Edgar Kamikaze Barroso
SOBRE OS NOSSOS HÁBITOS DE LEITURA E OS RECORRENTES “INSULTOS” DO SOCIÓLOGO ELÍSIO MACAMO AOS JOVENS DESALINHADOS COM O GOVERNO DO DIA
Há já um tempo que venho notando que grande parte dos meus amigos daqui do Facebook não gosta de ler textos longos (normalmente, artigos de opinião) sobre os mais diversos assuntos do nosso país. Particularmente os que abordam questões políticas. Regra geral, aleg...am não ter tempo de os ler por serem de linguagem muito complexa, aborrecidos e exageradamente densos.
Pode ser que tenham razão. E isso pode até reforçar a convicção generalizada segundo a qual os nossos hábitos de leitura estejam a deteriorar-se de modo vertiginoso nos últimos tempos. Hoje em dia as pessoas estudam e se formam num sistema de educação que prioriza o instantâneo... Testes e exames “multi-choice”, literatura generalista que se foca em “bullets” e professores ou docentes preguiçosos, formados às correrias e com múltiplas ocupações profissionais. Muitos de nós, mais jovens, fomos formados como autênticas caixas de ressonância de tudo quanto os nossos educadores achavam que deveríamos saber e mais nada... Não fomos educados para ler para além do “copy & paste” e, quando diante de textos relativamente mais elaborados, morremos de sono natural. Não fomos educados a ler, pensar e opinar, de modo endógeno e pessoal. Fomos educados a repetir o que os outros dizem, concordando ou discordando em função do que a maioria acha ou daqueles que julgamos serem a referência do pensamento elaborado. Vamos sempre pelo mais fácil, resumindo o nosso contributo opinativo aos 160 caracteres de uma SMS... Queremos tudo já feito, apresentado em 3 ou 5 linhas de um post no Facebook. Nunca comentamos um pensamento ou argumento patente num texto, comentamos os títulos dos jornais e as notas de rodapé que aparecem nos serviços noticiosos das nossas televisões. Todo o resto é cansativo para o escasso tempo que aparentemente temos, complicado o suficiente para disputar a nossa atenção com fotos de mulheres em poses sensuais e posts de anedotas ou, mais ainda, parece ser erudito demais para os nossos miolos.
Tudo isto vem à propósito de alguns textos de proeminentes figuras do nosso país intelectual que têm sido postados nos últimos tempos. Muitos deles dedicam autênticos “jornais”, nos seus posts aqui no Facebook, para falar do nosso pulsar como nação ou país, a todos os níveis. Através desses artigos, muita informação passa à leste de muita gente que, genuinamente, se preocupa com o país, a sua condição presente e os seus rumos futuros. Com efeito, muitos desses textos são mesmo complicados pela forma como são escritos... Os nossos maiores pensadores são, invariavelmente, professores doutores (PHD´s), habituados a escrever com um rigor lexical e conceptual muito acima da média da nossa compreensão geral. Muitos deles estuda(ra)m ou vive(ra)m no estrangeiro, onde o nível de formação e o grau de instrução são largamente superiores aos nossos, cá em Moçambique. Não sei se o fazem de propósito, para de modo deliberado traçarem uma fronteira de qualidade entre nós e eles. Não sei se escrevem apenas para cidadãos que tem o mesmo nível de instrução que eles.
O que é certo é que não escrevem para o cidadão comum e, embora dele falem nos seus textos (alguns até são mesmo dirigidos a ele), nunca facilitam a sua compreensão e a devida apropriação. Muitas vezes, esse mesmo cidadão comum é vilipendiado, ridicularizado e estupidificado nos textos dos nossos grandes pensadores e tal facto passa-lhe muitas vezes de lado. Ou porque o cidadão não “apanha” o português do PHD que o aborda, ou porque o PHD que o aborda não dificulta propositadamente a sua compreensão. Para além disso, nalguns desses textos os seus autores impõem ao cidadão comum uma disciplina rígida de metodologia na emissão dos seus comentários... Regra geral, só os comentários que vão de encontro à ditadura metodológica do autor é que são respondidos ou merecem a devida apreciação. Os que se expressam “como povo” são ou invariavelmente ignorados ou “cientificamente” humilhados, sem comiseração nenhuma. Não há nem “fairy-play” nem o devido desconto pelas naturais incipiências da “sociologia do debate” nacional. Os comentaristas são necessariamente obrigados a perceberem infalivelmente o autor e a demonstrarem possuir “background” intelectual suficiente para interagir com o articulista, debatendo em pé de igualdade com o mesmo. Está-se nas tintas para o facto de nem todos sermos PHD´s ou de nem todos termos experiência de debate universalmente aceites. Não se debate os problemas do país e do povo com o povo (respeitando-se a sua diversidade), debate-se sobre o país e os problemas do povo exclusivamente com a elite pretensamente pensante, em linguagem conotada, erudita e excludente.
Vou citar um exemplo muito peculiar, baseados nos últimos artigos de um dos mais proeminentes sociólogos moçambicanos, Prof. Doutor Elisio Macamo, onde os que se assumem abertamente como críticos do regime no poder (muitos deles nós, os jovens) são “insultados” sem direito de resposta. No artigo “Eu admiro Dhlakama”, o autor chama aos críticos do status quo no nosso país de “esclarecidos” (assim mesmo, entre aspas), cidadãos que têm que esgrimir argumentos finos e zangados apenas para serem ouvidos pelo regime no poder. No mesmo texto, chama aos jovens descontentes com a forma como Moçambique tem sido governado de “juventude impetuosa e com as mentes toldadas por conceitos estrangeiros mal digeridos”. O Prof. Elísio Macamo afirma, no seu último artigo, que, e por exemplo, admira Dhlakama “pelo facto de o seu agir político ser um melhor guia à racionalidade da acção política em Moçambique do que os tratados facebookianos enformados pela encenação da indignação”... Por outra, tudo quanto se publica pelo cidadão comum no Facebook e como revolta à injustiça e os podres do nosso Governo são inferiores e descartáveis para se analisar o nosso status quo político porque são viciados ou inventados. Do estilo, e em linguagem simplificada, os nossos posts são que nem aquelas peças de teatro do Gungu que retratam cenários de pobreza da nossa sociedade. Para Macamo, estamos todos a mafiar, exagerando os nossos problemas e fingindo que estamos indignados com o que diariamente nos aflige!
Quase ninguém viu isto, no texto por ele publicado. Geralmente ou porque os seus textos são longos demais e falam de múltiplos assuntos, ou porque a linguagem é exageradamente “sociológica” e com recorrentes disfunções entre os títulos e o conteúdo dos mesmos. Não é a primeira vez que ele se dirige nesses termos para a juventude desalinhada com o poder do dia. Não é a primeira vez que ele nos encharca de recursos “sociológicos”, linguísticos e retóricos para descredibilizar ou deslegitimar o pensamento e o sentimento dos cidadãos que vivem o descalabro do país na pele, no coração e no estômago. Não tenho nada contra quem o admira e que com ele troca textualmente palmadinhas nas costas, entre elogios e dissertações de fina estampa, ignorando deliberadamente tais agressões verbais contra os demais cidadãos que apenas tentam ser sensatos com a sua própria vida e com o que percebem do país. Um dia também já fui assim, fã incondicional dos textos do Prof. Elísio Macamo, até ao dia que, invariavelmente, comecei a notar nos seus escritos um indisfarçável e reiterado ataque aos que gritam por um Moçambique melhor, particularmente os das camadas mais jovens. Ninguém é obrigado a pensar Moçambique segundo ditames metodológicos que melhor agradam ao ilustre sociólogo e nem pode ser sentenciado por estar simplesmente a omitir a sua opinião, de forma livre e aberta. Os factos não mudam simplesmente porque o artefacto teórico ou linguístico que estrutura a nossa indignação não é o que é intelectual ou academicamente convencionado. Nenhum cobrador de chapa, jornalista, vendedor de recargas de telemóvel, desempregado, mukherista, funcionário público ou varredor de rua precisa de perceber sociologia (do poder ou do debate) para sentir e falar sobre o país.See more
Há já um tempo que venho notando que grande parte dos meus amigos daqui do Facebook não gosta de ler textos longos (normalmente, artigos de opinião) sobre os mais diversos assuntos do nosso país. Particularmente os que abordam questões políticas. Regra geral, aleg...am não ter tempo de os ler por serem de linguagem muito complexa, aborrecidos e exageradamente densos.
Pode ser que tenham razão. E isso pode até reforçar a convicção generalizada segundo a qual os nossos hábitos de leitura estejam a deteriorar-se de modo vertiginoso nos últimos tempos. Hoje em dia as pessoas estudam e se formam num sistema de educação que prioriza o instantâneo... Testes e exames “multi-choice”, literatura generalista que se foca em “bullets” e professores ou docentes preguiçosos, formados às correrias e com múltiplas ocupações profissionais. Muitos de nós, mais jovens, fomos formados como autênticas caixas de ressonância de tudo quanto os nossos educadores achavam que deveríamos saber e mais nada... Não fomos educados para ler para além do “copy & paste” e, quando diante de textos relativamente mais elaborados, morremos de sono natural. Não fomos educados a ler, pensar e opinar, de modo endógeno e pessoal. Fomos educados a repetir o que os outros dizem, concordando ou discordando em função do que a maioria acha ou daqueles que julgamos serem a referência do pensamento elaborado. Vamos sempre pelo mais fácil, resumindo o nosso contributo opinativo aos 160 caracteres de uma SMS... Queremos tudo já feito, apresentado em 3 ou 5 linhas de um post no Facebook. Nunca comentamos um pensamento ou argumento patente num texto, comentamos os títulos dos jornais e as notas de rodapé que aparecem nos serviços noticiosos das nossas televisões. Todo o resto é cansativo para o escasso tempo que aparentemente temos, complicado o suficiente para disputar a nossa atenção com fotos de mulheres em poses sensuais e posts de anedotas ou, mais ainda, parece ser erudito demais para os nossos miolos.
Tudo isto vem à propósito de alguns textos de proeminentes figuras do nosso país intelectual que têm sido postados nos últimos tempos. Muitos deles dedicam autênticos “jornais”, nos seus posts aqui no Facebook, para falar do nosso pulsar como nação ou país, a todos os níveis. Através desses artigos, muita informação passa à leste de muita gente que, genuinamente, se preocupa com o país, a sua condição presente e os seus rumos futuros. Com efeito, muitos desses textos são mesmo complicados pela forma como são escritos... Os nossos maiores pensadores são, invariavelmente, professores doutores (PHD´s), habituados a escrever com um rigor lexical e conceptual muito acima da média da nossa compreensão geral. Muitos deles estuda(ra)m ou vive(ra)m no estrangeiro, onde o nível de formação e o grau de instrução são largamente superiores aos nossos, cá em Moçambique. Não sei se o fazem de propósito, para de modo deliberado traçarem uma fronteira de qualidade entre nós e eles. Não sei se escrevem apenas para cidadãos que tem o mesmo nível de instrução que eles.
O que é certo é que não escrevem para o cidadão comum e, embora dele falem nos seus textos (alguns até são mesmo dirigidos a ele), nunca facilitam a sua compreensão e a devida apropriação. Muitas vezes, esse mesmo cidadão comum é vilipendiado, ridicularizado e estupidificado nos textos dos nossos grandes pensadores e tal facto passa-lhe muitas vezes de lado. Ou porque o cidadão não “apanha” o português do PHD que o aborda, ou porque o PHD que o aborda não dificulta propositadamente a sua compreensão. Para além disso, nalguns desses textos os seus autores impõem ao cidadão comum uma disciplina rígida de metodologia na emissão dos seus comentários... Regra geral, só os comentários que vão de encontro à ditadura metodológica do autor é que são respondidos ou merecem a devida apreciação. Os que se expressam “como povo” são ou invariavelmente ignorados ou “cientificamente” humilhados, sem comiseração nenhuma. Não há nem “fairy-play” nem o devido desconto pelas naturais incipiências da “sociologia do debate” nacional. Os comentaristas são necessariamente obrigados a perceberem infalivelmente o autor e a demonstrarem possuir “background” intelectual suficiente para interagir com o articulista, debatendo em pé de igualdade com o mesmo. Está-se nas tintas para o facto de nem todos sermos PHD´s ou de nem todos termos experiência de debate universalmente aceites. Não se debate os problemas do país e do povo com o povo (respeitando-se a sua diversidade), debate-se sobre o país e os problemas do povo exclusivamente com a elite pretensamente pensante, em linguagem conotada, erudita e excludente.
Vou citar um exemplo muito peculiar, baseados nos últimos artigos de um dos mais proeminentes sociólogos moçambicanos, Prof. Doutor Elisio Macamo, onde os que se assumem abertamente como críticos do regime no poder (muitos deles nós, os jovens) são “insultados” sem direito de resposta. No artigo “Eu admiro Dhlakama”, o autor chama aos críticos do status quo no nosso país de “esclarecidos” (assim mesmo, entre aspas), cidadãos que têm que esgrimir argumentos finos e zangados apenas para serem ouvidos pelo regime no poder. No mesmo texto, chama aos jovens descontentes com a forma como Moçambique tem sido governado de “juventude impetuosa e com as mentes toldadas por conceitos estrangeiros mal digeridos”. O Prof. Elísio Macamo afirma, no seu último artigo, que, e por exemplo, admira Dhlakama “pelo facto de o seu agir político ser um melhor guia à racionalidade da acção política em Moçambique do que os tratados facebookianos enformados pela encenação da indignação”... Por outra, tudo quanto se publica pelo cidadão comum no Facebook e como revolta à injustiça e os podres do nosso Governo são inferiores e descartáveis para se analisar o nosso status quo político porque são viciados ou inventados. Do estilo, e em linguagem simplificada, os nossos posts são que nem aquelas peças de teatro do Gungu que retratam cenários de pobreza da nossa sociedade. Para Macamo, estamos todos a mafiar, exagerando os nossos problemas e fingindo que estamos indignados com o que diariamente nos aflige!
Quase ninguém viu isto, no texto por ele publicado. Geralmente ou porque os seus textos são longos demais e falam de múltiplos assuntos, ou porque a linguagem é exageradamente “sociológica” e com recorrentes disfunções entre os títulos e o conteúdo dos mesmos. Não é a primeira vez que ele se dirige nesses termos para a juventude desalinhada com o poder do dia. Não é a primeira vez que ele nos encharca de recursos “sociológicos”, linguísticos e retóricos para descredibilizar ou deslegitimar o pensamento e o sentimento dos cidadãos que vivem o descalabro do país na pele, no coração e no estômago. Não tenho nada contra quem o admira e que com ele troca textualmente palmadinhas nas costas, entre elogios e dissertações de fina estampa, ignorando deliberadamente tais agressões verbais contra os demais cidadãos que apenas tentam ser sensatos com a sua própria vida e com o que percebem do país. Um dia também já fui assim, fã incondicional dos textos do Prof. Elísio Macamo, até ao dia que, invariavelmente, comecei a notar nos seus escritos um indisfarçável e reiterado ataque aos que gritam por um Moçambique melhor, particularmente os das camadas mais jovens. Ninguém é obrigado a pensar Moçambique segundo ditames metodológicos que melhor agradam ao ilustre sociólogo e nem pode ser sentenciado por estar simplesmente a omitir a sua opinião, de forma livre e aberta. Os factos não mudam simplesmente porque o artefacto teórico ou linguístico que estrutura a nossa indignação não é o que é intelectual ou academicamente convencionado. Nenhum cobrador de chapa, jornalista, vendedor de recargas de telemóvel, desempregado, mukherista, funcionário público ou varredor de rua precisa de perceber sociologia (do poder ou do debate) para sentir e falar sobre o país.See more
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