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Escrito por Redação em 14 Junho 2016 |
“Estava a frequentar a 6ª classe quando fui levada aos ritos de iniciação e, poucos meses depois, os meus pais disseram-me que devia casar”, conta Lura*, que vive maritalmente desde os 13 anos de idade e já é mãe de duas crianças, das quais a mais crescida pariu aos apenas 15 anos. Embora o número absoluto de mulheres casadas/grávidas antes da faixa etária entre os 15 e 18 anos não esteja a reduzir em Moçambique, o Governo e a primeira-dama, que mantêm um pacto silencioso com as autoridades tradicionais, em parte responsáveis por estas práticas da “nossa cultura”, falam de progressos na protecção da criança, que objectivamente não passam de documentos e workshops.
A jovem que o @Verdade entrevistou no distrito de Mecúfi, a cerca de 40 quilómetros da capital provincial de Cabo Delgado, disse ter tentado não ceder à pressão dos progenitores que lhe arranjaram um marido com cerca do dobro da sua idade na altura, mas não tinha alternativas. “Eu gostava muito de ir à escola, mas foi tudo em vão, pois a minha mãe disse-me que o homem com quem ia me casar já tinha entregue o dinheiro, seis capulanas, duas blusas, três calças, duas camisas, um casaco e um par de sapatos à minha família e não devia devolver”.
Filha de camponeses pobres, e com mais quatro irmãos menores, Lura não teve nenhum outra alternativa senão curvar-se à vontade dos seus pais e entregar-se aos 15 anos de idade, virgem, ao marido de 27 anos.
“Na hora de fazer relações sexuais doía tanto que eu até chorava, mas ele insistia”, revelou a rapariga ao @Verdade que engravidou dois anos depois da união consumar-se e tornou-se mãe. Confidenciou-nos que o primeiro parto não foi fácil.
Ao @Verdade, o pai da Lura reconheceu ter errado em forçar a sua filha a abandonar os estudos para casar-se mas disse que agiu de acordo com os costumes da Região dos seus antepassados.
É normal um homem de 40 anos deixar paratu para uma criancinha de 6 anos
Formalmente o casamento só é legal em Moçambique depois dos 18 anos porém a Lei da Família permite que a união seja celebrada a partir dos 16 anos com consentimento dos pais mesmo contra a vontade das crianças. O que se assiste, como no caso de Lura, é que as adolescentes são incitadas depois de realizarem os ritos de iniciação, “a procurarem um marido ou um homem que seja provedor de comida e isso faz com que elas abandonem a escola” refere um estudo dos académicos Conceição Osório e Ernesto Macuácua, intitulado “Os ritos de iniciação no contexto actual”.
“(...) É normal ouvir que um homem de 40 anos deixou paratu (arranjo matrimonial tradicional ) para uma criancinha de 6 anos. Este homem vai esperar algum tempo mas, no geral, não irá deixar a menina passar os seus 13 ou 14 anos. As violações a crianças e adolescentes e a poligamia também contribuem em qualquer sítio. É por isso que às vezes acabam agredindo crianças” disse uma profissional de saúde entrevistada na publicação académica que estamos a citar.
De acordo com a publicação académica “se desenrola um jogo de cumplicidade, por via de mecanismos previsíveis ou extraordinários, manifestos ou latentes, duradoiros ou circunstanciais, para o não questionamento do lugar dos ritos na vida social das comunidades que o praticam, por duas razões: uma que tem a ver com o pacto silencioso entre o Estado e as autoridades tradicionais, e que também sobrevivem do “negócio” dos ritos, e outra que tem a ver com os discursos da “nossa cultura” e da “unidade nacional” que, nos últimos tempos, têm dominado a busca pela simpatia das populações por parte do partido no poder do Estado”.
Taxas mais elevadas de casamentos precoces na Zambézia e em Nampula
O nosso País tem desde finais de 2015 uma Estratégia de Prevenção e Combate aos Casamentos Prematuros recheada de boas intenções e sensibilizações contudo ainda não existem fundos necessários, 2.640.192.556 meticais, para a sua implementação. “O casamento prematuro é um dos problemas mais graves de desenvolvimento humano em Moçambique mas que ainda é largamente ignorado no âmbito dos desafios de desenvolvimento que o país persegue”, declara o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) num relatório de análise estatística sobre os casamentos prematuros e a gravidez precoce em Moçambique.
O relatório do UNICEF constata ainda que “Devido a sua vasta população, as províncias da Zambézia e Nampula são as que apresentam as taxas mais elevadas, em termos de números absolutos, de raparigas casadas enquanto crianças, contando entre 44% do total de raparigas entre 20-24 anos que casaram antes da idade de 15 anos e 42% de raparigas que se casou antes dos 18 anos. Esforços para combater os casamentos prematuros são claramente necessários e urgentes, com principal foco para estas províncias, assim como para as províncias com população mais reduzida mas que enfrentam taxas elevadas de casamentos prematuros, como o caso de Cabo Delgado, Niassa e Manica, que juntas contam com um quarto de casamentos de raparigas antes dos 18 anos (24%)”.
Um líder comunitário entrevistado pelo @Verdade em Macúfi, identificado pelo nome de Gustavo Mamudo Abudo, afirmou que na sua comunidade os pais que submeterem as suas filhas ao casamento prematuramente são, severamente, sancionados, sem no entanto indicar de que forma são efectivamente sancionados.
Entretanto Abudo reconheceu não ser fácil lidar com estas situações e relatou um caso em que progenitores que haviam tratado do casamento da sua filha menor descobriram que ela preparava-se para procurar as autotidades e, em cumplicidade com o futuro marido, conseguiram leva-la para a vizinha província do Niassa onde a união consumou-se.
* Nome omitido
Recolha de Leonardo Gasolina
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segunda-feira, 20 de junho de 2016
“Fui levada aos ritos de iniciação e depois os meus pais disseram-me que devia casar” moçambicana de 18 anos, casada desde os 13 e mãe de duas crianças
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