terça-feira, 23 de abril de 2013

Pobre justiça portuguesa

 

José Ribeiro
21 de Abril, 2013
Maria Eugénia Neto enfrentou com coragem o regime fascista e colonialista de Lisboa. Até à sua fuga para Marrocos, na companhia do seu bebé, do marido, Agostinho Neto, e de Luís Cabral, que veio a ser Presidente da Guiné-Bissau, nunca a polícia política portuguesa conseguiu levá-la aos Tribunais Plenários. E quando levaram o seu marido, ela teve um comportamento digno e corajoso. Quem viu conta que chegou a ser comovente.
Foi esta grande mulher que acompanhou e deu a sua vida à luta de libertação dos povos das ex-colónias portuguesas, desde os seus primórdios até ao triunfo final, sempre na companhia de Neto, o Presidente Poeta, o fundador da Nação Angolana, aquele por quem se esperou e aquele que nunca desistiu, apesar de muitos não o compreenderem e lhe exigirem uma vida acrescida de sacrifícios.
Na História de Portugal não há nenhuma mulher com a dimensão de Maria Eugénia Neto. Por isso muitos a odeiam. Mas Maria Eugénia Neto tem um amor e um carinho especial pelo povo português. Mostrou isso sempre e muito especialmente em 1978, quando os Presidentes Ramalho Eanes e Agostinho Neto decidiram, em Bissau, dar livre curso à História e reatar as relações que outros dirigentes portugueses cortaram, envenenaram ou simplesmente desprezaram. Houve um momento em que a cimeira podia ter dado em fracasso. Mas Maria Eugénia Neto, discretamente, fez tudo para que ela fosse um sucesso. Naquele momento, ela foi a melhor embaixadora que Portugal podia ter nas suas relações com o mundo que fala em Português.
As elites portuguesas actuais não são capazes de compreender a dimensão de uma mulher que lutou ao lado de Agostinho Neto, o jovem angolano que saiu de Icolo e Bengo para estudar medicina em Coimbra, o homem que combateu Salazar e lutou pela liberdade em Portugal, que fez desmoronar o colonialismo português e ajudou a varrer da África Austral o apartheid. No Portugal de hoje, poucos têm estatuto, sabedoria e humildade para compreender que Agostinho Neto, Maria Eugénia e o MPLA marcaram de forma peculiar a História portuguesa do século XX. E esses poucos andam escondidos ou preocupados com a crise. Isso explica, talvez, a desorientação que atravessa os jovens portugueses. Muitos deles me perguntam porque razão apenas os angolanos são julgados e condenados em Portugal.
Maria Eugénia Neto é a grande mulher que simboliza a relação profunda entre Angola e Portugal. Sem ela, essa relação histórica é uma mentira. Pois bem, os fascistas nunca conseguiram levá-la aos Tribunais Plenários porque ela se escapou por entre as suas garras. Mas no Portugal de hoje, dominado pela crise financeira, por elites corruptas e pela perda de valores de toda a natureza, ela foi julgada no Tribunal Criminal de Lisboa e condenada! Uma obscura juíza salvou, finalmente, a pátria de Camões!
Como tudo aconteceu? Nos órgãos judiciais portugueses há gente que se move pela vontade de vingança em relação a Angola. Gente de má consciência produziu um livro sobre os acontecimentos de 27 de Maio de 1977 que é um insulto à memória de Neto. A viúva, Maria Eugenia Neto, reagiu à agressão e considerou a autora do aborto histórico e literário, mentirosa e desonesta. Eu, que acompanhei de perto todos aqueles acontecimentos, li o livro e achei que a resposta de Maria Eugénia Neto foi comedida e delicada face a um livro que está cheio de mentiras deliberadas, manipulações grosseiras, omissões graves e deturpações fraudulentas. Para atingir o objectivo pretendido, os autores recorrem a tantas armadilhas “metodológicas” que se torna difícil aceitar o livro como sendo escrito por uma historiadora. No fundo, a obra é um tributo notável à desonestidade intelectual, à aldrabice, ao ressentimento, ao ódio contra Angola e à lavagem histórica de figuras, como Monstro Imortal, Nito Alves, Cita Vales e Zé Van-Dúnem, responsáveis pela desgraça que bateu à porta de muitas famílias angolanas e portuguesas . A juíza disse, na sentença, que na audiência não se julgou o livro nem os factos históricos ali tratados com desonestidade e mentira. Então, o que se julgou?
Eu não comento a decisão judicial nem os factos históricos. Apenas trato do assunto numa perspectiva jornalística. No livro foi usada a mentira e a desonestidade para levar o leitor a concluir que Agostinho Neto “foi pior do que Pinochet”. Isto é insulto grosseiro, agressão violenta à memória de Neto. Eu sei – porque vivi os acontecimentos, não estava a dar aulas numa escola do enisno básico em Portugal – que Neto foi alvo de um golpe traiçoeiro, engendrado por um grupo movido pela ambição, que desejava a tomada do poder pela força “revolucionária” e que esse grupo recorreu à prática de assassinatos. Estes são os factos. A culpa foi exclusivamente dos golpistas, que antes do golpe já exigiam a Neto uma “purga” dentro do MPLA. Quem é sério e honesto sabe que uma historiadora não se pode limitar a ouvir os irmãos dos golpistas, os amigos, os ressentidos e os portugueses que, por culpa de Monstro Imortal, Nito Alves, Cita Vales e ZéVan-Dúnem tiveram de abandonar Angola. Algumas dessas pessoas estiveram envolvidas no julgamento a Maria Eugénia Neto, sendo parte interessada.
O livro “Purga em Angola”, sendo de uma parcialidade total e insultuosa, suscitou a reacção proporcional e contida de Maria Eugénia Neto. Maria Eugénia Neto foi, portanto, julgada por responder ao insulto, mas foi considerada culpada de um crime que não cometeu. Lembro que, há dias, o Ministério Público de Lisboa mandou arquivar uma queixa apresentada por generais angolanos contra um “activista” que os acusou de assassinos e torturadores. O magistrado que apreciou a queixa mandou arquivá-la, porque o autor de tão graves acusações apenas fez uso da “liberdade de expressão”.
O mesmo serviço que assim decidiu, recusou agora a Maria Eugénia Neto o mesmo direito. Dois pesos, duas medidas.
Finalmente, um Tribunal português conseguiu julgar Agostinho Neto e os seus camaradas, na pessoa de Maria Eugénia Neto. Pobre justiça portuguesa!

1 comentário:

Anónimo disse...

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