“Respeito, gratidão e emoção”: o adeus a “um herói”
28.03.2018 às 18h42
Era polícia, trocou de lugar com reféns durante um sequestro. Um sequestro que na verdade foi um ataque terrorista - e que deixou um português em coma. Aconteceu sexta-feira em França e França prestou homenagem esta quarta-feira a Arnaud Beltrame. Ia casar-se pela Igreja em junho, um padre ainda tentou casá-lo já depois de Beltrame ter sido hospitalizado. O funeral foi em Paris e as imagens são solenes, simbólicas. Poderosas
Em dia de homenagem solene, a imagem tem um peso simbólico. Emmanuel Macron, de pé, vestido de preto e com o rosto fechado num misto de seriedade e contenção, mantém-se a poucos passos da urna a seus pés, coberta com a bandeira francesa, o foco que a fotografia nos impõe. Há silêncio nesta imagem, mas também um luto acrescido pelos seus tons baços - choveu esta quarta-feira de manhã em Paris -, captados num momento austero, apenas quebrado esteticamente pela aba ligeiramente levantada do casaco do Presidente.
Um sopro de vento, talvez, porque o facto é que esta quarta-feira França parou para prestar tributo a Arnaud Beltrame, o corpo que a urna resguarda. É o herói que o país promete não esquecer, depois de o oficial da ‘gendarmerie’ se ter oferecido para trocar de lugar com uma refém, no ataque ao supermercado de Trèbes, morrendo na sequência deste seu (mais) que cumprimento do dever.
No elogio fúnebre que proferiu durante a cerimónia de homenagem pública e de Estado, que decorreu no pátio do Hotel des Invalides, Macron falou de “respeito, gratidão e emoção”. Lembrou que “o tenente-coronel Arnaud Beltrame tombou como um herói, para pôr termo ao atentado terrorista”, garantiu que “a sua memória viverá” e evocou outras guerras, outras personalidades caídas em defesa da pátria, como Joana d'Arc ou os membros da Resistência Francesa. A título póstumo, atribuiu-lhe a mais alta condecoração de mérito militar do país, nomeando-o comandante da Legião de Honra. Ouviu-se também a Marselhesa, enquanto certamente muitos dos presentes lembravam o sorriso do agente, que só as as fotografias publicadas nas notícias dos últimos dias nos permitiram conhecer.
Poucos serão os que não ouviram, leram ou mesmo comentaram as circunstâncias da morte de Arnaud Beltrame. Mas os heróis merecem ser recordados. Beltrame, 45 anos, entrou no supermercado tomado na passada sexta-feira por Radouane Lakdim, um cidadão francês de origem marroquina de 25 anos, que se apresentou como um fiel do Daesh, para no mesmo cenário - alguém já o disse - deixar testemunho de que há no ser humano lugar para o melhor e para o pior.
O polícia não se limitou a garantir a saída, e com ela a sobrevivência, da mulher que estava refém, apenas identificada como Julie e mãe de uma menina de dois anos. Ao deixar o telemóvel ligado, permitiu também aos colegas perceber o que se passava no interior do supermercado, para de uma forma mais efetiva ser planeada a ação de resgate. Antes do sequestro no supermercado, o atacante já tinha deixado um emigrante português em coma.
CONCEITUADO E COM UMA CONDECORAÇÃO MILITAR
Talvez um dia se escrevam livros sobre a sua coragem, ou talvez a sua vida venha a dar um filme. Se assim for, o guião terá de contar que era originário de Brittany e um membro altamente conceituado da Gendarmerie Nationale - a força policial francesa. Formado em 1999 na principal academia militar de França, em Saint Cyr, em 2003 tornou-se um dos poucos candidatos escolhidos para se juntar ao GSIGN, grupo de resposta de segurança de elite.
Em 2005 foi destacado para o Iraque, sendo posteriormente distinguido com uma condecoração militar pelo seu trabalho na manutenção da paz. Foi também o sétimo membro das forças de segurança francesas a morrer em ataques deste tipo desde 2012.
No momento da perda, a família não se mostrou surpreendida pela atitude de Beltrame. “Era exatamente o tipo de coisa que ele faria sem hesitar”, disse uma prima à BBC. A mãe e o irmão concordaram.
Como convém ao grande ecrã, à história do polícia não falta, sequer, uma tocante dimensão pessoal. O polícia e a mulher, Marielle Vandenbunder, tinham a união pela Igreja planeada para junho, já que apenas tinham casado em cerimónia civil, em agosto de 2016. Marielle quis cumprir o desejo do casal e levou um padre até ao Hospital de Carcassone, com a intenção de antecipar o matrimónio cristão. Não foi possível, explicou o sacerdote Jean-Batiste. Arnaud Beltrame estava já inconsciente e apenas lhe foi aplicada a extrema-unção.
(Artigo atualizado às 21h20)
Sem comentários:
Enviar um comentário