Sunday, April 26, 2015

Um dilema moral


A violência contra estrangeiros na África do Sul levanta muitas questões. Uma delas é moral com um desdobramento intelectual que desemboca na coerência, algo que constitui um grande desafio na nossa esfera pública. Quase todo o moçambicano que se indigna perante esta violência fá-lo com referência à ingratidão dos sul-africanos em relação ao apoio que eles receberam de Moçambique durante a sua luta pela civilização do seu próprio país. O que me parece caricato nesta indignação é que ela é também protagonizada por pessoas que são apoiantes da Renamo e do seu líder, os quais colaboraram com o regime do Apartheid e, por conseguinte, pelo menos teoricamente, prejudicaram a luta sul-africana pela liberdade. Estou interessado em saber como essas pessoas equacionam a sua indignação nos termos aqui sublinhados (ingratidão) com o seu apoio aos que prejudicaram a luta sul-africana.
Ao levantar esta questão não quero propor uma discussão sobre se a Renamo devia ter aceite a ajuda do Apartheid, se isso foi mau ou se por causa disso este partido seria ilegítimo. Essa é uma outra discussão que não interessa neste contexto. Nem quero levantar a questão de saber se a Frelimo fez bem, ou não, em apoiar o ANC. Estou apenas a levantar um problema de coerência, nomeadamente o problema de saber como conciliamos uma posição eminentemente moral sob o pano de fundo duma atitude que entra em contradição com essa posição. E nem quero dizer que, por isso, a indignação não seja legítima. Claro que é, e não depende das contradições de quem expressa indignação. Mas como se justifica? Só isso. É um pouco como eu condenar camponeses que atacam representantes dum Estado com o recurso ao argumento segundo o qual seriam ingratos, mas um Estado que, no passado, os ajudou a se libertarem de grandes latifundiários quando eu apoio, hoje, pessoas que nessa altura receberam ajuda desses latifundiários e, por causa disso, moralmente agiram contra esses mesmos camponeses. A questão não é que eu não me possa indignar hoje, mas sim como justifico essa indignação, isto é com recurso a que argumento moral. Ingratidão não pode ser.
Já agora, aproveito para levantar uma questão relacionada com esta. O recurso à violência na África do Sul pode ser manifestação da constatação, por parte de quem comete a violência, que a via legal na África do Sul se esgotou, sobretudo com esse sentimento de gratidão que os dirigentes têm lá em relação aos estrangeiros africanos. Se esse for o caso, como é que aqueles que defendem, em Moçambique, a legitimidade do uso da violência contra um Estado que é considerado como estando sob o controlo de interesses opostos aos interesses do povo injustiçado (apesar de a constituição prever a resolução pacífica de conflitos) condenam a violência dos sul-africanos?


Repito: não estou a levantar questões sobre os méritos individuais de apoiar a Renamo, o ANC, bater ou matar estrangeiros, atacar o Estado, etc. Nada disso. Levanto questões em torno da coerência argumentativa e como ela se manifesta ao nível moral. E digo porquê, já agora. Tenho a forte sensação de que muita contribuição para o debate de ideias não se apoia numa clarificação dos princípios que enformam os nossos posicionamentos. Isso contribui para que haja muita incoerência no debate nacional de ideias. Talvez a “xenofobia” na África do Sul sirva para alguma coisa, afinal. Ela pode nos ajudar a clarificarmos estas coisas. Ou não…


Outro que estragou tudo…
Refiro-me ao Presidente sul africano, Jacob Zuma, que na sua resposta à carta aberta de Mia Couto a dado passo escreve o seguinte:
"Recordou-me a hospitalidade e a generosidade que me foi dada pelos moçambicanos durante o meu exílio no seu lindo país. Estamos de acordo que beneficiamos imensamente da amizade e solidariedade internacionais durante a nossa luta contra o apartheid. Os nossos irmãos e as nossas irmãs no continente africano, em particular, partilharam os seus escassos recursos connosco. Muitos foram mortos por nos apoiarem na nossa luta pela liberdade. O ataque à Matola no seu lindo país constitui exemplo disso. É por esta razão que nós acolhemos de braços abertos os nossos irmãos e irmãs africanos que imigram à África do Sul legalmente…"
São duas coisas que me incomodam. Primeira: de toda a sua experiência em Moçambique Jacob Zuma só reteve a beleza do País? Mais nada? Não teria sido mais apropriado enaltecer outras qualidades do País neste contexto? O adjectivo “lindo” tem um tom condescendente intragável. Segunda: “é por esta razão que nós acolhemos de braços abertos os nossos irmãos e irmãs africanos que imigram à África do Sul… legalmente”. Só esses. Será que a pessoa que escreveu este texto tem consciência do alcance das suas palavras? Cada vez mais estou convencido de que o problema sul africano não é dos que cometem violência contra estrangeiros. É dos próprios dirigentes. Zuma não entende.
É claro que não é obrigado a aceitar todo o mundo. Mas limitar o acolhimento aos que entram “legalmente” é dar combustível aos violentos. Podia ter dito “é por esta razão que nós acolhemos de braços abertos os nossos irmãos e irmãs africanos que imigram à África do Sul. É importante, porém, que encontremos formas de regular a sua entrada para o bem da harmonia social”. Algo assim.
  • Anita Filipe Quase tudo leva a crer que os Sul-Africanos sabiam que "Xenofobiando" nada lhes aconteceria. Se não vejamos, a Policia no mundo inteiro existe para colocar a ordem e tranquilidade pública, presumo eu. E onde estavam quando esta foi ameaçada? Sabia ela que quem estava por baixo (a levar porrada) era estrangeiro ou Sul-africano? Parece que sim.

    Enfim...
  • Lindo A. Mondlane o grave de tudo 'e que os xenofobos nao perguntam se o agrdido 'e legal ou nao... em todo caso so espero que nao tenha respondido ele de punho e letra.. mas ja dizia John Carlin, que muito conhece africa do sul, o problema de jacob zuma, 'e que ele 'e consciente das suas limitacoes, por isso da protagonismo aos membros do seu gabinete (a proposito de trevor manuel) bom isso foi no primeiro mandato...
  • Mangole Muchanga Quem escreve assim nao é gago.
  • Nuria Waddington Negrao Eu não tenho dúvida nenhuma que o problema é dos dirigentes. Basta acompanhar a politica sul africana para se saber isto.

    Mas Zuma também estragou a análise recente de ele pessoalmente guarda rancor a Moçambique, ele fala do olhar para o outro lado, típico do pós Incomati.

    Mas eu não acho que nós podemos exigir à África do Sul que esta acolha imigrantes ilegais da mesma maneira que os legais. Nós mesmos reservamo-nos o direito de deportar ilegais. O que nós podemos exigir é que a África do Sul adopte outra maneira de proteger os seus interesses que não contribua para a demonização dos imigrantes, tanto os legais como os ilegais. O problema na África do Sul é que a retórica anti imigrante é super pesada e faz parte das estratégias de campanha. O que nós podemos exigir é que o governo Sul Africano tome medidas para prevenir futuros ataques. 

    Xenofobia é uma característica humana, há em todo o lado. Mas apenas resulta em violência em alguns sítios e condições. A África do Sul tem que identificar quais são as condições que estão a levar à violência lá é tomar medidas para remediar o problema.
  • Macutinha Macutana Macuta Obrigada prof Elisio Macamo. Por estes e tantos outros motivos evito falar do capítulo xenofobia.
  • Nanduska de Sá Mas não é o seu próprio filho que incita à violência?... Quem se quer manter perene e intocável no poder tem estratégias requintadas de diversão e distração... Incitam-se os menos alfabetizados ou aqueles que hermetizam suas mentes a crer que a culpa dos problemas sociais é sempre dos "outros", é dos brancos, é dos negros, é dos imigrantes, é de um outro grupo linguístico-cutural ou de quem usa sapatos vermelhos. Não é assim?
    Ontem às 1:50 · Editado · Gosto · 1
  • Nanduska de Sá Independentemente da nacionalidade, da pertença geográfica ou cultural-identitária, de traços fisionómicos, nomeadamente a cor da pele, somos todos Humanidade. Está nas nossas mãos sucumbir ao ódio ou edificar o Amor... Beijinhos e grande abraço de Nanduska.
    Ontem às 1:05 · Editado · Gosto · 2
  • Lenon Arnaldo Sinto que, neste suposto elogio que JZ faz a Moçambique, roça a ironia. Como bem disse alguém no post acima, África do Sul, não é obrigada a acolher imigrantes, em particular, os ilegais. Entretanto, também não o deve fazer para compensar os favores que algumas nações/estado fizeram o deram, mais sim, são regras do mundo global que vivemos(liberdade de circulação), claro, sobre determinados critérios de imigração que cada estado/bloco regional ou continental possam adoptar.


    Fica mais que claro que o rei Zulu foi usado pelas elites políticas para fazer valer e passar as suas reais intenções, expurgar do seu convívio, os imigrantes. Pior, quando o imigrante é usado pelas elites políticas para desviar a atenção das populações desfavorecidas(que reclama pela melhoria das condições de vida) e, colocando ou fazendo os acreditar que a causa do seu sofrimento, é imigrante (legal/ilegal ) e que o ciente reduz a capacidade de o estado poder responder cabalmente as necessidades dos seus ciadadaos. 

    Ha muitos elementos indiciadores da envolvencia simulada das elites politicas, prova disso, o silêncio cúmplice das autoridades policiais, mais a mais, a imagem que passoy nas tvs e jornais, de um dos membros que compunha o quarteto que assassinou o nosso compatriota Sithole, aos risos/gargalhada a entrada do tribunal diante olhar impávido e sereno dos policiais afecto à sua protecção. É o cúmulo.
  • Fernando Wilson Sabonete Por vezes tenho estado a me preocupar comigo mesmo, por que, as vezes penso que algo mais grave que se passa com a liderança africana, poucos sabe analisar por si só, todos consultam seus acessórios ruins, que escrevem mal para seus lideres e infelizmente os lideres não leem mais os discursos, limitam-se a ler no púlpito, e para não se constranger leem sem remorso, para alguns esse sentimento só terão depois de estragar tudo. Tenho pensado em mudanças, refiro-me aos lideres, será que teríamos sucesso se usássemos o método que o alemão usou na integralização das duas alemãs? Alemanha usou uma estratégia muito plausível, todos profissionais da Republica Democrática Alemanha tiveram que passar na requalificação profissional, mas todos, primeiro pensei, seria absurdo requalificar um profissional altamente qualificado para trabalhar em qualquer lugar, mas depois concordei com pensamento, porque é verdade todos passaram nas Academias, mas diferenciadas, propostos e metas diferentes, 50 anos quase foi suficiente para produzir outro estilo de vida, uma dinâmica diferente, então a requalificação foi mesmo necessário para mostrar novas metas, para reorientação. Talvez se em 1992 requalificássemos depois das eleições, ou seja, depois da integralização das duas forças militares, ou talvez teríamos sucesso simplesmente se requalificassem todos lideres africanos que recebiam ajuda da união soviética. As Instituições publicas trabalham com grande deficiência, trocam de tarefas, os policiais produzem evidências onde não há para criminar o povo, a mídia reduz a verdade nas informações, nunca se sabe o que realmente aconteceu, porque o povo não o poder da mídia, o cidadão pode ter presenciado, mas ninguém lhe escuta porque a mídia informa o que as Instituições publicas quer e não o que aconteceu. Um inusitado aconteceu recentemente em Angola, um grupo religioso liderado pelo auto-profeta, foram brutalmente assassinados pelas forças da segurança do estado, a justificativa dada ao povo foi que o grupo teria matado 9 policiais que foram com mandado de captura para o líder do grupo religioso, durante 24 horas todas informações na mídia era só dos nove policiais, depois aumentaram a informação de que teria morrido mais 13 civis, mas tudo isso nada foi real. Todas evidências foram produzidas para criminar o grupo. O que realmente aconteceu foi: a morte dos policiais foi acidente de viatura que capotou devido apresa que houve depois que fugiram do local onde estava o grupo, os policiais teriam matado pessoas, então isso teria provocado revolta do que queria, assim o comandante, chefe da missão teria dado ordem de retirada imediata, mas o caminho não ofereceu condições para ordem que veiculo recebeu nos comandos, foram movimentos rápidos que não permitiu o motorista dominar o veiculo, assim, o veiculo virou avião por uns segundos em seguida um impacto muito grande nas pedras embaixo da morro, depois disso, o comando das FAA e esquadra da policia teria enviado novo contingente com arsenal de guerra, esse recebeu a missão de recuperar os corpos dos colegas, e esses chegaram matando os civis porque eles receberam informações errado, e como consequência foram mortos mais 100 civis e não 13. A questão é por que reduzir a verdade? Por que produzir evidencias? Nosso efetivos da segurança e ordem publica foram treinados para guerra e não para manter ordem, penso eu, e todo ingresso do novo efetivo deve ser feito pela academia militar ou policial que seja, mas não mais pelos antigos membros, e os mais jovens antigos devem ser requalificados para as ruas, mas os mais velhos também devem ser requalificados para trabalhos administrativos, penso eu, não vamos deixar África ser campo onde os outros veem brincar, vamos arrumar nossa África
  • Anna Maria Gentili Zuma podia lembrar quantos "migrantes sulafricanos ilegais" foram em Mocambique nos anos da luta contra o regime de apartheid e quantos mocambicanos foram mortos para defender o direito dos sulafricanos a libertade. Nao fez.
  • Carlos Viegas Nunes Muito bem observado! Eu acrescento que os fluxos migratorios sempre existiram em todo o mundo .
  • Carlos Viegas Nunes A legalidade ou legalidade é um problema da regulamentação vigente em cada pais. Será que não há Sul Africanos a trabalhar ilegalmente em Moçambique ?
  • Carlos Viegas Nunes Jacob Ingrato Zuma
  • Pedro Tiago Concordo Prof. Elísio Elisio Macamo. Esta carta soa à malvadeza ou malcriadice. O mais importante é que a mensagem chegou e picou. O Mia Couto está de parabéns, foi o nosso maior porta-voz!
  • Noe Nhancale Sinceramente nao esperava mais do Zuma, o que vale e que a informacao chegou
    22 h · Gosto · 1
  • Vicente Manjate Pois claro, como se a partir daí se tornasse irresponsável pelo destino dos emigrantes ilegalmente no seu país e, como tal, ficasse legitimada toda e qualquer atrocidade contra eles cometida. Lá está a mensagem: "sobre a xenofobia contra os emigrantes ilegais temos pouco a dizer, porque não os acolhemos, apenas nos preocupamos com a violência contra os legais que os acolhemos!" Está dito. ..
    21 h · Gosto · 2
  • Sergio Carlos Macamo alem de ''lindo'' Mocambique ainda deu uma esposa a Zuma com quem teve um filho ...este ultimo paradoxalmente um dos incitadores de ataques xenofobos! quanta hipocrisisa. provavelmente obra de algum escriba presidencial e nao reflexo do sentimento do proprio Zuma!
    21 h · Gosto · 1
  • João Dambiro Meu caro, esse e o grande problema da governanca africana.
    19 h · Gosto
  • Rildo Rafael "O ataque à Matola no seu lindo país constitui exemplo disso. É por esta razão que nós acolhemos de braços abertos os nossos irmãos e irmãs africanos que imigram à África do Sul legalmente…" Caro Elisio Macamo, interessante leitura. Aqui esta uma ironia do discurso do Zuma tomando em consideração que grosso modo da imigração (maior parte) é mesmo ilegal e pequena parte é legal (a mesma que cada dia estão sendo reduzidas com critérios bastante rígidos). Podemos assumir que existe uma "XENOFOBIA SILENCIOSA" desenhada e praticada pelos dirigentes e outra "XENOFOBIA VIOLENTA" praticada pelas massas (acção). Diante desta situação, estamos perante uma faca de dois gumes! Uma boa leitura deste acto passaria necessariamente pela compreensão da representação do outro, análise do quadro legal referente a migração). Por outro lado, analisar o controle social informal, o sistema de justiça penal face a recorrente impunidade dos autores morais e materiais da xenofobia, a lei penal e a sua função preventiva para situações de xenofobia com ou sem recurso a violência.
    4 h · Gosto · 1
  • Elisio Macamo pois, a carta do zuma é uma grande afronta. ele praticamente responsabiliza os estrangeiros pela violência, não se distancia do chefe tradicional zulu e usa um tom condescendente que arrepia. esta carta não é resposta em minha opinião.
    12 min · Gosto · 2

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