sexta-feira, 25 de novembro de 2016

PR e os reitores de universidades públicas


zem de novo um debate sobre os poderes do PR. Trazem de volta o debate sobre o Estado que temos e o sentido das decisões públicas, nomeadamente a coerencia que as devia orientar (recomendo os posts recentes Ericino de Salema e Elisio Macamo).
Precisamos sistematizar mais estas ideias de reforma que queremos e forçar a reabertura de um processo de reforma do Estado em todas vertentes incluindo constitucional.
PS: Vamos rebuscar o relatório da comissão ou começamos de novo?

Confiança política

Em Fevereiro deste ano escrevi sobre algo que chamei de “xigunfucracia”. A reflexão concentrou-se em aspectos do trabalho do Centro de Integridade Pública, mas a questão que abordava era geral. Dizia respeito à tendência de apostar em soluções pontuais para problemas estruturais o que, conforme escrevia nesse texto, a longo prazo produzia um tipo de complexidade que simplesmente piorava os problemas do país. A recente decisão do Chefe de Estado de nomear um Reitor para a Universidade Pública fora da proposta feita pelo Concelho Universitário dá-me a oportunidade de voltar a esse assunto da “xigunfucracia”. Rapidamente, nesse texto de Fevereiro escrevi o seguinte:

“’Xingufu’ é o nome que se dá a uma bola de futebol feita de trapos, borracha, capim, plásticos, enfim, tudo o que a miudagem sem bola de verdade apanha por aí para jogar com os pés. Parece óptima solução para um problema pontual. O problema do ‘xingufu’ é que não dura muito tempo. E pior, por causa das suas características bem particulares o futebol que ele produz não é necessariamente o futebol, mas uma versão aproximada em resultado de todos os ajustes que temos de fazer para nos adaptarmos às características bem específicas da bola artesanal: não salta, não rola bem, não dói quando bate o corpo, não corta bem o ar, pode se desfazer a qualquer momento, etc. ... O termo ‘xingufucracia’ refere-se a um conjunto de pessoas (no aparelho de estado e nas organizações da sociedade civil) que alimentam toda uma máquina de gestão dum país baseada na proliferação de ‘xingufus’ que (acham que) resolvem problemas específicos tipo corrupção, desigualdade de gênero, crianças da rua, pobreza, vulnerabilidade, conflitos, etc. Para tudo que é problema existe uma ‘solução’ artesanal, cuja principal motivação é dar a impressão de que aborda o problema ao mesmo tempo que justifica o nascimento e proliferação de agências (ou indivíduos) cuja razão de existência é a disponibilização dessas ‘soluções’. Governar passa a ser ter agências ou estratégias especialmente vocacionadas para essas coisas. Os problemas que resultam da aplicação de soluções ‘xingufu’ não são vistos como manifestação dessas soluções, mas sim como problemas típicos do desenvolvimento, o que justifica mais soluções ‘xingufu’. O problema da ‘xingufucracia’, porém, é que ela a curto e médio prazo torna o processo de gestão de relações sociais mais complexo pela proliferação de soluções simples para tudo que consegue se impor como problema. E não só. Os ‘xingufu’ obedecem a uma economia política própria que exige a sua constante reprodução por meio da tendência natural de exagerar o problema para justificar a existência da instituição que com ele lida”.

A forma como o termo “confiança política” é usado no nosso país tem tudo para produzir os efeitos nocivos da “xingufucracia”. A “confiança política” produz um outro país que é parecido com o nosso, mas nâo é exactamente a mesma coisa. Quero destacar dois aspectos que me fazem crer que a importância da “confiança política” a médio e longo prazo vá dar ao país mais problemas do que soluções. Um problema é institucional e outro é etico.

O problema institucional é o que, curiosamente, justifica o recurso à “confiança política”. Ao que tudo indica, existe a crença na ideia de que certos cargos públicos devem ser ocupados por pessoas da confiança do Chefe do Estado. Dum modo geral, não existe argumento contra a importância de o Presidente trabalhar com pessoas da sua confiança. O problema, porém, é que a insistência nessa prerrogativa pode também ser um voto de desconfiança ao aparelho de Estado. Dito doutro modo, sendo o aparelho de Estado algo que (devia) funciona(r) na base de regras claras com a bênção da legislação a insistência em trabalhar apenas com aquelas pessoas a quem se confia sugere falta de confiança na objectividade do aparelho de Estado e leva, até, a supor que o Chefe de Estado e o seu homem ou mulher de confiança queiram trabalhar à revelia dessas regras.

Em princípio, se as tarefas e os objectivos estão claros não devia importar muito quem está à frente desde o momento que seja competente e saiba respeitar as regras. Portanto, quando o Chefe de Estado aparentemente ignora a recomendação que a própria instituição faz e impõe outra pessoa, não está apenas a documentar a sua confiança política no felizardo, mas sim a sua desconfiança em relação a essa instituição e a todo o sistema administrativo do país. Como isto é Moçambique e muita gente participa nestas discussões sempre em defesa das suas cores partidárias ou contra as cores que odeia vejo-me na obrigação de recordar que critiquei Guebuza quando nomeou a desgraça que por pouco não afundava a UEM também nas mesmas circunstâncias. Critiquei, como agora o faço, justamente essa prerrogativa presidencial e destaquei a importância de serem os órgãos universitários a decidirem quem deve ser o seu timoneiro.

O problema institucional tem outras implicações. Não conheço muito bem a sua origem, mas imagino que haja duas vertentes. Uma é a do absolutismo monárquico que cultivava a ideia de que o serviço público era, na verdade, o serviço ao monarca. Essa ideia era hostil à ideia do bem público, algo que só dentro dum conceito político republicano pode servir de regulador da política. A outra vertente é marxista que tem uma relação difícil com a diferença de opinião. Todo aquele que não pensa como eu não inspira confiança, logo, não lhe pode ser confiado nenhum posto.

Embora não seja forçoso que assim seja, esta postura pode ajudar a promover o seguidismo, o famoso lambe-botismo e a total ausência de crítica ao chefe porque crítica, por mais construtiva que possa ser, será sempre vista como afronta e desvio de objectivos.Tudo isto pode contribuir (acho que contribui) para tirar a política do contexto institucional e colocá-la na informalidade das relações pessoais, maquinações partidárias, etc. o que transforma o sistema político numa gigantesca rede neo-patrimonial. Isso pode, a curto prazo, dar tesão ao chefe, mas a longo prazo torna-o impotente, pois governar passa a ser a gestão destes arranjos todos cuja complexidade cada vez mais o vai ultrapassar.

Há também um problema ético que tem merecido muita atenção na filosofia do direito. Sucintamente, o problema surge quando se torna necessário justificar uma decisão tomada em prol do bem público. Normalmente, quando um funcionário público dá um despacho positivo a um requerimento ele justifica a sua decisão na base da conformidade do pedido com os procedimentos e, indirectamente, com o interesse público. Mas nem sempre é assim. Que tal se o seu chefe se opõe a um despacho positivo e os méritos do caso não são suficientemente claros para justificar apenas essa decisão? Aí o funcionário vai decidir com base no reconhecimento da autoridade do seu chefe, por exemplo. E é aí onde se levanta o problema ético.

O chefe tem direito moral à autoridade, mas direito moral à autoridade não é autoridade moral. Isto é, quando o chefe ignora o parecer dos seus subordinados – e, como é hábito entre nós, sem nenhuma necessidade de explicar porquê – ele pode ficar com aquela sensação de que ele é que manda, mas a longo prazo está a retirar autoridade moral a si próprio. A interpretação da regra segundo a qual o Presidente nomeia o Reitor da universidade pública com base na recomendação do Concelho Universitário como a prerrogativa do Presidente de escolher quem ele quiser é uma rejeição grosseira da confiança institucional que o Chefe de Estado devia ter interesse em promover. Essa rejeição põe em causa a sua própria autoridade moral.

A questão ética agudiza-se um pouco. O que devem fazer aqueles que foram preteridos, incluindo os estudantes desse estabelecimento? Obedecer ao comando? Rejeitá-lo? Resisti-lo com os pés, isto é fazendo guerrilha institucional? A partir do momento em que o Chefe de Estado toma uma decisão que não respeita a vontade da instituição este problema automaticamente se levanta. De certeza que ele pensa, e é provavelmente encorajado a pensar, que como ele é o chefe os outros vão ter que cumprir as ordens. Este tem sido o grande calcanhar de aquiles dos nossos chefes como aliás a gente vê com a infeliz e ineficaz actuação das nossas Forças de Defesa e Segurança. Parecem pensar que basta dar ordens para serem cumpridas. O que acontece na prática, porém, é que as coisas não andam e, suponho, por vezes as coisas não andam simplesmente porque as pessoas não deixam andar por pirraça e porque recusam autoridade moral ao chefe. Não é correcto nem justo, mas quem governa tem que saber lidar com isso.

E assim a “xigunfucracia” vai espalhando os seus tentáculos por todo o sistema, emperrando as coisas, criando atritos desnecessários e comprometendo o bem público que cada vez mais cai fora do campo de visão da política. E no meio de tudo isto, é preciso também dizer, estão aqueles que pactuam com a secundarização da confiança institucional a favor de vitórias pírricas da confiança política. Neste caso está em causa a pessoa que se deixou instrumentalizar pelo Chefe de Estado aceitando um posto que lhe é confiado na base dum cuspo na cara dos órgãos da UP. Tudo quanto sei dele diz-me que não lhe falta competência técnica para valorizar o posto, mas enquanto não soubermos as razões que levaram o Chefe de Estado a nomeá-lo – e a ele aceitar – eu pelo menos vou ter dúvidas em relação à sua idoneidade moral e seu compromisso com a sanidade institucional. A confiança institucional não depende apenas de o Chefe de Estado diminuir o recurso à confiança política. Depende também de as pessoas terem a coragem de dizer “não” quando o interesse público está em jogo.
    Zito Camilo Nihamaquela
    PR e os reitores de universidades públicas
    Há muito que foi dito que o nosso PR tem poderes excessivos. Um dos poderes que o nosso PR não deveria ter é o de nomear e exonerar reitores de universidades públicas.

    O que se viu ontem, nomeadamente a nomeação de Jorge Ferrao ao cargo de reitor da UP, ignorando-se a "vontade democrática" da comunidade universitária [da UP], deve nos levar a uma discussão, uma vez mais, do nosso sistema político.

    Numa situação ideal, a nomeação de um reitor deveria iniciar e terminar na respectiva universidade, sem interferências estranhas. O PR talvez devesse intervir apenas para conferir posse ao eleito pela comunidade universitária, ainda que o eleito não seja alguém que ele goste.

    Na próxima revisão constitucional, talvez não fosse má ideia diminuir os poderes do PR, a bem da própria consolidação do nosso edifício democrático. A começar pela nomeação e exoneração de reitores de universidades públicas.

    Um ponto de vista apenas!!!
Zito Camilo Nihamaquela Concordo contigo....o presidente da república tendo o poder de nomear reitores logo as universidades pedem o seu vetor...pois tornam politizadas
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Vitorino David
Vitorino David Talvez tenha sido boa acçao
Rafael Ricardo Nzucule
Rafael Ricardo Nzucule O problema é que não é com boas intenções que se gere uma universidade.


Esta nomeação contrariou a vontade de toda a comunidade académica.


Na verdade, os académicos irão sentir-se traídos.


Espero bem que, para bem da ciência, não haja facadas contra este novo reitor.
Augusto Gildo Buanaissa
Augusto Gildo Buanaissa Um ponto de vista apenas? É isso mesmo que deve acontecer.

Até porque no contexto actual em que as universidades estão sob tutela do ministério da educação, faria mais sentido que fosse o ministro a indicar o reitor ( não que seja o correcto).

O PR deve indicar os seus ministros apenas. O resto deve ser fruto do exercício democrático das instituições ou dos requisitos habilidosos via concurso público justo e transparente, mediate os estatutos/regulamentos institucionais.

Onde já se viu um PR que deve até indicar um "contino"?

Por isso mesmo a onde acaba ser indicar amantes ou familiares.
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Zito Camilo Nihamaquela
Zito Camilo Nihamaquela Augusto Gilda as universidades não estão a tutela do ministério da educação mas sim do ministério da ciência e tecnologia e ensino superior
Augusto Gildo Buanaissa
Edgar Barroso
Edgar Barroso Excelente ponto para se começar a discutir seriamente o papel da academia na sociedade e o seu real contributo para o desenvolvimento do país, vis a vis elementos como a liberdade académica e a interferência política no nosso sistema nacional de educação.
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Circle Langa
Circle Langa Réplica da nomeação Padre Couto. Reduziu-se a zero o exercício do Conselho Universitário. Um esforço inerte. Só espero que o mais votado dos três não tenha informalmente antecipado nomeações aos seus "subordinados". Fica mais lúcida e clara a carta do Catedrático Prista, sobre a desagregação da Universidade. COISAS.
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Cremildo Bahule
Cremildo Bahule Circle podes partilhar esssa carta.
Circle Langa
Circle Langa Não consegui achar a edição do Savana que publica a mesma carta mas o contúdo é o mesmo que o do Averdade, somente por isso partilho este link... http://www.verdade.co.mz/.../59976-selo-legado-de-muitos...
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Ivan Maia
Ivan Maia Cremildo Bahule Prista pai e não o Cherba.
Donaldo Chongo
Donaldo Chongo Aqui está em causa a liberdade académica. Resta agora saber se a mesma (a liberdade académica) está prescrita no pacote legislativo nacional.
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Isac Naiene
Isac Naiene Um "point de vue" com o qual eu concordo.

E sem querer desvirtuar o teu post, atrevo-me a dizer que a nomeaçao de Jorge Ferrao para Reitor da UP, visa, quanto a mim, assegurar a "regionalizaçao" da UP. Um contra-senso, para bem dizer: se por um lado se ee contra a instituiçao de provincias ou regioes autonomas no Pais, por outro, quer-se, a todo custo criar universidades regionais ou autonomas, a partir da desagregaçao da UP.

Para tal, havia que colocar na UP alguem que nao questionasse tal empreitada. E nao seria nenhum dos tres propostos pelo Conselho Universitario. Nada melhor que apostar num cunhado...
Ramalho Edson Paris
Ramalho Edson Paris Foi um atentico balde de escreto para a liberdade academica. ..
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Estevao Mabjaia
Estevao Mabjaia As nomeações acontecem no "uso das competências" apenas. Nessa óptica o PR podia até ter nomeado um "jardineiro ou cozinheiro" para reitor.

Nem autonomia académica têm as nossas academias...
Custódio Mugabe
Custódio Mugabe Não percebo Isac Naiene porquê na verdade Ferrão não confiado gerir a UP, mas desconfiado de gerir a Educação. O PR cansou se dele próprio ser Ministro da Educação...
Ildo Massitela
Ildo Massitela Bem dito ES
Ildo Massitela
Ildo Massitela Qual é a finalidade das eleiçoes para o cargo reitor???
Gulumba D. Mutemba
Gulumba D. Mutemba Interferência política na educação.

Até um Gulumba que nem concluiu o ensino secundário basta ser presidente pode meter a sua mãozinha no ensino terciario,poxa pah.

Educação politizada é um atentado á desenvolvimento de qualquer que seja a nação.
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RicoBoss Nhantumbo
RicoBoss Nhantumbo Coisas do meu pais eu tanbem estranhei afinal pra que servem os conselhos universitarios pra os doadores verem q ha liberdade de expressao enquanto e uma fatochada se o cunhado nao tinha cabedal pra o MEDH sera q vai ter pra gerir a UP so o tempo dira abaixa o cunhadismo na gestao da coisa publica
Vitorino David
Vitorino David Em que sentido se sentiriam traídos?
Jorge Garfo
Jorge Garfo Como resultado: 10a +2, 12a +1... os professores estao nem ai pra a Educacao. Por isso os resultados péssimos dos nossos filhos nas Escolas e Secundárias...
Jorge Garfo
Jorge Garfo *Primárias e Secundárias...
Octávio De Jesus Domingos
Octávio De Jesus Domingos Urge a necessidade!!!...
Hobety Luys Muhamby
Hobety Luys Muhamby Palavras sábias
Benjamim Agostinho Mucopote
Benjamim Agostinho Mucopote So sinto pena daqueles nomes que ja estavam a andar nos banhos nas terras natais kkkkkkkkk
Ernesto Martin Chauque
Ernesto Martin Chauque Se nem as reformas que aparentemente estava a levar a cabo no Ministerio da Educação ainda nao surtiram efeito, agora o que é que Ferão vai fazer na UP. Moçambique vive de "Restart em tudo". Assim nao vamos a lado nenhum.
Helder Mangujo
Helder Mangujo Concordo! Ercino Ericino de Salema, lembra-se dum debate a volta da lei da imprensa, acesso a informacao, eu sublinhei: um dos pecados do nosso pais e a falta de "liberdade intelectual", e la onde esta a maior censura! jornais...kkkkha muitos!
Ana Rute Alexandre Sitoe
Ana Rute Alexandre Sitoe Extremamente triste , também não possível levar acabo reformas em 1 ou 2 anos de mandato, era imperioso que deixassem pelo menos cumprir com seu programa, fiquei triste pessoalmente pois não encontrei motivos claros da sua exoneração , mas enfim aparentemente e um dos Ministros que dava conta do recado, pelo menos alguma coisa se fazia no Ministério da educação depois de muitos anos morto sem se falar da educação, pelo menos lutou muito no caso pagamento de horas extras do professor , esteve no terreno para viver de perto as dificuldades dos professoras, ai esta *ingrata profissão* mas dava para ver que os professores estavam mais eufóricos de expectativa na resolução dos seus problemas. Foi triste recordo me como se fosse ontem , poIs a exoneração deste não tem muita diferença com o do IVO GARRIDO ,antigo Ministro da Saúde .

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