Por João Mosca
Permitam-me senhores politólogos
e leitores em geral,
entrar em praia alheia. Faço-o
na condição de cidadão com
preocupações que ultrapassam
a minha área de formação e experiência
profissional. Assim
deve ser interpretado este texto.
Os partidos políticos podem
ser estudados como organiza-
ções/burocracias segundo diversos
ângulos/enfoques. Neste
caso, aborda-se os partidos
como organizações políticas
que se delimitam entre si por
razões diferenciadas: ideologia
política, grupos sociais que
pretendem representar, objectivos,
estratégias de actuação,
organização interna, âmbito
territorial entre outros aspectos.
Como organizações políticas, o
objectivo central é sempre, ou
quase sempre, a conquista do
poder ou influenciá-lo quando
as bases sociais de apoio não
permitem victórias eleitorais.
Em países com história de
partidos únicos, por razões das
lutas de libertação nacional e
outras, perduraram por muito
tempo, países com partidos únicos.
Em processos recentes de
democratização, estes partidos,
regra geral, mantiveram o poder
de Estado de forma hegemónica
ou por maiorias absolutas.
Nestas circunstâncias, vá-
rios elementos caracterizam
essas supostas democracias.
Destacam-se alguns desses
elementos. (1) partidarização
do Estado manifestado pelo
controlo politico; (2) subordinação
e existências de mecanismos
de prestação de contas
dos órgãos governamentais às
hierarquias partidárias correspondentes;
(3) delimitações
difusas entre os poderes legislativo,
executivo e judicial; (4)
controlo das forças de defesa e
segurança; (5) nomeações e carreiras
profissionais fortemente
influenciadas pela militância
partidária; e, (6) forte presença,
intervenção e influencia da polí-
tica na economia subordinando-
-a ao interesses políticos e de
defesa e reprodução do poder.
Quando estes elementos estão
presentes, existem fortes
possibilidades de se verificarem
acima dos riscos de guerras,
genocídios, pobreza e a manutenção
de estados falhados.
É necessário reduzir os espaços
de poder da democracia
representativa e dar lugar crescente
aos cidadãos organizados,
informados e formados e com
capacidade reivindicativa. Impõe-se
o controlo democrático
do sistema político e dos polí-
ticos. Nas democracias avançadas
cada vez mais a voz dos povos
e de grupos de cidadãos têm
maior peso em decisões fundamentais
e como grupos de pressão
e de mudanças de regime.
Este artigo tentou sintetizar
muitas realidades em vários
continentes ao longo de décadas.
Golpes de Estado, guerras
civis, movimentos terroristas,
golpes palacianos, regimes
ditatoriais, assassinatos polí-
ticos, redução dos direitos e
liberdades dos cidadãos, corrupção,
entre outros aspectos.
Pobreza, enriquecimento das
elites políticas, crescimento
de economias extractivas e de
rendas, aprofundamento da
natureza subdesenvolvida das
economias, baixa competitividade,
dependência externa,
etc. E no caso de Moçambique?
Sugiro ao leitor que, se for
necessário, releia o texto acima
e faça a sua própria aná-
lise sobre o que se passou nos
últimos anos em Moçambique.
Da minha parte apenas refiro
que espero que Filipe Nyussi
e a nova governação alterem
radicalmente o percurso dos
últimos anos. Será possível independentemente
das vontades?
Não sendo religioso, é motivo
para dizer que oxalá que Deus
ou os deuses queiram. Entretanto
o tempo está passando e
os discursos redondos não chegam.
As expectativas são altas
mas caso não se verifiquem,
as reacções também o serão.
Uma vez mais, a sociedade
civil e as suas organizações
têm-se revelados maduras, patrióticas
e construtivas, mesmo
quando críticas. Afinal
não eram apóstolos da desgraça.
Existiram e existem
sim, os fazedores da desgraça.
os seguintes fenómenos: (1)
assumpção que o partido único
ou hegemónico é o exclusivo
representante do povo e seu defensor;
(2) utilização de métodos
autoritários, abuso do poder
e imposição de um fictício pensamento
único com consequente
controlo dos órgãos de informa-
ção e, se necessário, por medidas
violentas, incluindo não
respeito pelos direitos humanos
e assassinatos políticos; (3)
instrumentalização do Estado
como burocracia de concessões
de licenciamentos de negócios
(recursos naturais, empresas,
etc.), com formação de grupos
de interesses económicos promiscuídos
com a política e os
políticos, sendo a distribuição
da riqueza mais ou menos concentrada,
mas sempre fundamentalmente
em função das hierarquias
partidárias/militares;
(4) corrupção que, no tempo,
se generaliza e se torna endé-
mica nas burocracias do poder
e mesmo na sociedade através
da não observância de valores
éticos e de convivência social,
(5) isolamento da política e dos
políticos dos cidadãos, dos interesses
nacionais e do desenvolvimento
económico socialmente
crescentemente equitativo.
Estes elementos aprofundam-
-se e generalizam-se com o tempo
de posse do poder. Há partidos
e presidentes que detêm
o poder durante décadas, seja
através da força militar ou elei-
ções viciadas. Quando assim é,
o sistema político fica desacreditado
perante crescente percentagem
da população e internacionalmente.
Estes regimes
têm gerado golpes militares e/
ou palacianos e lutas intestinas
ferozes entre grupos de interesses
no seio dos partidos. Os
modelos de crescimento geram
quase sempre a concentração
da riqueza, aumento da pobreza,
exclusão social e desigualdades
territoriais que podem
provocar instabilidade social,
política, militar e movimentos
fraccionistas/separatistas nacionais.
Nestes contextos, para
suster a instabilidade, aplicam-
-se políticas económicas populistas
e de curto prazo, como
por exemplo subsídios ao consumo,
beneficiando sobretudo
os citadinos pobres e, a outro
nível, a atribuição de benesses
e mordomias às elites e ao funcionalismo
público. No meio
rural, o partido-Estado instrumentaliza
as autoridades locais
(lideres comunitários), como
extensões do poder, colocando-
-os entre a “espada e a parede”
em situações de conflito e de
não convergência entre os interesses
do Estado e suas elites
e os interesses das comunidades.
Distribuem-se recursos de
alocação local beneficiando as
elites e o poder local que asseguram
as alianças de baixa intensidade
e de custo financeiro
e económico baixos como forma
de garantir o voto eleitoral.
Estes regimes preocupam-se
muito em camuflar a sua imagem
no exterior. Adoptam medidas
que “embelezam” as estatísticas
no cômputo de alguns
indicadores internacionais,
como por exemplo, nas áreas de
educação e saúde, no empoderamento
da mulher, em algumas
medidas sociais e, se necessário,
manipulam-se estatísticas e promovem-se
reacções dos propagandistas
do regime contestando
as formas de cálculos desses
indicadores internacionais. Organizam-se
eventos desportivos
e culturais internacionais com
fracos resultados competitivos
e cujas infraestruturas de elevado
custo ficam posteriormente
subutilizadas ou abandonadas e
em ruínas. Arquitectam-se má-
quinas sofisticadas e por vezes
tenebrosas de propaganda polí-
tica e de marketing enganador.
Feito o enquadramento acima,
não é difícil induzir que os
partidos políticos (e por vezes
utilizando a força militar) gladiam-se
pelo poder e pela usurpação
da riqueza, não representam
nem o interesse nacional
nem a grande maioria dos cidadãos.
Para agravar o referido, a
evolução e o desenvolvimento
conduz a uma crescente estratificação/segmentação
política
e social das sociedades, com
interesses muito diferentes e
nem sempre convergentes, fenómeno
ao qual, os partidos
políticos raramente conseguem
ajustar-se a essas realidades devido,
principalmente, às amarras
dos interesses de grupos e
respectivas alianças políticas,
económicas e étnicas/regionais,
por enraizamentos político-ideológicos,
por compromissos de
diversas naturezas (incluindo
de sangue) e por alianças com
forças externas. Os militantes
marginalizados ou auto excluídos por razões diversas, regra
geral, conhecendo os métodos
reactivos dos seus partidos para
estes casos, optam geralmente
pelo silêncio comprometido ou,
quando muito, por se transformar
em vozes críticas para dentro
das suas agremiações quase
sempre em tempos de oportunidade
obedientes aos jogos
de forças internas. Em alguns
casos, existem cisões no seio
dos partidos, principalmente
quando se perdem eleições e,
consequentemente, o controlo
do Estado enquanto executivo
e alocador de recursos e de
negócios. Este fenómeno acontece
de forma semelhante no
seio das facções partidárias.
Se o leitor aceitar que, nestes
contextos, os partidos políticos
e o respectivo instrumento
executivo (o Estado) e se ainda
concordar que os mercados não
são amigos dos grupos sociais
pobres e das lógicas de uma
economia nacional no quadro
da crescente globalização do
domínio político, económicos
e, se necessário, militar de algumas
nações ou organizações internacionais,
então os cidadãos
sentir-se-ão afastados da vida
política, instrumentalizados, excluídos
económica e socialmente
e sem representatividade nas
instâncias do poder. A alternativa
surge com as organizações
da sociedade civil, a mobiliza-
ção popular, as lutas reivindicativas
e os movimentos sociais.
Questiona-se cada vez mais o
sistema democrático assente
em partidos que se burocratizam,
desligam-se dos cidadãos
e dos interesses nacionais. Em
muitos contextos, os interesses
partidários e as lutas pelo poder
e o domínio dos negócios estão
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