domingo, 21 de fevereiro de 2016

Reclusos do Malawi entre os nomeados para os Grammy

Entre os nomeados para os Grammy, há uma banda invulgar. Formada por reclusos e guardas de uma prisão de segurança máxima do Malawi, concorrem com Gilberto Gil e Anoushka Shankar.
Alguns dos reclusos que formam o grupo "Zomba Prison Project", nomeado para a categoria de melhor álbum na categoria "World Music"
AMOS GUMULIRA/AFP/Getty Images
As nomeações dos Grammy incluem uma galeria de estrelas. Da pop de Taylor Swift até ao hip-hop de Kendrick Lamar, do R&B de The Weeknd ao classicismo de Bob Dylan, do psicadelismo soul dos Tame Impala até ao blues de Buddy Guy, há nomeados para todos os gostos.
Mas há uma banda que se destaca entre os nomeados: Zomba Prison Project, um grupo de reclusos e guardas prisionais de uma prisão de segurança máxima do Malawi. Este grupo, constituído por 14 presos e 2 guardas prisionais, compôs o álbum I have no everything here (que pode ser ouvido aqui), num estúdio improvisado, próximo da prisão onde estão detidos. Pelo álbum, o grupo foi nomeado para a categoria “World Music” dos Grammy, onde também concorrem pesos pesados como o brasileiro Gilberto Gil, Angélique Kidjo ou Anoushka Shankar (filha de Ravi Shankar), por exemplo.
Vencendo ou não o prémio, a banda já teve uma primeira vitória: deu ao seu país a primeira nomeação para este prémio norte-americano, com uma música que, descreve o The New York Times, aborda tanto os problemas gerais que afetam as sociedades africanas como as vidas destes reclusos, englobando temas como a perda, o pecado e o perdão.

Dos 14 presos que formam a banda, alguns estão condenados a crimes menores (como assaltos), mas há também quem esteja condenado a prisão perpétua. Um deles é Elias Chimenya, de 40 anos, condenado por homicídio por ter instigado ao assassinato de um tio durante uma reunião familiar, onde se discutiam as propriedades da sua família.
É ele o responsável pela composição de “Jealous Neighbor”, um tema que, segundo o The New York Times, aborda o conflito entre o direito aos louros do trabalho individual e o espírito de comunhão no Malawi, que obriga à partilha desses lucros. À agência noticiosa France-Presse, Chimenya conta que é um homem novo e que gostava de não morrer na prisão, para poder viver da música:
Sou uma pessoa nova e a música ajudou-me a relaxar e a lidar com a situação de estar preso para o resto da vida. [Mas] gostava de não morrer na prisão e, em vez disso, de ser libertado, para [poder] ter uma carreira musical lá fora
Outros dos reclusos que participou na composição do álbum é Chikondi Salanje, homem de 32 anos condenado a cinco anos de prisão por roubo.Salanje compôs o tema Listen to me”, onde aconselha as crianças a prestarem atenção ao que dizem os seus pais — algo que ele próprio nem sempre fez, como confessa ao jornal norte-americano.
O álbum é produzido por Ian Brennan, que já venceu um Grammy em 2012, pela produção de “Tassili”, da banda Tinariwen (um grupo de músicos nómadas tuaregues, que com Bombino popularizaram o género conhecido como “blues do deserto”). Brennan, que tem passado a carreira à procura de músicos marginais (“vozes que sejam puras, no sentido de que não são influenciadas por nada a não ser as vozes do ambiente que os rodeia”, como conta ao jornal norte-americano), visitou a prisão em 2013 e decidiu produzir um álbum do grupo.
Ao Deutsche Well, o produtor norte-americano responde às críticas de quem considera que, ao glorificar a música de criminosos, se está a glorificar ou desvalorizar os seus atos: “Isto não se trata de glorificar ninguém. Trata-se de humanização e toda a gente devia ser humanizada“, defende.
E explica ainda que nem todos os condenados cometeram crimes graves. Alguns, diz, nem eram sequer culpados. “Já foi provado que alguns destes prisioneiros eram inocentes, pelo que foram libertados. Outros ficaram presos na burocracia [do sistema judicial] durante anos. Mas sim, alguns estão presos para o resto da vida, por homicídio”, admite.
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