segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

“Nada prova que o comandante tenha tido intenção de suicídio”

“Nada prova que o comandante tenha tido intenção de suicídio”



Acidente aéreo.
Alves Gomes é investigador de acidentes aéreos e vice-presidente da CTA para área da aviação. Cruzou dados do manual do Embraer, entrevistou pilotos, médicos e analisou a investigação.
As conclusões preliminares recentemente anunciadas pelo presidente do IACM não convencem o especialista em assuntos de aviação, que decidiu realizar uma pesquisa para esclarecer zonas de penumbra.
“Da análise que fiz, depois de consultar vários pilotos deste avião, o manual da aeronave e médicos, cheguei às seguintes conclusões: primeiro, no relatório preliminar é dito que na posição ‘Exodo’, que é o ponto de reporte obrigatório na região de informação de voo Gaborone, a aeronave começou, repentinamente, uma descida do nível de voo cruzeiro.
Devo dizer que o último reporte dos voos que vão a Luanda não é ‘Exodo’, mas sim ‘Agra’, fora do espaço aéreo do Botswana e mais próximo à fronteira com Angola. É um ponto bem mais adiante do que o que é aqui referido.
Depois, e de acordo com o manual, verifiquei que os pontos 2, 3, 4, 5 e 6, que reportam a decisão do piloto em seleccionar a potência, ver a altitude, velocidade, parâmetros de freios aerodinâmicos...fui descobrir que tudo isto está no manual da Embraer.
Estas manobras são feitas obrigatoriamente quando há uma descida de emergência. Tudo o que o piloto fez coincide, exactamente, com o que está no manual. Não fez nada de anormal. O que há de anormal aqui é que ele iniciou uma descida de emergência. Portanto, é preciso perceber por que é que ele iniciou a descida de emergência. E mais: iniciou esta descida sozinho na Cock Pit do avião, quando o manual refere que este procedimento deve ser acompanhado por outros membros da tripulação. Também refere que, durante a descida de emergência, deve haver uma permanente comunicação para identificar a possível incapacitação do piloto. Incapacitação do piloto significa este não poder dominar a aeronave.
Mas estas manobras de descida de emergência, segundo o que me informaram, são feitas cada vez que os comandantes e os pilotos vão fazer simuladores para testes de verificação, etc. e devem ser executadas sem consultar o manual, ou seja, os profissionais devem decorar.
É interessante verificar que embora o relatório faça essa descrição, não refere que estas manobras que foram executadas constam do manual da aeronave, o que leva a crer que os peritos não conheciam o manual do avião.
Por outro lado, há aqui uma referência que já foi verificada por alguns comandantes deste avião: ‘o selector de altitudes foi manualmente actuado, três vezes, de 38 mil pés para uma altitude de 592 pés abaixo do nível do solo’. Já foi experimentada a introdução desta altitude no piloto automático e ele não aceita. Portanto, é uma coisa muito estranha que está aqui. Era preciso que a Comissão de Inquérito explique como é que chegou a esta altitude negativa.
Há também outra questão: ‘foram ouvidos toques de alerta de baixa e alta intensidade’. Isto pode-se referir à tentativa de entrada na Cock Pit por alguém que está no exterior, mas há formas de abrir a porta das duas partes, ou seja, quem está por dentro e por fora dispõe de mecanismos para abrir a porta.
Outro aspecto importante é que, de facto, o copiloto saiu da Cock Pit, mas não foi obrigado sair como se tem dito. Fê-lo naturalmente, de acordo com o que está nas gravações de voz. Mas há um procedimento que não foi cumprido: normalmente, quer em Moçambique, quer fora de Moçambique, nesta e noutras aeronave, o que está estipulado depois do 11 de Setembro nos Estados Unidos é que na Cock Pit nunca pode estar um piloto só. Se um piloto sai para fazer qualquer coisa, deve chamar o chefe de cabine para ocupar um lugar dentro da Cock Pit, e isto não foi feito. Esta é uma norma que, pelo que percebi, muito poucos cumprem.
Na conclusão a que o relatório chega chamou-me atenção a leitura do artigo da Reuters, que é completamente distinto do que tem saído no nosso país, e da Namíbia, onde se afirma que a nossa Aviação Civil disse, categoricamente, que o piloto tinha intencionalmente despenhado a aeronave.
O PAÍS – 30.12.2013

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