentadas a 21 de Janeiro de 2012, um ano e meio antes de as empresas terem sido criadas.
No entanto, os pedidos de financiamento das cinco empresas, assinados pelo administrador único José Fernando Faria de Bastos, deram entrada no BESA a 25 de Junho de 2013, um dia antes de as mesmas sociedades comerciais terem sido legalizadas. Como garantia, José Fernando Faria de Bastos apresentava as propriedades que adquiriria.
A 27 de Junho de 2013, dois dias depois de ter recebido a proposta e um dia após as empresas terem sido legalmente registadas, o administrador do BESA concedeu os primeiros cinco créditos, no valor de 379 milhões de dólares.
No mesmo dia, a 27 de Junho, a empresa de intermediação imobiliária Proprime submeteu os relatórios de avaliação dos activos imobiliários e de terrenos a serem adquiridos. É com base nesses relatórios que a administração do BESA, de forma inusitada, leu e aprovou tudo no mesmo dia. Estranhamente, para além dos administradores executivos Rui Guerra e Pedro Cruchinho, de nacionalidade portuguesa, os membros do conselho de crédito do BESA, de nacionalidade angolana, não foram tidos nem achados nessas operações. Onde deveriam ter assinado pela concessão dos créditos aparece apenas escrito “ausente”.
A Proprime é uma empresa criada pela Progest – Projectos Técnicos, Consultoria e Gestão Limitada (Angola), em parceria com a Prime Yield (Portugal). A primeira é liderada por Manuel Alfredo Resende de Oliveira, o primeiro ministro da Construção em Angola, nomeado por Portugal, no governo de transição de 1975.
Fonte familiarizada com o processo indica a anormalidade de se ter concedido “um montante muito elevado de créditos num só dia, sem formalização de contratos e sem verificação de garantias e com a consideração de que os juros e o capital só seriam pagos ao fim de três anos”.
A 3 de Julho de 2013, já depois de os créditos terem sido concedidos e os fundos desembolsados, o jurista Clóvis Lara Martins Rosa, da Direcção de Risco e Controlo de Crédito, alheio a esse facto, remeteu a sua análise dos pedidos de crédito dos cinco veículos à Comissão Executiva do BESA.
Segundo o jurista, nenhuma das cinco empresas tinha apresentado cópia do Diário da República sobre a sua constituição. Na verdade, nenhuma delas tinha sido, à data, publicada em Diário da República.
O administrador único de todas as empresas, José Fernando Faria de Bastos, nem sequer tinha apresentado qualquer documento seu de identificação. Ademais, nenhuma das empresas apresentou uma acta de deliberação dos sócios para a contracção de financiamento junto do BESA.
Contraditório
Várias questões foram enviadas, por mensagem, a cada um dos principais actores da operação ora revelada, nomeadamente o advogado José Fernando Faria de Bastos, Rui Guerra (então presidente da Comissão Executiva do BESA) e Hélder Bataglia (então presidente da Escom). Tão logo obtenhamos respostas, serão publicadas.
As aquisições
1. Enignimob – 260 milhões de dólares
A Enignimob recebeu um financiamento de 120 milhões de dólares a 28 de Junho de 2013 (como as restantes empresas) e uma adenda suplementar de 140 milhões de dólares em Setembro do mesmo ano.
O financiamento destinou-se à aquisição de quotas em sociedades e dois terrenos.
Assim, a Enignimob adquiriu 100 por cento das acções do Condomínio Belavista, detido pela Escom. Na verdade, conforme documentos consultados pelo Maka Angola, tratou-se da aquisição de um terreno baldio de 198 hectares na Belavista, em Benguela, por 113,2 milhões de dólares. Este é, possivelmente, o terreno mais caro do mundo.
Maka Angola sabe que a Escom comprou o referido terreno por um milhão de dólares a José Paulo Pinto de Sousa, conhecido na “Operação Marquês” como o primo do antigo primeiro-ministro português José Sócrates, com conhecimento do BESA. Então, o BESA financiou uma empresa fantasma para comprar à Escom um terreno cem vezes mais caro do que o seu valor real, sabendo que ficaria com o mesmo por hipoteca.
Mais grave ainda, o relatório da Proprime assume que fez a avaliação, no dia 27 de Junho de 2013, sem nunca ter visitado o terreno, baseando-se apenas em informações prestadas pela Escom. Assinaram o relatório os cidadãos portugueses Francisco Barros Virgolino (actualmente coordenador comercial da Prime Yield em Portugal), na qualidade de avaliador, e Nelson Rêgo, na qualidade de director-geral.
Outro terreno baldio no Talatona, de 20 mil metros quadrados, foi avaliado em 61 milhões de dólares e comprado por esse valor. Esse terreno também foi “avaliado de forma estratosférica pela Proprime”, conforme relata fonte afecta ao esquema. Todavia, mesmo assim, o relatório da Proprime avaliou o terreno do Talatona em 32,8 milhões de dólares. Esse mesmo terreno, conforme documentos recolhidos pelo Maka Angola, tinha sido adquirido pela Escom por pouco mais de 500 mil dólares.
Para aquisição de três apartamentos e 92 lugares de garagem nas Torres Escom, no Cruzeiro, o BESA concedeu à Enignimob um crédito de 25 milhões de dólares.
Já a compra de umas fracções não especificadas no Edifício Skycenter, um dos quatro das Torres Escom, ficou por 19 milhões de dólares, pagos obviamente pelo BESA.
Os outros gastos incluem a aquisição de 21 por cento em cada um dos três veículos-fantasma criados pela Escom, nomeadamente a Urbantu, a Neoinvest e a Drina, pelo valor igual de três milhões e 637 mil dólares cada, totalizando perto de 11 milhões de dólares.
“Existem dúvidas sobre a situação legal de cada imóvel e os ónus que possam existir, bem como foram dados todos os passos necessários às transferências de propriedade”, garante a fonte.
2. Prismódico – 117 milhões de Dólares
O BESA concedeu crédito a este veículo-fantasma para aquisição à Escom do Condomínio Acquaville, no Talatona. Como garantia, hipotecou o referido condomínio antes de o ter adquirido.
O Condomínio Acquaville, na zona do Talatona.
No dia da aprovação do contrato, como em todos os outros casos, a Proprime elaborou o relatório de avaliação do condomínio, no valor de 171 milhões de dólares, livre de quaisquer ónus ou encargos.
Entretanto, o condomínio como tal não podia ser vendido no seu todo, porque muitos apartamentos já haviam sido comercializados. O BESA, segundo apurou o Maka Angola, sabia que o valor inicial dos apartamentos disponíveis para venda, pela Escom, não ascendia a 20 milhões de dólares.
De acordo com a documentação consultada pelo Maka Angola, na altura da aquisição o Condomínio Acquaville enfrentava vários problemas, devido a atrasos na conclusão da obra. Havia litígios com clientes que tinham comprado apartamentos e dívidas a fornecedores que não tinham sido incluídas na avaliação.
O jurista Clóvis Lara Martins Rosa nota a ausência de certidão de registo predial referente às fracções à venda no Aquaville, bem como o contrato-promessa de compra e venda das referidas fracções.
3. Urbanlab – 82 milhões de dólares
Do montante concedido à Urbanlab, 54 milhões de dólares serviram para comprar à Escom a parcela de terreno mais cara do mundo, ligada ao Condomínio Quinta Rosalinda, com menos de três mil metros quadrados, junto ao Hotel Costa do Sol. A pedido da Escom, a Proprime não visitou o terreno, nem verificou a documentação legal sobre o mesmo, mas fez a sua avaliação. Na verdade, segundo dados recolhidos por esta investigação, a Escom nunca apresentou documentos de titularidade do terreno. O condomínio Quinta Rosalinda, um projecto que envolvia Marta dos Santos “Mana Marta” e o construtor português José Guilherme, já estava em construção. Fontes deste portal indicam que foi José Guilherme quem facilitou a burla sobre a titularidade do terreno vendido, dando-o como sendo da Escom.
O Condomínio Quinta Rosalinda, onde se encontra o pequeno espaço vendido a 54 milhões de dólares.
Inicialmente, a Escom reportou ao BESA que pagara um sinal de dez milhões de dólares pelo terreno, e que faltava pagar 21 milhões. O mesmo terreno, já de si um dos mais caros do mundo, por 31 milhões de dólares, passou para 54 milhões nas contas do BESA.
Sobre esta transacção, o jurista do BESA questionou a ausência de contrato de cedência da posição contractual do terreno, certidão de registo predial do terreno, croquis de localização, licença de construção, projectos de arquitectura e de engenharia.
Sobre as fracções no Edifício Skycenter, a informação disponível na altura era também problemática, sem contrato-promessa de compra e venda, certidão matricial dos imóveis ou sequer certidão de registo predial actualizada.
4. Casota – 53 milhões de dólares
O empréstimo bancário serviu para a aquisição de uma parcela de terreno no Talatona, de 20 mil metros quadrados, e de 33 por cento da empresa Imolap – Sociedade Imobiliária Lar do Patriota, Lda., então pertença da Escom. A Casota dava como garantias as propriedades que viria a adquirir.
No entanto, sobre o terreno também faltava no processo o contrato de cedência da posição contratual sobre o mesmo, a certidão de registo predial, croquis de localização, licença de construção, projectos de arquitectura e de engenharia.
Em relação às acções na Imolap, a situação não era melhor. Não havia contrato de cessão de quotas, ou acta de assembleia geral a deliberar sobre a cessão das referidas quotas.
5. Schemata – Seis milhões e 500 mil dólares
Duas empresas-fantasma da Escom, a Turizaire e a Zaimob, mereceram a aquisição de 35 por cento do capital de cada uma pelo valor total de cinco milhões e 377 mil dólares. Os restantes 231 mil dólares serviram de comissão.
As acções nessas empresas foram vendidas sem que tivesse havido contrato de cessão de quotas, ou actas de assembleia geral a deliberar sobre a cessão das referidas quotas. Nem sequer foram apresentados documentos de identificação dos representantes das referidas empresas ou as suas certidões de registo comercial, conforme documentos consultados pelo Maka Angola.
O ponto de vista legal
De acordo com o parecer de um advogado angolano, sob anonimato, a concessão de mais de meio bilião de dólares de créditos, como acima descrito, corresponde ao cometimento de vários crimes de burla “previstos e puníveis pelos artigos 450.º e seguintes do Código Penal Angolano”.
Segundo o advogado, todos os intervenientes, incluindo os seus colegas da Faria de Bastos & Lopes Advogados (FBL), “poderão ter cometido o crime de burla, em qualquer das suas formas e graus de comparticipação”.
O crime de burla caracteriza-se pela intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados que conduzem outrem à prática de actos que lhe causem, ou a outra pessoa, prejuízo patrimonial.
Para o advogado, não havia razão para o banco conceder empréstimos a empresas novas sem historial de crédito ou reputação no mercado.
O prejuízo para o banco e o enriquecimento ilícito contabilizam-se em 518,5 milhões de dólares.
Uma análise sumária do caso, segundo o advogado, permite indiciar o preenchimento dos elementos típicos do crime de burla.

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