domingo, 28 de fevereiro de 2016

Goles que matam

O consumo de bebidas alcoólicas - estimulado pelas diversas estratégias de venda, incluindo o famoso 3-100 – está a revelar-se um verdadeiro problema sócia-sanitário. Há cada vez mais pessoas a dependerem do álcool do que se possa imaginar (ler reportagem nas páginas 16 e 17).
O problema começa a inquietar vários segmentos da sociedade. Bebe-se à grande e a francesa!
Mas vamos por partes: Quando se fala dos problemas relacionados com o álcool é importante distinguir os termos uso, abuso e dependência. A palavra uso refere-se a qualquer ingestão de álcool. A Organização Mundial de Saúde (OMS) usa o termo baixo risco de uso de álcool para se referir à ingestão de álcool dentro dos parâmetros médicos e legais, que geralmente não resulta em problemas relacionados à bebida. O abuso de álcool é um termo geral para qualquer nível de risco, desde a ingestão aumentada até a dependência do álcool. O abuso de álcool pode produzir danos físicos ou mentais, mesmo na ausência de dependência.
Já a dependência ao álcool é uma síndrome que consiste em sintomas relacionados ao funcionamento mental, comportamentais e psicológicos. O diagnóstico da dependência do álcool dever ser feito quando existe um forte desejo ou senso de compulsão para beber; Dificuldades em controlar a ingestão de álcool, em relação ao seu início, término, ou nível de uso; Alteração psicológica quando o uso de álcool é cessado ou reduzido, ou o uso de álcool para aliviar ou evitar sintomas de alterações psicológicas. Evidência de tolerância, como doses cada vez maiores para atingir os mesmos efeitos causados pelas doses menores anteriores; Perda progressiva de interesse por actividades antes realizadas ou por outras fontes de prazer devido ao uso do álcool; Uso contínuo mesmo com claras evidências das consequências danosas.
Não tenhamos ilusões. A cifra de pessoas dependentes do álcool é grande… e, atente-se, há cada vez mais crianças a consumirem bebidas alcoólicas. Até nas escolas há crianças a consumirem álcool quando não as vemos nas barracas, tascas, bares e restaurantes onde parece que a proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos passou para a história mesmo que a tabuleta lá esteja visível. As histórias de pais que já perderam a conta de vezes e de dinheiro que gastaram na reabilitação dos filhos somam-se diariamente. O problema está a atingir dimensões catastróficas.
Se associarmos esta apetência pelo álcool e pela velocidade, podemos facilmente ver que a coisa está mesmo mal; grande número de acidentes de viação notificados tem como denominador comum o consumo excessivo de álcool. “Se bebe não conduz” foi substituído por “Se vai conduzir, beba bastante”…
Aos domingos, quem se faz a estrada na capital do país, pode testemunhar a quantidade de postes de iluminação derrubados, muros de quintais destruídos, carros espatifados, entre outros vestígios que não deixam dúvidas: o álcool pode conduzir à morte e destruição.
Assim como a identificação da condição de uso prejudicial ou dependência, é igualmente importante a compreensão do padrão de uso do álcool que produz riscos. Algumas pessoas podem ingerir a quantidade de álcool recomendada, mas em ocasiões particulares bebem em excesso. Tal ingestão pode alcançar o ponto de intoxicação de forma aguda e levar ao risco de lesões, violência e perda do controle, afectando outros e a si mesmos. Outras pessoas podem beber excessivamente de forma regular e, tendo estabelecido uma tolerância aumentada para o álcool, podem não apresentar um grande aumento nos níveis de álcool no sangue. Porém, o consumo excessivo crónico apresenta riscos a longo prazo, como lesões no fígado, certos cancros e distúrbios mentais.
A Organização Mundial de Saúde elaborou um questionário contendo 10 pontos para estratificar o risco do consumo de álcool, o AUDIT ("Alcohol Use Disorders Identification Test"). Este teste identifica quatro zonas de risco. A zona I aplica-se à maioria das pessoas e indica um consumo de álcool de baixo risco ou então pessoas que não ingerem álcool. A zona de risco II engloba uma proporção significativa das pessoas, e consiste no uso de álcool em excesso, que corresponde a mais de 20g de álcool puro por dia, o que equivale aproximadamente a uma garrafa de cerveja ou duas taças de vinho. As pessoas que excedem esses níveis aumentam as chances de problemas de saúde relacionados ao álcool, como acidentes, lesões, aumento da pressão arterial, doença do fígado, câncer, e doença do coração, bem como violência, problemas legais e sociais, baixo rendimento no trabalho devido a episódios de intoxicação aguda. A zona de risco III geralmente indica o uso prejudicial, mas pode também incluir pessoas já em dependência; essas pessoas já experimentaram os problemas relacionados com o excesso de álcool relatados acima. A zona IV é o nível mais alto de risco, e se refere a pessoas dependentes do álcool e que necessitam de atenção especial em centros especializados para a sua recuperação.
Mas, mais do que os efeitos, são as razões evocadas para a pinga: por exemplo como aquelas em que outras pessoas estão a beber e esperam que você também beba (festas, saídas após o trabalho, etc); sentir-se entediado ou deprimido, especialmente nos finais de semana; após uma confusão de família; sentir-se sozinho em casa.
Independentemente das motivações, é importante identificar as situações que o levam a ingerir grande quantidade de álcool e tomar algumas medidas para evitá-las, como encontrar outras actividades (por exemplo, exercícios físicos), limitar o número das saídas após o trabalho para beber com os amigos, e procurar sempre ingerir a quantidade recomendada.
Outros procuram grupos de apoio – existem, pelo menos na cidade de Maputo alguns grupos – os chamados Alcoólicos Anónimos que, felizmente, apresentam muitos exemplos de sucessos na luta contra o vício.
Mas, como se deve calcular, a procissão ainda vai no adro. É preciso que as autoridades sanitárias e outras adjacentes levem a peito este assunto. Com tanta criança com acesso facilitado ao álcool, o futuro do país pode ficar comprometido. A cura custa muito dinheiro. O ideal mesmo é a prevenção… ou seja antes de tomar um gole, pense nas consequências do gesto… não é por acaso que se diz sempre “beba com moderação”!

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