O saudita com família britânica que tem liderado greves de fome entre os detidos poderá deixar a prisão americana dentro de 30 dias.
Shaker Aamer, preso em Guantánamo há 13 anos sob suspeita de terrorismo mas sem nunca ter sido formalmente acusado, vai ser finalmente libertado. Apesar de já por duas vezes ter sido recomendada a sua libertação – em 2007 e 2010 – por um painel de várias agências governamentais americanas, incluindo a CIA, e de uma intensa pressão diplomática britânica, uma vez que a sua família vive no Reino Unido, os EUA sempre resistiram a libertar um homem que consideravam ter ligações a recrutadores importantes da Al-Qaeda na Europa.
O mais cedo que Aamer poderá ser libertado é a 25 de Outubro – é quando termina o prazo de 30 dias da notificação que Ashton Carter, o secretário da Defesa norte-americano, enviou na sexta-feira ao Congresso da decisão de libertá-lo. O Congresso não pode travar a libertação, nem costuma fazê-lo, explica o Guardian.
Quando Aamer sair da prisão, ficarão ainda em Guantánamo 113 prisioneiros, dos quais 53 estão em condições de serem transferidos para os seus países ou outros que os aceitem se forem satisfeitas as condições de segurança necessárias. Barack Obama ainda mantém a promessa de encerrar a prisão de Guantánamo até deixar a Casa Branca, em Janeiro de 2017. Esta cadeia onde não funcionam as regras normais do direito foi aberta pelo seu antecessor, George W. Bush, para deter suspeitos da guerra contra o terrorismo.
Shaker Aamer nasceu na Arábia Saudita há 48 anos mas casou-se com uma britânica, com quem teve quatro filhos, e estava a pedir a cidadania britânica na altura em que foi preso, em 2001, no Afeganistão – entregue aos americanos pela Aliança do Norte, sob a acusação de ser um combatente nas montanhas de Tora Bora, onde se escondia Osama Bin Laden, onde teria sido capturado com uma metralhadora AK-47 nas mãos. Inicialmente esteve na prisão de Bagram e está em Guantánamo desde 13 de Fevereiro de 2002.
Aamer foi tradutor para as tropas americanas na Arábia Saudita na primeira guerra do Golfo, e depois trabalhou em Atlanta, Georgia (EUA), e teve vários empregos, passou por vários países. Segundo o seu relato, estava no Afeganistão na altura da invasão americana a trabalhar com uma instituição de solidariedade islâmica. Já de acordo com as acusações formuladas pelos seus interrogadores, era um combatente da Al-Qaeda, que tinha até funções de comando, e que se treinou em vários sítios nos anos anteriores. Em Londres e nos Estados Unidos, cruzou-se com várias figuras de interesse para os investigadores, como Barbar Ahmed, condenado por terrorismo nos EUA, Mozzam Begg, que esteve preso em Guantánamo mas nunca acusado, e Abu Qatada, um pregador radical repetidamente preso no Reino Unido mas nunca acusado.
Apesar de todas estas acusações – feitas por uma fonte anónima, diz o New York Times – nunca os interrogadores em Guantánamo conseguiram formalizar uma acusação contra Shaker Aamer. Mas, segundo a sua ficha, que o jornal revela, consideravam-no de “alto risco”.
Mas isso seria talvez mais porque era eloquente na defesa dos seus direitos e do resto dos prisioneiros, e assumia-se como líder. Não cooperava, era “hostil em relação aos guardas e ao pessoal”, “agrediu verbalmente o pessoal quando foi levado para o chuveiro”, atirou água a um guarda, organizou greves de fome. “Embora não seja tanto uma ameaça física directa para os guardas como outros prisioneiros, pode obter o apoio de metade da população prisional de Guantánamo”, diz o memorando do Pentágono, de 2007, recomendando que continue preso – quando se colocou, pela primeira vez, a possibilidade da libertação de Shaker Aamer, identificado como prisioneiro 239.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, falou sobre Aamer com Barack Obama na cimeira do G7 (dos sete países mais ricos) na Alemanha, este Verão, e o Presidente norte-americano prometeu que iria empenhar-se na sua libertação. Uma delegação parlamentar britânica, de vários partidos – que incluía Jeremy Corbyn, o novo líder dos trabalhistas – visitou os Estados Unidos em Junho por causa de Aamer, e relatou num artigo no New York Times ter ficado muito desapontada com a falta de acção, e até mesmo desconhecimento do caso que encontrou no Congresso americano, e no gabinete da Casa Branca. Deram-lhe o título “A bofetada que Obama dá na cara do Reino Unido”.
A pressão diplomática britânica tornou-se grande demais para que o Pentágono continuasse a vetar a libertação de Shaker Aamer, cuja saúde sofreu neste 13 anos de encarceramento – um exame de médico solicitado em 2013 pelos seus advogados concluiu que sofria de síndrome de stress pós-traumático, depressão, enxaquecas, asma e dores nos rins.
“Espero que as autoridades compreendam que ele foi torturado e abusado de outras formas durante mais de uma década e que o que ele mais quer é ser deixado em paz com a sua família para começar de novo a sua vida”, afirmou Clive Stafford Smith, do grupo Reprieve, uma organização não governamental que trabalha com os presos de Guantánamo. “Shaker não é nem nunca foi um terrorista.”
No comments:
Post a Comment