Islamitas lançam campanha que se prolonga até 15 de maio, data da declaração da independência israelita e quando os EUA abrem embaixada em Jerusalém. Querem afirmar-se como principal força política palestiniana.
"Atualização: 17 mil palestinianos participam em motins em cinco pontos da barreira de segurança com a Faixa de Gaza. Os atacantes estão a lançar pneus incendiados, engenhos explosivos e pedras contra o exército e as forças de segurança, que respondem com meios antimotim e atiram sobre os principais instigadores." A mensagem publicada ontem durante a tarde no Twitter das forças armadas israelitas ilustra a dimensão dos confrontos ocorridos na área de segurança entre o território palestiniano e o território israelita no primeiro dia de uma campanha organizada pelos islamitas do Hamas sob a designação de Grande Marcha do Regresso, com a duração prevista de seis semanas para exigir o direito de regresso dos refugiados palestinianos aos territórios anexados por Israel.
Iniciada no dia em que os palestinianos assinalam a morte de seis árabes que, em 1976, se manifestavam contra o confisco de terras no Norte de Israel, a campanha deverá culminar a 15 de maio. Nesta data assinalam-se os 70 anos da fundação do Estado de Israel, momento que os palestinianos classificam como An-Nakbah, isto é, catástrofe, para referirem ao êxodo de cerca de 700 mil pessoas forçadas a deixar as suas casas e terras naquela época.
Israel sempre recusou o direito de regresso aos refugiados ao seu território, com o argumento de que a pressão demográfica destes reduziria a população judaica a uma minoria no seu próprio país. Advoga que aqueles se fixem nas fronteiras de um futuro Estado palestiniano.
A data tem particular relevo em 2018 pois será neste dia que os Estados Unidos abrirão a embaixada em Jerusalém, movimento que enfrenta a crítica generalizada das nações árabes e muçulmanas, pois equivale ao reconhecimento de facto da cidade como capital de Israel.
Estimados num total de 30 mil pelas forças de segurança israelitas, os manifestantes, muitos deles mulheres e crianças, procuraram aproximar-se da barreira de segurança, tendo sido repelidos por fogo real, balas de borracha e granadas de gás lacrimogéneo, algum deste lançado a partir de um avião não tripulado (drone). Os confrontos - dos mais sangrentos dos últimos anos - tinham provocado 15 mortos até final do dia, e mais de 1400 feridos, segundo fontes palestinianas. O presidente da Autoridade Palestiniana (AP), Mahmoud Abbas, considerou o dia de ontem como "um dia de luto" e responsabilizou Israel pelas mortes.
A violência dos confrontos e a iniciativa da Grande Marcha não remete, todavia, apenas para o conflito israelo-palestiniano. O objetivo do Hamas (Movimento Islâmico de Resistência) vai mais longe. O movimento está envolvido numa luta pelo controlo da política palestiniana com a Fatah do presidente da AP, hoje com 83 anos, principal grupo da OLP. E que decorre em paralelo com uma luta pelo poder no interior da Fatah com a substituição, que se antevê próxima de Abbas, por um novo líder. Se a Fatah for neutralizada, o Hamas passaria a ser o principal ator político entre os palestinianos. O confronto entre a Fatah e o Hamas reflete ainda duas outras linhas de conflito: o choque entre nacionalismo laico e islamismo e o duelo regional entre os países sunitas e o Irão xiita.
É também interesse do Hamas que se verifique o maior número possível de vítimas mortais para que Israel surja como agressor na sua propaganda, demonstrando que o movimento é mais efetivo no combate pela independência palestiniana do que a AP. Neste plano, o Hamas tem-se empenhado em denunciar os Acordos de Oslo de 1973, assinados entre Israel e a OLP (logo a Fatah), considerando que funcionaram sempre em desfavor dos palestinianos.
Em conflito aberto desde 2007, quando o Hamas expulsou militarmente a Fatah de Gaza, os dois grupos assinaram um acordo de reconciliação em outubro de 2017, no Cairo, mas o primeiro não mostra qualquer intenção de o cumprir. Se perder o controlo de Gaza perde também peso crítico na equação política palestiniana. Apoiado pelo Egito, no período em que a Irmandade Muçulmana esteve no poder ((2012-2013), o Hamas teria voltado a aproximar-se do Irão, segundo analistas israelitas - o que terá levado a Arábia Saudita a distanciar-se da marcha. Um imã saudita, Sheikh Saleh al-Fawzan, emitiu uma fatwa a classificar a campanha do Hamas como ato "de caos e anarquia que não são tolerados pelo Islão". Uma mensagem usada depois por um porta-voz do exército israelita para denunciar as manifestações.
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