Crónica sobre as eleições americanas
Escrevo
poucos dias antes da eleição. O que é de uma comodidade atroz. De outra
forma, seria facilmente acusado de ter esta ou aquela opinião por via
de já conhecer o resultado. Vou fazer dois comentários principais, um de
carácter técnico – e devem acreditar em mim – e outro conspirativo –
mas já não sei se é bom ou mau acreditar nele.
Antes do comentário técnico, que diz respeito às sondagens a que temos assistido, devo dizer que os americanos bateram no fundo. Têm de escolher entre um trumpolineiro, que está sempre a fazer asneiras e a dizer disparates para chamar a atenção – como o «Menino Nelito» do Herman, que, segundo as suas próprias palavras, explicava a diabrura porque «se levantava muito cedinho e por isso tinha muito tempo para fazer asneiras» –, e uma máscara de cera hillaryante, pois faz sempre as mesmas caras, abana a cabeça sempre da mesma maneira, como uma marioneta de fingimento. Esta análise aparentemente brincalhona leva-me ao meu comentário técnico.
Com efeito, já se percebeu que os americanos não gostam nem de um nem do outro. Sabem que vão escolher entre um maluco e uma sonsa. Mas têm medo do trumpolineiro, não vá dar-lhe um acesso de fúria e rebentar com o mundo. Por isso, há uma franja do eleitorado que vai votar na hillaryante a contragosto. O que significa que existe um perigo, muito conhecido dos que estudam o comportamento eleitoral, que se chama «abstenção por certeza de vitória». Ou seja, se os eleitores democratas contrariados tiverem a mais pequena suspeita de a vitória da hillaryante estar assegurada (o que pode acontecer se as últimas sondagens derem diferenças superiores a 5%), terão mais tendência para não ir votar. E pode ganhar o outro. Isto é tanto mais plausível quanto acontece que os líderes de opinião e os jornalistas (e muitos fazedores de sondagens também) têm vindo a convencer a população eleitora de que as sondagens pré-eleitorais são bons estimadores do resultado final, quando não é verdade. As sondagens pré-eleitorais medem a intenção de voto no momento e podem ser maus estimadores se certo eleitorado tomar uma decisão brusca no último momento, ou se, mais habitual, não tomar decisão alguma e ficar em casa. Estas reacções são mais prováveis quando os eleitores não gostam dos candidatos e em países onde há elevada abstenção (como é o caso). Tudo isto para dizer que não nos devemos admirar de um volte-face final. Não são as sondagens que falham. São os analistas que não as sabem analisar.
Vamos então ao segundo comentário.
A experiência Obama veio confirmar uma tese, muito difundida, segundo a qual o Presidente dos EUA não manda nada. Não sei quem manda, talvez seja a tal espécie de sociedade meia secreta de sujeitos hiper-ricos e hiperpoderosos. Ou não. Se calhar é mesmo uma sociedade secreta «à Dan Brown». Ou poderão ser extraterrestres infiltrados. Mas os presidentes já se percebeu que não são. De facto, o pobre Obama não fez nada do que queria. Mete-se pelos olhos dentro. Nem Guantánamo, nem as armas, nem a reforma da Saúde, nem sequer conseguiu diminuir o racismo policial. E também – vamos lá pensar friamente – devemos reconhecer totalmente infantil a ideia de o presidente poder accionar os códigos nucleares sozinho, por exemplo, com uma enorme bebedeira.
Por estas razões, e no limite, tanto faz quem vai ganhar. E serão certamente alarmistas as opiniões dos que anunciam a terceira guerra mundial para o dia seguinte. Tudo vai continuar mais ou menos igual. Mas não deixa de ser curioso pensar que a suposta maior (em intensidade, profundidade) democracia do mundo não seja governada pelos eleitos do povo. Nós sabemos, nas nossas democracias ocidentais, que não é o povo que governa, mas um dos (normalmente) dois partidos principais. Agora pensar que nem são sequer estes escolhidos pelos partidos que governam, e que tal é assegurado por uns tipos que ninguém conhece, é assustador.
A palavra democracia parece-me um termo cada vez menos apropriado para os regimes que a apresentam como bandeira. Embora seja claro que não nos deve nem passar pela cabeça querer viver num dos outros...
Antes do comentário técnico, que diz respeito às sondagens a que temos assistido, devo dizer que os americanos bateram no fundo. Têm de escolher entre um trumpolineiro, que está sempre a fazer asneiras e a dizer disparates para chamar a atenção – como o «Menino Nelito» do Herman, que, segundo as suas próprias palavras, explicava a diabrura porque «se levantava muito cedinho e por isso tinha muito tempo para fazer asneiras» –, e uma máscara de cera hillaryante, pois faz sempre as mesmas caras, abana a cabeça sempre da mesma maneira, como uma marioneta de fingimento. Esta análise aparentemente brincalhona leva-me ao meu comentário técnico.
Com efeito, já se percebeu que os americanos não gostam nem de um nem do outro. Sabem que vão escolher entre um maluco e uma sonsa. Mas têm medo do trumpolineiro, não vá dar-lhe um acesso de fúria e rebentar com o mundo. Por isso, há uma franja do eleitorado que vai votar na hillaryante a contragosto. O que significa que existe um perigo, muito conhecido dos que estudam o comportamento eleitoral, que se chama «abstenção por certeza de vitória». Ou seja, se os eleitores democratas contrariados tiverem a mais pequena suspeita de a vitória da hillaryante estar assegurada (o que pode acontecer se as últimas sondagens derem diferenças superiores a 5%), terão mais tendência para não ir votar. E pode ganhar o outro. Isto é tanto mais plausível quanto acontece que os líderes de opinião e os jornalistas (e muitos fazedores de sondagens também) têm vindo a convencer a população eleitora de que as sondagens pré-eleitorais são bons estimadores do resultado final, quando não é verdade. As sondagens pré-eleitorais medem a intenção de voto no momento e podem ser maus estimadores se certo eleitorado tomar uma decisão brusca no último momento, ou se, mais habitual, não tomar decisão alguma e ficar em casa. Estas reacções são mais prováveis quando os eleitores não gostam dos candidatos e em países onde há elevada abstenção (como é o caso). Tudo isto para dizer que não nos devemos admirar de um volte-face final. Não são as sondagens que falham. São os analistas que não as sabem analisar.
Vamos então ao segundo comentário.
A experiência Obama veio confirmar uma tese, muito difundida, segundo a qual o Presidente dos EUA não manda nada. Não sei quem manda, talvez seja a tal espécie de sociedade meia secreta de sujeitos hiper-ricos e hiperpoderosos. Ou não. Se calhar é mesmo uma sociedade secreta «à Dan Brown». Ou poderão ser extraterrestres infiltrados. Mas os presidentes já se percebeu que não são. De facto, o pobre Obama não fez nada do que queria. Mete-se pelos olhos dentro. Nem Guantánamo, nem as armas, nem a reforma da Saúde, nem sequer conseguiu diminuir o racismo policial. E também – vamos lá pensar friamente – devemos reconhecer totalmente infantil a ideia de o presidente poder accionar os códigos nucleares sozinho, por exemplo, com uma enorme bebedeira.
Por estas razões, e no limite, tanto faz quem vai ganhar. E serão certamente alarmistas as opiniões dos que anunciam a terceira guerra mundial para o dia seguinte. Tudo vai continuar mais ou menos igual. Mas não deixa de ser curioso pensar que a suposta maior (em intensidade, profundidade) democracia do mundo não seja governada pelos eleitos do povo. Nós sabemos, nas nossas democracias ocidentais, que não é o povo que governa, mas um dos (normalmente) dois partidos principais. Agora pensar que nem são sequer estes escolhidos pelos partidos que governam, e que tal é assegurado por uns tipos que ninguém conhece, é assustador.
A palavra democracia parece-me um termo cada vez menos apropriado para os regimes que a apresentam como bandeira. Embora seja claro que não nos deve nem passar pela cabeça querer viver num dos outros...
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