O CANDIDATO da Frelimo à Presidente da República é escolhido em função dos desafios que o país enfrenta e vai enfrentar no futuro e não com base na sua origem étnica. Esta posição foi ontem defendida pelo sociólogo Hélder Jauana, em entrevista que concedeu ao nosso Jornal, a propósito da indicação, quarta-feira, pela Comissão Política deste partido, de José Pacheco, Alberto Vaquina e Filipe Nyussi, como pré-candidatos a candidatos para o cargo de Chefe do Estado. A seguir apresenta-se o teor da entrevista com aquele académico.
Notícias (N)– A Comissão Política da Frelimo já divulgou os seus pré-candidatos a candidatos presidenciais para as eleições gerais de 2014. Que comentário tem a fazer sobre a decisão deste órgão?
Hélder Jauana (HJ)– Penso que havia já um debate que estava sendo feito fora à volta daquelas que seriam as potenciais figuras como candidatas, depois daquilo que cada um dizia, por simpatia ou por outro elemento que considerasse importante, em relação à figura que devia vir como candidato. Mas na discussão sobre o que seriam os candidatos, sempre insisti no perfil que se devia ter em conta, em função dos desafios que se colocam ao país hoje e nos próximos tempos. Eu penso que a escolha que a Comissão Política fez, foi feita como o mais alto órgão do partido que está no Governo que analisa as questões profundamente antes das suas decisões. Julgo que o deve ter feito ciente de que são os candidatos que devem ser apresentados ao Comité Central, para que o próprio Comité Central escolha aquele que considera ser a figura ou o candidato ideal para os desafios que a Frelimo vai ter que enfrentar.
(N)- Alguns círculos políticos e certa Imprensa insistiam em como o Presidente da República, Armando Guebuza, estaria a protelar este anúncio como estratégia para mexer a Constituição e acomodar mais um mandato. Ao que tudo indica, prevaleceu a seriedade do Chefe do Estado, não acha?
(HJ) – Felizmente, nunca pus em causa a seriedade do Chefe do Estado. Uma sociedade é feita de confiança. Nós estamos perante o mais alto magistrado da nação. O Presidente da República falou publicamente sobre a sua não recandidatura. Até já chegava a irritar a insistência de alguns sectores que levantavam a possibilidade duma eventual alteração da Constituição para acomodar um terceiro mandato. Imagino que muitas das nossas análises são feitas a partir de mimetismos, ou seja, olhamos para a realidade que nos parece próxima, onde aconteceram situações dessa natureza e pensamos que também vai acontecer aqui. Mas eu penso que as análises devem ser feitas tendo em conta a conjuntura em que nós estamos, o que é que está a acontecer e, acima de tudo, devemos acreditar nas pessoas. O Chefe do Estado pronunciou-se a dizer que não faria nenhuma alteração à Constituição e, acima de tudo, que não se recandidataria a um terceiro mandato. Para aqueles que pensavam que ele estava a tentar uma eventual mexida na Constituição, esta apresentação de três figuras como candidatas pela Comissão Política deve ter sido um “balde de água fria”. Este é um aspecto que eu reafirmo: a sociedade é feita de confiança, e nós devemos ter confiança nos actores, acima de tudo confiança nos políticos, que são as pessoas que dirigem o nosso destino como nação. A nossa tarefa como sociedade é fazer pressão para que aquilo que os políticos dizem e materializem. Tendo o Chefe do Estado dito que não haveria de se recandidatar, eu particularmente achei fútil o debate sobre uma eventual mexida na Constituição para a sua recandidatura.
(N) -Os pré-candidatos serão escrutinados pelo Comité Central. O que antevê deste processo?
(HJ) -Nós estamos perante três personalidades, três dirigentes que cada um deles tem o seu histórico no partido, tem a sua história como dirigente e que os membros do Comité Central quando forem colocados diante das três figuras que são candidatas do partido Frelimo para as próximas eleições vão fazer a sua avaliação e, naturalmente, vão julgar escolhendo aquele que vão considerar ser o melhor candidato para os desafios que o partido vai ter de enfrentar nos próximos tempos, da mesma forma para os desafios que se colocam ao país, a curto e médio prazos.
(N) – Tendo em conta que o partido tem vários quadros com alta capacidade de liderança, alto nível de formação e já militam desde os tempos da transformação da Frelimo em partido político, a indicação destas três figuras lhe causou, como analista e académico, alguma surpresa?
(HJ)- O exercício de espantar-se com o social, com o que ocorre na sociedade faz parte da actividade do sociólogo. Não dar o dado como o óbvio, questionar o óbvio. No entanto, a apresentação das três figuras, naturalmente, vai espantar muitos. Pode espantar alguns, porque andavam a levantar nomes e a fazer debates que, naturalmente, não eram feitos nos órgãos. De certeza que não eram feitos na Comissão Política, no Comité Central. O que acontecia em relação aos nomes que andaram na Imprensa antes destes três pré-candidatos a candidatos era o que o jornalista dizia, o que alguns sectores da sociedade discutiam. E vai notar que o que aparecia nos jornais, em particular, era com base em fontes anónimas. O dado é que o mais alto órgão do partido Frelimo apresentou os três candidatos a candidatos. O que vai acontecer nos próximos tempos é que os membros do partido Frelimo vão começar a discussão à volta daquele que consideram a melhor figura. Os membros do Comité Central também já começaram neste momento, de certeza, a interagir entre eles, a fazer a auto-reflexão a ver qual deles é que deve ser a aposta do partido. Da mesma forma, para os não membros do partido Frelimo, mesmo aqueles que não são simpatizantes do partido Frelimo, uma vez tendo vindo à luz os três pré-candidatos, a discussão começou na esfera pública sobre aquilo que cada um considera o candidato ideal, os pontos fortes de um ou do outro. Isto está a acontecer na nossa sociedade, desde a noite de quarta-feira quando foram anunciados os pré-candidatos.
(N)-Na sua opinião, a indicação de Alberto Vaquina como primeiro-ministro ou de José Pacheco para liderar a delegação governamental ao diálogo com a Renamo seria um sinal de que estas duas figuras poderiam ser presidenciáveis?
(HJ)-Fazer uma analogia destas tem dois lados. Por um lado, o debate que se faz fora é de que a indicação para primeiro-ministro já indiciava que Alberto Vaquina já era um dos candidatos. Da mesma forma que se diz que a liderança do processo do diálogo pelo ministro Pacheco dava a indicação de ele ser um candidato à candidato. Em todas estas situações, estamos num campo especulativo. Não creio que haja uma relação de causa e efeito. O que acredito é que a Comissão Política reuniu. Pelas regras que eles estabeleceram no dia que reuniram e do debate que houve ou da eleição que houve, geraram estes três nomes.
ORIGEM DOS CANDIDATOS É DISCUSSÃO IRRELEVANTE
(N) -Todos os três pré-candidatos não são naturais do sul do país. Terá sido confirmada a ideia de que o próximo Presidente da República teria que ser do centro ou do norte do país?
(HJ) -Eu penso que entramos para mais um campo que eu não aprecio, que é o da discussão da origem étnica ou regional, se quisermos dizer, do candidato ou da personalidade que vai trabalhar em alguma área. O juízo que de facto nós fazemos é que nenhum dos candidatos é originário da região sul do país. Mas isto levanta outra questão: qualquer um que faz parte de Moçambique pode ser candidato a presidente. Não olhemos para a origem étnica e regional dos candidatos. Penso que deve ter sido feita uma reflexão no partido Frelimo. Os dirigentes da Frelimo têm melhor autoridade para se referir ao critério, mas continuo a dizer que não é relevante se fazer a discussão sobre os três candidatos a candidatos em função da sua origem. O mais importante é olharmos para os três pré-candidatos, qualquer um deles vai ser o candidato da Frelimo. Qualquer deles, sendo candidato da Frelimo é, à partida, um sério candidato à Presidente da República, o que coloca muita responsabilidade nele. Eu penso que é mais importante a reflexão sobre o peso e os desafios que vão ser colocados ao candidato que sair destas três figuras do que a discussão sobre a origem étnica. Eu costumo dizer que sou um produto híbrido aqui de Moçambique. Sou um produto de várias mestiçagens, então como é que eu me identifico? Naturalmente que as pessoas tendem a fazer a manipulação das identidades. Num momento convém dizer que pertenço ao grupo X, porque o meu pai é desta região, noutro momento que pertenço ao grupo Y, porque a minha mãe é desta região. Manipulamos várias identidades, e é por isso que considero irrelevante a discussão sobre a origem dos candidatos.
(N) -Estamos a menos de 12 meses da realização das eleições gerais de 2014. Na sua opinião, o candidato que for escrutinado pelo Comité Central terá tempo suficiente para fazer passar a sua mensagem junto do eleitorado? O Presidente Guebuza foi apresentado pelo antigo Chefe do Estado, Joaquim Chissano, como candidato com cerca de dois anos de antecedência…
(HJ)- Coloca-me uma questão interessante. Remete-nos a mais uma vez à ideia de mimetismos a que me referi, que é fazermos a história e a análise dos processos por analogia, que é: como Guebuza foi assim, com o candidato X também devia ser assim. Não é Verdade. Eu creio que o candidato que sair da escolha pelos membros do Comité Central vai ter todo o tempo suficiente para fazer a sua campanha, isto é, fazer a sua imagem. O tempo que nós temos desde este mês de Dezembro até 15 de Outubro, que é a data da eleição, é tempo suficiente para um partido organizar uma máquina e fazer a figura dum candidato. A figura dum candidato faz-se. Há profissionais que se dedicam a fazer a figura dum candidato, depois cabe aos militantes dos respectivos partidos fazerem o seu trabalho de base. Repito: há tempo suficiente sim para o candidato ter visibilidade, ser conhecido, afirmar-se, lembrando que há especialistas em fazer a imagem do candidato, de tirar até pessoas anónimas e as tornar grandes referências. Isso já se fez em vários cantos deste globo terrestre e Moçambique não é excepção.
(N) - Com qualquer um deles, pode-se garantir a vitória da Frelimo?
(HJ)- À partida, qualquer candidato da Frelimo neste momento como candidato a Presidente da República de Moçambique é um candidato a vencer a eleição. Esta é a minha tese. No entanto, a conjuntura também faz a eleição. Quer dizer que o período que temos até à próxima eleição, os factos que vão ocorrer irão fazer do candidato a sua consolidação no sentido de próximo Presidente ou podem prejudicá-lo. Estou a dizer que qualquer um dos candidatos, por ser candidato da Frelimo e por ser candidato dum partido que está no poder e inserido nas massas, é um candidato a ser Presidente da República, a ser vencedor. No entanto, lembro-me, simplesmente, que há factores colaterais que devem ser controlados, lembrando que a conjuntura também faz uma eleição. Estou a referir-me à conjuntura social, económica e política em que vai decorrer a próxima eleição.
(N)- O candidato que foi escrutinado pelo Comité Central terá de enfrentar adversários na corrida presidencial. Neste momento, a nível da oposição aponta-se Daviz Simango, do MDM, dado que o seu partido conquistou três municípios e assentos consideráveis nas assembleias municipais nas eleições de 20 de Novembro. Pode-se dizer que as eleições de 2014 serão renhidas?
(HJ)- Há esta ideia de que Daviz Simango é um candidato. Eu não sei se Daviz Simango vai ser candidato. O candidato pode ser Manuel de Araújo. Não sei qual dos dois será candidato do MDM. No entanto, o que neste momento tenho a dizer é que a Frelimo tem três pré-candidatos. Vamos esperar primeiro que saia aquele que vai ser o candidato da Frelimo, depois, também, que os outros partidos apresentem os seus candidatos. Nessa altura, poderei fazer uma afirmação, um juízo, de facto, em função dos dados e do potencial de cada um dos candidatos.
FRELIMO NÃO É MONOLÍTICO
(N)-Diz-se que há alas na Frelimo. Segundo algumas vozes, há camaradas que estão a ser silenciados, sobretudo aqueles que tentam tecer alguma crítica à actual liderança do partido. É de se antever, com esta indicação de pré-candidatos, considerados da ala do actual Presidente, uma discussão acérrima na sessão do Comité Central?
(HJ)-Eu acho que nós analisamos o político, os partidos políticos com algum romancismo, no sentido de pensar que eles são tão monolíticos. Quer dizer, basta ser um partido político, há só uma forma de pensar e uma voz. A Frelimo, tal como qualquer partido político do mundo, não é um partido monolítico. Isto aqui deve ficar claro. Quem faz a análise e problematiza a Frelimo tenta passar a ideia de que está a acontecer algo extraordinário. Os partidos políticos não são monolíticos. Nós podemos estar num partido político em que todos os membros defendem que o mesmo deve defender a paz, por exemplo. Mas se perguntar a cada um dos membros que caminho é que se deve seguir para defender a paz, vai ver que cada um vai apresentar um caminho diferente. Isto é que mostra que os partidos não são monolíticos. Isso deve ficar assente na nossa análise política. Está a levantar-me a ideia que se constrói dum grupo de puritanos. Não há puritanismo. Há gente que com o tempo vai mudando de ideias, vai vendo o social de maneira diferente, vai tentando puxar as leituras de acordo com o seu interesse. Não se coloca a questão do debate que pode surgir no Comité Central. Se o debate que surgir for este que nós temos visto na nossa esfera pública, em que supostamente a inteligência, no sentido de Gramsch, que devia discutir conteúdo, ideia, visão do país, anda a chamar uns de lambe-botas, estúpidos. Quer dizer, discutir pessoas e passar a vida a insultar e tentar desqualificar não creio que isso vai acontecer no Comité Central. O que estou a dizer é que a nossa esfera pública está pobre do ponto de vista do debate de qualidade, um debate de ideias, um debate de visão do país. É uma esfera pública que está constantemente a discutir pessoas e a tentar desqualificar o outro. Recuso-me a discutir pessoas, a insultar seja quem for. Discordo de ideias e é sobre ideias que eu discuto.
NOTÍCIAS – 13.12.2013
Porque para ter admirador basta estar vivo, ate o Hetler teve seguidores.
QUE PENA