Caso Kalupeteka:
Luanda - Texto da conferência de imprensa realizada esta quarta-feira pelo Secretário Geral da UNITA, Eng. Vitorino Nhany sobre os acontecimentos à volta da seita “kalupeteka”
Senhores Jornalistas
Povo Angolano
Saúdo todo o povo angolano em geral e os jornalistas em particular, como mensageiros da verdade e só da verdade.
O País foi recentemente surpreendido por uma onda de violência localizada envolvendo cidadãos angolanos que estavam num retiro ou acampamento religioso, na serra do Sumí a sensivelmente 25 km a sudeste do Município da Caála, Província do Huambo, na qual pereceram agentes da Policia.
Todas as forças vivas da nação condenaram a violência e lamentaram a perda de vidas humanas. A comunicação social transmitiu-nos a sua versão sobre os acontecimentos. Os munícipes da Caála também nos apresentaram a sua versão, por sinal diferente da versão oficial.
O Executivo fala de uma seita ilegalizada que “periga a paz e a estabilidade”. Os munícipes falam de uma seita com quem o Executivo mantinha “relações privilegiadas” há alguns anos. Membros do Executivo local assistiam aos seus cultos ou eventos e terão utilizado o líder da seita para fazer campanha política contra a UNITA em algumas das aldeias durante as eleições de 2012. Ainda recentemente, o líder da seita terá recebido do Executivo, a título de oferta, uma viatura de marca Toyota Prado.
O Executivo fala de nove polícias mortos a tiro. Os munícipes falam de três polícias mortos a tiro e os demais terão falecido em resultado de um acidente de viação. Segundo testemunhos dos munícipes, o comandante da Polícia terá falhado na sua missão de persuadir os membros da seita a dispersar o acampamento e regressarem às suas aldeias. Em resultado, a polícia terá amarrado o líder da seita. Os fiéis terão interferido, tendo desarmado os dois polícias que acompanhavam o comandante e disparado contra os agentes da Polícia com as próprias armas da Polícia. Os demais polícias, que estavam no carro a certa distância, retiraram-se aceleradamente em busca de reforços. Infelizmente, a viatura capotou e todos faleceram em resultado do acidente de viação. Esta é a versão dos munícipes.
O Executivo não diz exactamente quantos cidadãos pacíficos e desarmados, que nada têm a ver com os ataques à Polícia ou com Kalupeteka, terão sido mortos em retaliação ao assassinato dos polícias. Os munícipes falam de centenas de mortes por armas pesadas a partir de helicópteros, que dispararam indiscriminadamente sobre todas as casas na área adjacente à serra onde estava instalado o acampamento.
Uma delegação de deputados da UNITA está no Huambo para confortar as famílias enlutadas, vítimas dessas mortes desnecessárias e sem sentido e também para colher mais dados sobre o sucedido.
Só uma investigação séria e isenta poderá determinar os factos que realmente terão ocorrido na Serra do Sumi na passada semana.
Povo Angolano
Caros Jornalistas
A UNITA, desde algum tempo a esta parte vem denunciando inúmeros actos bárbaros de intolerância política enquadrados na violação de direitos humanos.
Quando alguns angolanos eram enganados com justificações de que se tratava de ajustes de contas, a Direcção da UNITA nunca duvidou de tratar-se de uma orientação da Direcção Central do MPLA.
Como Deus escreve direito em linhas tortas, a nossa desconfiança ficou claramente dissipada com o documento já denunciado datado de 28 de Dezembro de 2014 a determinar o cumprimento obrigatório de um programa até 2017 que se resume no seguinte:
“- Cessação de qualquer acto que vise o cumprimento dos acordos, pois, o Memorando do Luena terminou com a extinção do GURN em 2008 e que, tudo o que o Governo vem fazendo daí é favor, flexibilidade e gesto de boa vontade (característica da atitude do MPLA); o documento prossegue dando-se orientações para o levantamento de todo o universo da UNITA a todos os níveis, desde às FAA e PN, até às Instituições civis e de base, cumprindo-se com as seguintes medidas:
Proceder a exonerações e calúnias susceptíveis a processos Criminais e judiciais;
Eliminar (acelerar) a morte destes, uma vez hospitalizados, cuja acção deve ser executada por militantes profissionais de cada Instituição;
Todos os membros das ex – FMU integrados e patenteados nos órgãos de defesa e segurança (FAA e PN) devem estar na condição de oficiais à disposição, para de forma legal serem abrangidos pela reforma em curso nas FAA”.
Caros Jornalistas
Pondo-se em prática esta orientação, dias depois dos horrendos assassinatos, a comunicação social exibiu imagens de material de propaganda da UNITA, em estado novo, naturalmente plantado no local, à velha maneira dos “corações em geleiras”, plantados no Hospital Américo Boavida, em 1975.!!
Enquanto isso, os antigos oficiais dos serviços de inteligência militar das FAPLA e da ODP, tenente general Eugénio César Laborinho e o general Kundi Payama, respectivamente, agora nas vestes de governantes, apressaram-se a fazer insinuações caluniosas e irresponsáveis para ligar a seita religiosa à UNITA, seguindo as velhas práticas bolchevistas de desinformação e guerra psicológica.
A título de exemplo, vejamos a seguinte passagem do Comunicado do Governo Provincial do Huambo, divulgado ontem, dia 21 de Abril: “A Seita Adventista no 7º dia a Luz do Mundo, aproveitando-se da fé dos seus seguidores metem em marcha um plano politico bem orquestrado e orientado com muitos traços que identificam a actuação politica da UNITA, levando as populações a abandonarem as suas residências para se fixarem nas matas nomeadamente nas ex-bases militares dessa organização politica”.
Essa acusação revela má fé, raquitismo político e desonestidade. Perante a mesma, perguntas colocam-se:
- A UNITA já governou Angola para admitir seitas? Ou alguma vez a UNITA permitiu a legalização de seitas para beneficiar dos votos de seus fiéis?
- Como foi possível uma seita não legalizada desenvolver acção por tanto tempo sem que a autoridade competente pusesse termo a isso?
- Alguém pode apontar um único encontro entre um dirigente da UNITA com o Sr. Kalupeteka?
- Como foi possível haver encontros amigáveis entre esse chefe fundamentalista e o Governo Provincial do Huambo, quer no Palácio, quer na montanha onde se tinha instalado, tendo até recebido desse Governo uma viatura Toyota Prado, um gerador de alta potência e um tractor? Como foi possível, se o Ministério da Cultura indeferiu o pedido de legalização da sua seita?
- Como foi possível um membro da direcção do partido que governa o país, o senhor Miguel Somakesenje, ser fiel seguidor de uma seita ilegal?
- Vê-se nas imagens que apresentamos o 1º Secretário do MPLA ao lado do senhor Kalupeteka, a participar nos cultos dessa seita. Ou será que o mesmo exerce, ao mesmo tempo, o cargo de Secretário Municipal da UNITA?
- Quem retirou as armas do museu e as levou à montanha do Sumi?
Depois das insinuações caluniosas dos ex oficiais dos serviços de inteligência militar agora nas vestes de governantes, o Executivo começou a utilizar os acontecimentos nefastos da Serra do Sumi, na Caála, e os actos de intolerância e violência política por si praticados em outros lugares, como desculpas para impedir a realização de manifestações políticas e, assim, consolidar o ambiente de restrição, limitação ou suspensão efectiva dos direitos políticos dos cidadãos.
Povo angolano
O que se passa na Província do Huambo é um autêntico terror, uma chacina, um genocídio, o que é condenável a todos os títulos.
Quem pensar que a operação que ceifou mais de sete centenas de angolanos está terminada, engana-se! Do Km 25 em direcção à Comuna do Kuima, estão aglomeradas crianças ao longo do asfalto, já sem os seus pais porque ficaram órfãos.
Tanto a tropa que guarnece a barragem do Gove quanto a 21ª brigada do Sawilala, estão envolvidas na missão de ceifar mais vidas humanas. As aldeias Kaluviavili e Kayambo, desapareceram por completo. Só ontem, dia 21 de Abril, foram mortas 12 pessoas na aldeia Ulola pertencente à Embala Chingolo na área da Missão do Bongo. Na Comuna de Katata foram mortas também 12 pessoas. No Kuima, foram mortas 22 pessoas e outras 47 foram raptadas para lugar incerto na Chilata – área do Longonjo. Os efectivos das FAA e PN espalhados pelas matas, estão a enterrar 3 a 4 corpos numa mesma cova, para prevenirem a descoberta de valas comuns.
Recorde-se que o Comando Geral da Policia dizia que a UNITA teria de provar a acusação sobre valas comuns! Os mesmos efectivos, mormente nas áreas de Ulola e Perisa – Samboto, estão a retirar bandeiras da UNITA e no Mungo um número não determinado de pessoas está detido. Portanto, a Policia não está a cumprir a ordem judicial mas sim, a ordem superior.
Caros Jornalistas
O desvio de atenção no quadro da proposta de lei do Registo Eleitoral e a inesperada enchente no comício do Huambo do dia 14 de Março, fruto de um trabalho aturado de mobilização, estão na base desse desespero de um regime que já não tem mensagem para as populações.
O que se passou na Serra do Sumi, é condenável e lamentável a todos os títulos. Mas não pode servir de desculpa para impedir ou restringir manifestações públicas contra a corrupção, o peculato, a má governação e as gritantes violações dos direitos humanos, praticados pelo regime do Presidente José Eduardo dos Santos.
Os angolanos não se devem deixar enganar nem distrair quanto à questão central que afecta o país. A questão central que afecta o país é a incapacidade do governo do Presidente José Eduardo dos Santos de resolver os problemas do povo. Os preços sobem todos os dias, o Kwanza baixa todos os dias, os níveis de desemprego sobem todos os dias, o sistema bancário falha todos os dias e a corrupção aumenta todos os dias.
A questão central que afecta a vida das famílias angolanas e o nosso futuro colectivo é a mudança de regime. Os angolanos querem mudar o governo através de eleições livres, justas e transparentes, porque este governo é corrupto, é desonesto, é insensível aos problemas do povo e viola todos os dias os direitos fundamentais dos cidadãos. O Executivo quer impedir a mudança por manipular o processo eleitoral, começando já agora com a lei do registo eleitoral. Esta é a questão central.
Em nenhum lugar a Constituição atribui ao Titular do Poder executivo a competência de realizar o registo eleitoral presencial ou oficioso. Seja como Chefe de Estado, Titular do poder executivo ou Comandante em Chefe das FAA, o Executivo não pode tratar de matérias eleitorais.
O Executivo acaba de obter o concurso de alguns deputados à Assembleia Nacional para violarem juntos a Constituição e agredirem juntos as regras da democracia. Não importa quantos sejam. Não importa que sejam a maioria por enquanto. O que importa é que a Constituição estabelece no seu artigo sexto, que “todos os actos do Estado, todas as leis da Assembleia Nacional que não estiverem conforme a Constituição são inválidos”. Por sua vez, as regras da democracia estabelecem que nenhuma entidade concorrente à eleição deve controlar os actos eleitorais ou o órgão que os organiza.
Quer a Constituição, quer as regras da democracia, impedem que o Presidente José Eduardo dos Santos controle os actos de registo eleitoral ou os órgãos que o executam. O Presidente da República não pode ser árbitro e jogador ao mesmo tempo. Isto significa que nenhuma eleição será válida se for organizada em termos contrários ou não conformes com a democracia e com a Constituição que a consagra.
Os angolanos devem estar lembrados que, em 2010, o Senhor Presidente da República utilizou a festa do CAN para distrair as pessoas enquanto ele executava um acto político de transcendente importância para a vida do País, a saber, a aprovação da sua Constituição atípica, que violava o princípio da separação de poderes, violava o princípio dos limites materiais de revisão constitucional e violava o direito fundamental dos cidadãos ao sufrágio directo e universal para o cargo de Presidente da República.
Naquela altura, o Presidente utilizou a festa do CAN como manobra de diversão, como ele gosta de dizer, para abafar o impacto de um golpe constitucional.
Hoje, é nossa convicção que o Presidente José Eduardo dos Santos escolheu o retiro numa montanha dos membros da seita Kalupeteka como elemento da manobra de diversão de um novo golpe constitucional: atribuir a si próprio competências em matérias eleitorais, através da aprovação, pelos membros do seu Partido no Parlamento, de um acto inválido.
Esta insistência do Titular do poder Executivo na prática de actos violadores da ordem constitucional democrática e na manipulação de factos políticos e sociais para os encobrir, constitui a questão central actual da política nacional.
Tal postura coloca o mais alto magistrado da Nação na situação de principal promotor das constantes agressões à paz e à reconciliação nacional, que têm como base o primado do direito e da lei visando assegurar as condições necessárias à estabilidade e ao desenvolvimento do país.
Povo angolano
A julgar pelos relatos que nos chegam de várias famílias e de vários colaboradores do Executivo que não se revêm na política actual do seu Chefe, podemos afirmar que a questão central subjacente às mortes na Caála e suas repercursões mediáticas é de natureza política, e não religiosa. Também é nossa convicção que o principal actor em cena é o Executivo, e não o cidadão Kalupeteka.
E porquê?
Porque o fenómeno religioso que assola o país desde a década de 1980 e que se manifesta na proliferação de igrejas, seitas e denominações religiosas, tem tido o beneplácito do Governo. O governo afirma existirem 84 igrejas ou denominações religiosas registadas e cerca de 1.200 organizações que, tendo solicitado o registo e não preenchendo os requisitos legais, não estão registadas mas pululam em cada esquina do país e actuam à margem da lei como os demais marginais. Destas, apenas 198 foram formalmente banidas no ano transacto por violarem a lei.
Os sociólogos que estudam o fenómeno, salientaram já que os líderes destas seitas exploram a vulnerabilidade das pessoas e que o Governo utiliza algumas delas para aproveitamentos políticos e práticas de corrupção. Há casos de líderes religiosos detidos, investigados ou expulsos, por terem sido acusados de enriquecimento ilícito, branqueamento de capitais e narcotráfico, em conexão com as finanças que arrecadam das suas alegadas actividades religiosas. Todos sabemos que há ou haverá por aí muitos Kalupetekas. A responsabilidade pelas suas actividades não pode, por isso, deixar de ser imputada também ao Executivo.
O que não podemos aceitar é que a existência dessas seitas, ou seus actos bem localizados e circunscritos a uma montanha, sirvam de pretexto para se desencadear uma onda de intrigas e calúnias contra a UNITA na busca de razões para se implementar planos macabros já desvendados.
Exortamos a todos os angolanos a discernirem o significado do acto patriótico e democrático dos seus representantes, que ontem abandonaram a sessão plenária do Parlamento em protesto contra a mais grotesca agressão à paz e à estabilidade praticada na história da República de Angola após a aprovação da constituição atípica de 2010.
Para terminar, queremos deixar bem claro que a UNITA condena:
A proliferação de cantinas, armazéns e inúmeros outros negócios ilegais, associados a membros do regime, que arrastam para Angola milhares de imigrantes ilegais e que engrossam depois igrejas e seitas novas com posturas e comportamentos contrários aos comuns valores da angolanidade;
As elevadas transferências de divisas que algumas igrejas efectuam para fora do pais, cujo dossier o Banco Nacional de Angola bem conhece, muitas destas para regiões afectadas por fenómenos de instabilidade e de terrorismo. Estes factos têm merecido a chamada de atenção do governo angolano, por parte de alguns países amigos, que há muito se têm mostrado preocupados pelo deixa andar das nossas autoridades.
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Luanda, 22 de Abril de 2015
O Secretário Geral da UNITA
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