Resultados oficiais do referendo confirmam o fracasso da iniciativa presidencial, e impedem o chefe de Estado de concorrer a um quarto mandato consecutivo.
O Presidente da Bolívia que suceder a Evo Morales não poderá cumprir mais do que dois mandatos consecutivos. Contrariando as expectativas do actual chefe de Estado, os bolivianos decidiram em referendo que não valia a pena mudar outra vez a Constituição nem mexer na limitação dos mandatos presidenciais para prolongar o Governo de Morales até 2025. A reviravolta que o mandatário ainda acreditava ser possível com a contagem a decorrer afinal não se verificou, e pela primeira vez, o líder indígena foi derrotado nas urnas.
“Respeitamos os resultados, faz parte da democracia”, concedeu o Presidente boliviano assim que o Supremo Tribunal Eleitoral ratificou o escrutínio. “Perdemos uma batalha, não perdemos a guerra”, acrescentou logo depois. Apesar da contenção de Morales na derrota, o resultado não será fácil de digerir para o Presidente, que pela primeira vez experimentou os limites da sua popularidade. “Os eleitores também se cansam e de vez em quando querem mudar. Faz parte da natureza humana”, resumiu o politólogo e antigo deputado do Movimento Nacionalista Revolucionário, Luis Eduardo Siles.
A ideia de convocar um novo referendo para reconfigurar o alcance dos mandatos presidenciais foi assumida pessoalmente por Evo Morales, e ao contrário do que aconteceu em 2008 quando reescreveu a Constituição e pôs o contador a zero em termos de recandidaturas, a aposta não rendeu os dividendos que buscava. Reeleito em 2009 e 2014, o Presidente levou uma emenda a referendo para poder apresentar-se novamente em 2019: o resultado esteve no fio da navalha, mas os bolivianos acabaram por quebrar definitivamente com a tradição dos caudilhos latino-americanos.
O Presidente e os seus aliados políticos poderão encontrar algum consolo na margem estreita que separou o “Não” do “Sim”: 51% contra 49%. Como avisara o “oficialismo”, quando o intervalo chegava a dez pontos, os votos das zonas rurais andinas e das comunidades remotas do Amazonas, que demoraram dias a chegar a La Paz, foram esmagadoramente a favor do statu quo. Mas nos grandes centros urbanos, o impulso para a “eternização” de Morales no cargo foi ponderosamente repelido. “Redescobrimos a democracia e o direito a escolher”, reagiu o líder da Frente de Unidade Nacional, Samuel Doria Medina, o adversário que Evo Morales derrotou por duas vezes em eleições presidenciais.
O resultado furou a aura de invencibilidade que acompanhava Evo Morales e o seu Movimento para o Socialismo desde a sua histórica eleição em 2006. Os analistas políticos acautelam, porém, contra leituras precipitadas do resultado do referendo: a maioria concorda que a rejeição de um quarto mandato presidencial de Morales não significa necessariamente que os eleitores estejam a mobilizar-se para o outro lado do espectro político.
Para o director executivo do think-tank norte-americano Democracy Center, Jim Shultz, o resultado não evidencia uma viragem à direita na Bolívia, mas antes uma rejeição da corrupção e a convicção de que “vinte anos é tempo a mais para a mesma pessoa ser Presidente”, disse à Associated Press. Marcelo Silva, professor de Ciência Política da Universidade Maior de San Andrés, concorda: Morales descobriu que “o custo [político] da corrupção é muito alto”, considera.
A popularidade do Presidente baqueou com a exposição de um alegado esquema de corrupção e tráfico de influências, envolvendo uma antiga namorada de Evo Morales, que tem metade da sua idade, e que foi nomeada directora de uma empresa chinesa a quem o Governo de La Paz atribuiu contratos no valor de 500 milhões de dólares sem concurso público. O Presidente negou qualquer irregularidade e jurou que a relação entre os dois terminou em 2007, assim como o seu contacto – uma afirmação que depois teve de corrigir quando apareceram fotografias dos dois juntos no ano passado.
Outros escândalos de corrupção governamental e judicial desgastaram a imagem de Evo Morales, que tem respondido com crescente impaciência e autoritarismo às críticas. Mas a gestão do Presidente continua a merecer o elogio da população: na última década, a economia cresceu a uma média de 5%, a taxa de pobreza caiu de 34% para 18%, e o investimento em estradas, escolas e hospitais contribuíram para a redução das desigualdades.
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