Saturday, August 23, 2014

QUALIDADES DE UM MEMBRO DO COMITÉ CENTRAL

INTRODUÇÃO

Para melhor compreender as qualidades que um membro do Comité Central deve possuir é necessário começarmos por falar das qualidades que um militante da FRELIMO em geral deve reunir, porque o membro do Comité Central é, antes de mais nada, um militante da FRELIMO.
No passado, a FRELIMO seguiu a característica de muitos movimentos nacionalistas da África e, em especial, da África Oriental e Austral onde nós nos encontramos, em que o movimento era constituído pelo total das massas do povo que aderiam por uma simples compra de cartão. Aos chamados militantes do Partido não eram exigidas qualidades especiais. Quando muito eram obrigados a possuir um cartão, pagar as quotas e aceitar a palavra de ordem mais geral da Organização.
Mas desde que na FRELIMO as nossas tarefas directas, tais como a luta armada, exigem a observância de uma disciplina da Organização, torna-se necessário caracterizar um militante e exigir dele o cumprimento de deveres estabelecidos. Assim se diferencia o militante do resto das massas do povo que apenas apoiam a Organização sem no entanto se submeterem à disciplina desta.
Contudo, as massas populares é que são o apoio da FRELIMO, são o reservatório de militantes para a Organização. Da mobilização e educação das massas vão aparecendo dia após dia os militantes que ingressam nas fileiras da Organização. Então, o que é o militante da FRELIMO?

I
l -- Militante é aquele que, estando afectado às tarefas da Revolução Moçambicana dirigida pela FRELIMO, e cumprindo os seus deveres estatutários:
* Tem a consciência de responsabilidade perante si, perante as massas e perante a Organização, como indivíduo e como homem da colectividade.
* Tem o espírito de iniciativa.
* Adquire qualidades novas.
* Tem espírito de camaradagem.
* Segue os princípios e a linha política da FRELIMO.
* Põe em prática o programa e as decisões da FRELIMO.
* Defende a FRELIMO mesmo à custa de sacrifícios.
* É servidor das massas e sacrifica-se pela maioria.
* Procura superar todas as dificuldades e sacrifica-se pelo bom cumprimento do seu dever, agindo :com paciência e perseverança.
* Sabe respeitar-se e respeitar os seus camaradas superiores e inferiores.
* Sabe ser tolerante.
* Ouve as críticas e censuras com calma e vontade de se emendar.
* Faz crítica e autocrítica com o fim de construir.
* Combate todas as ideias tendenciosas, tais como tribalismo, regionalismo e individualismo.
* Combate o grupismo, a intriga, o nepotismo e o racismo.
* Possui educação e consciência revolucionárias, estando assim à altura das suas responsabilidades. O militante da FRELIMO precisa de ter uma consciência de responsabilidade perante si e perante a Revolução, e deve distinguir-se pelas suas virtudes revolucionárias.
A nossa luta mostrou-nos que os indivíduos que não têm estas qualidades de um militante e que não fazem nenhum esforço para as adquirir ou acabam por ser ultrapassados pela Revolução e começam a sentir-se desprezados ou esquecidos pelos restantes camaradas e vivem isolados, ou desertam das filas da luta. Por outro lado, o desinteresse, isto é, quando um camarada não se sente responsável pelo trabalho que está a executar, pela boa direcção do seu trabalho e da Organização, nasce o espírito burocrata, espírito contrário à Revolução.

2 — A primeira característica de um militante da FRELIMO é, por definição, estar afectado às tarefas da Revolução Moçambicana. Esta exigência necessita de ser bem observada porque, por vezes, encontramos moçambicanos que, procurando ganhar os benefícios da Revolução, quando lhes convém, deturpam o significado desta exigência.
Há indivíduos que, mesmo trabalhando para ganhar a sua vida individual (empregados com salários), acham que estão afectados às tarefas da Revolução quando encontram qualquer ligação entre o seu trabalho e a Revolução, mesmo quando não se submetem às ordens da FRELIMO. Até alguns há que procuram obter tais empregos usando o nome da Revolução. Estes indivíduos muitas vezes não prosseguem a sua militância logo que perdem os proveitos materiais que isso lhes dá. Estes indivíduos não estão de modo algum afectados às tarefas da Revolução.
Contudo, o facto de um indivíduo estar empregado e ser remunerado, não significa que esse indivíduo não possa estar afectado ao mesmo tempo às tarefas revolucionárias. Mas só poderá ser militante se a sua remuneração não é condição para executar tais tarefas, isto é, quando não tem medo de que se deixar de executar aquelas tarefas perde o emprego e por consequência o salário.
Para execução dos trabalhos revolucionários há condições mínimas que se devem satisfazer.
O militante, como qualquer ser humano, precisa de comer, vestir-se, deslocar-se, etc. Muitas vezes é necessário dar-se um subsídio material ao militante para a satisfação destas condições mínimas e para o uso dele na execução do trabalho.
Este é, por exemplo, o caso de um estudante consciente, que sabe que a bolsa de estudos não é um meio de fazer fortuna, não é um luxo, nem privilégio, mas sim um meio para satisfação das necessidades impostas pela sua tarefa revolucionária específica, que neste caso é: estudar para bem servir o Povo e a Organização.
Estar afectado a um trabalho revolucionário significa estar afectado no trabalho que lhe é designado pela Organização Revolucionária (a FRELIMO); mas também significa executar esse trabalho apenas para o bem da Revolução e não para os interesses pessoais. Dissemos «trabalho que lhe é designado» pela FRELIMO, e é o que é mais importante, mas não nos esqueçamos de que são igualmente dignos de respeito como militantes aqueles que militam por iniciativa própria, quando não possam estar em contacto directo com a Organização. Há casos em que militantes surgem em vários lugares do País executando tarefas individuais ou colectivas, com sentido de responsabilidade revolucionária, tal como se tivessem sido encarregados pela Organização de as executar. Muitos destes conhecem os objectivos da Organização através dos meios de propaganda que não exigem contacto directo entre a Organização e o indivíduo e realizam as suas tarefas . por iniciativa própria. Outros são os que encontrando-se nos campos de concentração, nas prisões, etc., conhecendo já a
FRELIMO, tendo já militado na FRELIMO, executam tarefas revolucionárias lá mesmo sem no entanto terem sido designados especificamente pelo Partido. Esses todos são igualmente militantes.
A designação das tarefas revolucionárias é feita conforme as capacidades do militante e conforme as necessidades de trabalho.
Sucede muitas vezes que camaradas aceitam certas tarefas para justificarem a permanência em determinado lugar confortável onde podem levar uma vida fácil. Executam a tarefa sob condição.
Por isso, o estar afectado a uma tarefa revolucionária não é só por si suficiente para determinar o militante. Não basta ter capacidade técnica que o habilite a aderir a uma tarefa específica. É necessário ter as qualidades acima enumeradas, além de ter outras qualidades morais exigidas pelo senso comum.
Achamos conveniente pensar um pouco sobre alguns aspectos destas qualidades.

II
l — Consciência de responsabilidade individual e colectiva. Ter consciência de responsabilidade significa que o indivíduo sabe avaliar a tarefa que lhe é incumbida e cumpre-a de forma a satisfazer as necessidades para as quais aquela missão foi dada. Significa ao mesmo tempo saber cumprir a sua tarefa dentro do espírito dos princípios da Organização.
O militante, ao executar a sua tarefa, tem em presença o sentido do resultado das suas acções.
O militante deve ter consciência de responsabilidade, tanto individual como colectivamente.
Individualmente, o militante tem a preocupação de cumprir bem o seu dever, de fazer bem o trabalho e ter satisfação quando o consegue.

Espírito de responsabilidade, e irresponsabilidade
Colectivamente, o militante faz todo o possível para tornar num sucesso o trabalho da colectividade em que participa. Não basta que um indivíduo faça bem a parte que lhe foi indicada. É necessário sentir-se responsável pelo trabalho do conjunto. Deve considerar que o seu trabalho não tem valor quando o trabalho do conjunto não tem sucesso. Toma os fracassos do conjunto como seus fracassos individuais e procura corrigir os erros e melhorar o trabalho.
Um militante deve preocupar-se em fazer bem o trabalho, trabalhar o mais que pode por compreensão da necessidade disso, pela consciência de que está a fazer um trabalho revolucionário e nunca porque os seus superiores o vão louvar, ou por medo de ser punido em caso de má execução.
Quando, por exemplo, camaradas no exército ao fazerem o reconhecimento de uma posição inimiga recolhem somente as informações capazes de justificar a apresentação de um relatório ao chefe, não estão a fazer o esforço necessário para satisfazer as necessidades para que a sua tarefa foi traçada. Estes camaradas não têm espírito de responsabilidade.
Espírito de responsabilidade inclui os métodos utilizados para a execução das tarefas. Não é permissível o uso de métodos imorais ou de corrupção para a realização da missão, especialmente quando isso possa trazer consequências desastrosas a missões futuras ou a missões realizadas por outros militantes ou à tarefa geral da colectividade.
A responsabilidade individual também diz respeito à sua conduta ou à conduta da colectividade. Os camaradas que não medem as consequências que o seu comportamento pode ter sobre a colectividade são irresponsáveis.
São irresponsáveis também os camaradas que não se interessam pelo bom encaminhamento dos seus camaradas ou pela conservação do moral combativo destes.
O militante da FRELIMO nunca deve contentar-se em ver os outros a proceder mal só porque isso o coloca-o a ele «que procedeu bem» em lugar de destaque perante os superiores.
Em suma, um militante tem o espírito de responsabilidade quando, individualmente, age para atingir os objectivos da colectividade, utilizando métodos correctos conforme os princípios da Organização, assumindo a culpabilidade de todos os erros individuais e colectivos e se preocupa pela sua correcção.
2 — O militante segue os princípios e a linha política da FRELIMO, põe em prática o programa e decisões da FRELIMO e defende-os, mesmo à custa de grandes sacrifícios, usando o espírito de iniciativa.
Ter uma forte convicção política é o escudo que defende o militante da vacilação. Para tal, o militante preocupa-se pelo estudo dos princípios e linha política que guiam a Organização e procura confinar as suas acções a eles. Sem convicção política forte, sem uma educação política constante, um indivíduo nunca pode ser um bom militante da FRELIMO porque não pode defender os interesses da FRELIMO.
É exemplo desta falta de convicção aqueles que, quando são presos pelo inimigo revelam os segredos, traindo os interesses da maioria à mínima ameaça. Um indivíduo que se diz membro da FRELIMO, se não estuda os princípios e os objectivos da FRELIMO, deixa-se apenas guiar pelos seus próprios princípios e pensa que estes são os únicos princípios correctos. Não os alia às causas da formação da Organização nem ao programa desta porque não os conhece.
Com efeito, a FRELIMO tem uma causa que a fez existir: a vontade do Povo Moçambicano de se libertar do jugo colonialista.
A FRELIMO tem um fim a atingir e traçou um programa. Para alcançar os seus objectivos, a FRELIMO age segundo um plano de acção e segundo certas normas. É, pois, necessário conhecer estas normas e contribuir para o seu aperfeiçoamento e segui-las.
Os camaradas que querem seguir somente as normas concebidas por eles, e julgam tudo segundo os seus pontos de vista, não podem ser militantes da FRELIMO.
Os princípios da FRELIMO devem ser seguidos sem murmúrios por todos os militantes, os quais devem na base desses princípios pôr em prática da melhor maneira possível o programa da FRELIMO.
Os princípios da FRELIMO são baseados na vontade popular; eles baseiam-se na história da sociedade moçambicana e na evolução histórica das forças progressistas do mundo inteiro.
Desta maneira, estes princípios não podem ser individuais e não pertencem a um grupo isolado. Por isso eles não podem ser alterados por vontades individuais ou por forças de pequena convicção revolucionária.
É por isso que o militante da FRELIMO não pode hesitar em seguir os princípios da FRELIMO. Antes, pelo contrário, defende-os a todo o custo e propaga-os.
O programa da FRELIMO corresponde aos objectivos que a Organização pretende atingir, indica os passos a seguir para alcançar tais objectivos e apoia-se nos princípios revolucionários da Organização. O programa deve ser posto em prática por todos os militantes da FRELIMO. Para tal, devem ser seguidas as instruções dos órgãos de execução da Organização.
Para a realização do programa é necessário seguir normas de trabalho que correspondam às etapas da luta.
As etapas da luta, por vezes, exigem que as regras sejam modificadas, permitindo-se assim a modificação dos métodos de acção. Estas modificações são feitas através dos órgãos de direcção do Partido dentro do princípio do centralismo democrático.
Dentro deste princípio, todas as opiniões dos membros activos da Organização são respeitadas, tomadas em consideração para a orientação e direcção da Organização. É por isso que as decisões
dos órgãos superiores devem ser obedecidas porque contêm em si as opiniões dos membros activos e as conciliam com os objectivos a atingir e a fase da luta.
As opiniões individuais podem muitas vezes representar as soluções ideais para os problemas, mas elas devem corresponder às soluções adequadas ao momento e tomar em consideração as opiniões gerais.

2. — Critica dentro das estruturas
A direcção não só deve ouvir as opiniões dos membros mas também deve estudá-las, corrigi-las para as adaptar às necessidades reais e práticas da luta, ao mesmo tempo que as coloca dentro dos princípios gerais revolucionários da Organização.
Pode ser que um ou outro órgão da FRELIMO cometa erros. Pode ser que um ou outro camarada cometa erros na direcção ou no cumprimento dos seus deveres. Na FRELIMO a correcção dos erros políticos faz-se pela crítica e autocrítica. Mas é necessário saber que esta crítica é feita dentro das estruturas da FRELIMO, sempre no sentido construtivo. Não é na rua ou no ar que se faz a crítica e a autocrítica. Este princípio só é válido no seio das estruturas da FRELIMO e quando é conscientemente utilizado por militantes activos.
Há camaradas que pensam que o facto de a adesão à Organização ser um acto voluntário, só podem obedecer às decisões quando lhes aprouver, segundo os seus caprichos. Pensam que não devem pôr em prática as decisões que não seguiram total ou parcialmente as suas opiniões. Esses camaradas estão errados.
Devemos tornar claro que a voluntariedade da adesão à Organização significa a aceitação total dos princípios e programa da FRELIMO por vontade própria. Significa também o compromisso voluntário em seguir esses princípios, de assegurar a integridade da Organização e de pôr em prática diariamente o programa da FRELIMO.
Por isso não se pode deixar de executar as decisões dos órgãos da FRELIMO sem se ser traidor à causa revolucionária.
A reprovação das atitudes ou decisões de um órgão ou de um responsável superior, por parte de um militante, não pode nunca justificar a desobediência.
A crítica construtiva é a única forma de expressão válida pela qual um militante pode condenar as decisões de um órgão ou de responsável da FRELIMO. Não se deve, como alguns dos nossos camaradas fazem, confundir a calúnia e o descrédito - lançados contra os dirigentes ou contra os órgãos superiores - com a crítica construtiva.
A calúnia e o descrédito têm como efeito a destruição dos camaradas caluniados e, geralmente, faz-se fora das estruturas da Organização, impedindo muitas vezes o camarada a quem se referem de conhecer o que se diz dele para depois o apresentarem como um elemento mau. Mas quando estes caluniadores são apanhados em flagrante costumam esconder-se por detrás da cortina da crítica. Acham que têm o direito de criticar e que criticar significa apenas enumerar os males do dirigente ou de qualquer outro camarada. Geralmente estes espíritos confusos não apresentam nenhuma solução para os problemas. Não ajudam o camarada de que falam a corrigir-se. Não lhe apresentam soluções alternativas. Quando por vezes o fazem, saem dos princípios da FRELIMO. Apresentam soluções que vão mesmo contra os princípios da FRELIMO.
Muitos fazem este género de «crítica» quando não estão dispostos a executar uma tarefa. Chegam muitas vezes a procurar apoio em grupos, por meio de uma propaganda falsa baseada em rumores e intrigas. Desta maneira vão destruindo a própria Organização até que por fim se acham rejeitados pela própria revolução, da qual traem os princípios. Assim desertam, e entregam-se ao inimigo, ou criam grupos divisionistas por vezes com nome de Partido, Conselho, União ou Movimento.
O militante da FRELIMO, para bem executar as tarefas, para bem realizar o programa da FRELIMO e executar as decisões da Organização, usa de iniciativa. Mas o uso de iniciativa não é uma concessão do direito de o militante mudar os princípios da Organização.
Por vezes é difícil realizar uma tarefa dentro dos princípios da FRELIMO. Não é desculpável um militante que descure os princípios da FRELIMO para facilitar a execução de uma tarefa. O espírito de iniciativa não significa liberdade de fazer valer os seus princípios individuais quando se encontra sozinho, fora do controle dos outros camaradas.
Espírito de iniciativa significa saber escolher os métodos e meios adequados para a realização das tarefas incumbidas. Quando um camarada recebe instruções de como executar uma tarefa não deve correr a modificar essas instruções sem que tenha chegado à conclusão concreta da sua impraticabilidade.
Mas deve sempre procurar encontrar soluções para a realização das suas tarefas quando, longe da voz do comando superior, constata que as instruções recebidas são inadequadas à situação concreta. O espírito de iniciativa implica o saber responsabilizar-se pelas acções cometidas e pelas decisões tomadas. Muitas vezes, camaradas não tomam uma iniciativa na solução de problemas porque têm medo de se responsabilizar e deixam as coisas por vezes estragar-se irreparavelmente. Para justificar dizem que não têm ordens superiores, mesmo que vejam que a decisão imediata é indispensável. Assim, demonstram o seu espírito burocrata e falta de responsabilidade.
Para se manter a passo com o progresso da Revolução, o militante deve constantemente preocupar-se em refazer as suas qualidades de militante. Deve adquirir atributos novos que lhe permitam estar com uma predisposição adequada à execução das tarefas revolucionárias de acordo com as novas exigências da luta.
Estas qualidades novas, que incluem a educação do sentido da coragem, do esquecer-se de si próprio em benefício da maioria, maior atenção pelos problemas das massas, do espírito de camaradagem, etc., são criadas pela participação activa em todas as actividades da Organização e pelo estudo constante dos problemas nacionais e internacionais que interessam à luta de Libertação Nacional.

3 — Espírito de camaradagem. O espírito de camaradagem faz aparecer os camaradas, aqueles que compreendem e têm fé nos nossos ideais e os realizam connosco de uma forma ou de outra, dentro de uma firme convicção política objectiva. É útil falarmos um pouco desta característica. A nossa luta exige que todos estejamos unidos para podermos combater com eficácia. É necessário que se crie uma confiança mútua entre os camaradas, permitindo assim uma maior aproximação e unidade, tanto na acção como na ideia. Sem confiança mútua, os militantes têm tendência para criar preconceitos uns dos outros e a repudiar quaisquer pontos de vista de seus camaradas, mesmo que estes sejam construtivos.
A confiança mútua, além de permitir a aplicação do princípio de crítica e autocrítica, cria o espírito de camaradagem. O espírito de camaradagem cria-se no trabalho colectivo, onde aprendemos a conhecer a maneira de agir de cada um, a sua maneira de pensar e descobrimos os talentos e os seus defeitos. Aproveitamos os talentos uns dos outros para melhorarmos os nossos conhecimentos e as nossas qualidades combativas.
Corrigimos os nossos erros e ajudamos os nossos camaradas a corrigirem os seus. Trabalhando colectivamente, aprendemos a conhecer as intenções de cada um e os seus ideais. Os mais lúcidos ajudam de uma maneira ou de outra os menos lúcidos.
Os de ideais mais progressistas convidam os menos progressistas e procuram criar em todos a mesma fé inabalável na causa justa da luta que travamos. O espírito de camaradagem, repetimos, faz aparecer os CAMARADAS, aqueles que compreendem e têm fé nos nossos ideais e os realizam connosco, dentro de uma firme convicção política objectiva.
Quando existe verdadeiramente o espírito de camaradagem, cada militante reconhece que o seu camarada é um elemento que contribui directamente para o triunfo da causa comum. Por isso, todos se preocupam pelo melhoramento das qualidades uns dos outros e em exigir uns dos outros um comportamento exemplar na realização das suas tarefas. E interessam-se pela saúde dos seus camaradas.
Os militantes da FRELIMO devem ser exemplares aos olhos das massas populares, não só pelas palavras como também pela acção. O militante deve reflectir os objectivos correctos da FRELIMO perante as massas.
Os militantes da FRELIMO devem tratar-se com simplicidade, dentro do respeito e disciplina da Organização; devem ser sinceros e honestos uns para com os outros e para com as massas populares.
Merece aqui vermos em algumas linhas o que significa ser sincero. Quando se diz o que se pensa a uma pessoa, é-se sincero. Mas não basta isso para tornar esta sinceridade, no que tem de bom em qualidade. É necessário entrarmos em linha de conta com as intenções do que se diz. Não se diz uma verdade a não importa quem só pelo prazer de se conquistar a reputação de sincero. Tudo o que se diz tem uma causa e um efeito. A causa pode ser objectiva ou subjectiva e pode dar bons efeitos ou maus efeitos para a Organização. É a análise desses efeitos que deve dar ao militante a alegria de ter sido sincero quando resultam positivos. A nossa Organização está cheia de segredos que muitos camaradas divulgam só porque querem ser «sinceros» e não medem os perigos que isso traz à Revolução.
A honestidade e sinceridade não só dizem respeito ao que se diz. Dizem também respeito ao que se faz. Um militante quando executa uma tarefa, por vezes executa-a bem e perfeitamente, mas no fundo ressente-se de tê-la feito porque não satisfaz os seus interesses pessoais. Executa-a porque tem receio de ser criticado. Este militante não está sendo honesto. Como dissemos, um militante deve executar um trabalho convencido do valor que tem para a Revolução e não no valor que ele, pessoalmente, dá ao trabalho.

4 — Espírito unitário. A Unidade Nacional é a arma fundamental na nossa luta contra o colonialismo e na construção do nosso País.
Muitos há que repetem estas palavras várias vezes mas sem convicção, devido à falta de fundamentação correcta do conceito de UNIDADE. Falta-lhes dar o devido valor à UNIDADE NACIONAL. Pensam que a tribo deve ainda ser a base da formação da nossa Nação. Pensam que a Nação deve ser apenas um agregado de tribos. Sabendo que esta maneira de pensar não é correcta utilizam-na apenas para aproveitar as reminiscências de sentimentos tribais e as reminiscências do orgulho ou do poderio de certas tribos sobre as outras para ganhar um apoio às suas ideias políticas reaccionárias.
Ora, nós sabemos que a organização tribal é uma forma caduca de organização social que no momento em que vivemos impede o progresso, porque impede a expansão das relações humanas por todo o nosso País. A tribo, num mundo de grande desenvolvimento industrial, agrícola e pecuário, em que as potências imperialistas se lançam à rapina das colónias, já deixou de ser uma forma organizacional de defesa e de desenvolvimento económico e cultural. É uma forma retrógrada que favorece a dominação e a exploração das próprias tribos e da nação.
É neste sentido que o militante da FRELIMO deve repudiar o tribalismo e fortalecer o seu espírito unitário.
Estamos certos que se o colonialismo não tivesse imposto a separação geográfica forçada, o processo natural de assimilação social e cultural que estava tomando lugar em toda a África Austral teria resultado na fusão dos diferentes grupos étnicos num único povo - escreve o Dr. Eduardo C. Mondlane, Presidente da FRELIMO. Isto é verdade para toda a África Austral em conjunto; mas interessa-nos neste momento notar isto no nosso País, onde as «relações económicas de longa data entre os vários grupos étnicos moçambicanos facilitaram o intercâmbio cultural que continua até hoje
e em que (...) «todo o contacto social (casamentos inter-tribais, fusões forçadas por conquista, etc.), deu como resultado uma mistura e fusão de usos e costumes».
É fácil ver que o tribalismo é apenas fomentado como um jogo político, como dissemos, por reaccionários. O nosso Presidente, Dr. Eduardo C. Mondlane, deixou-nos escritas páginas valiosas sobre este tema que vale a pena reproduzir para que o militante da FRELIMO possa compreender melhor que deve combater o tribalismo e porquê:
A facilidade relativa com que os portugueses conquistaram e controlaram muitas partes do nosso País desde o século XVI, a conquista do sul de Moçambique desde o século passado e a imposição da sua autoridade até Setembro de 1964, foi em grande medida devida às divisões tribais e étnicas do nosso Povo. Os portugueses, cientes das contradições culturais e históricas entre nós, utilizaram-nas, manobrando uma tribo contra outra. Assim, pela política de «dividir para reinar» conseguiram destruir sistematicamente o nosso poder político e conquistar todo o país. Enfrentando esta táctica tipicamente imperialista, o nosso Povo não soube defender-se, e só reagiu contra o inimigo em grupos isolados.
Houve contra-ataques contra os portugueses em várias regiões mas fracassaram porque cada força de resistência era uma força local inspirada e lançada isoladamente - faltava-nos ainda a consciência nacional. Enquanto os portugueses nos oprimiam a todos igualmente, enquanto os colonialistas nos exploravam a todos sem distinção, enquanto os europeus nos escravizavam a todos, nós, Africanos, sofríamos separadamente e reagíamos isoladamente.
Levou-nos longo tempo o compreendermos que a carga pesada da escravatura que oprimia a cada um de nós era a mesma. Levou-nos muitos anos para aprendermos que, sem nos unirmos primeiro e agirmos juntos contra os opressores, nunca estaríamos livres. Esta lição aprendemo-la através da experiência de muitos séculos de sofrimento sob o jugo do colonialismo português.
Foi uma lição aprendida à custa de muito sangue nos campos de concentração, nas plantações, onde nós éramos forçados a trabalhar juntos e onde as nossas costas eram tatuadas com chicotadas; nas prisões, onde milhares dos nossos irmãos morreram, em muitos casos somente porque não puderam pagar um dos vários impostos; na administração, onde nós sofremos juntos as palmatoadas da viciosa palmatória perfurada. Aqueles que tiveram que alistar-se como trabalhadores comprados noutros países aprenderam a lição da unidade, suando e sufocando juntos nas profundas minas de ouro da África do Sul, nas plantações de açúcar do Natal, nas plantações de tabaco da Rodésia ou nas quintas dos colonialistas Boeres e Britânicos no Transval. Levou-nos muito tempo e muito sofrimento para nós, Moçambicanos, aprendermos a lição da unidade nacional. Se nós tivéssemos compreendido mais cedo a necessidade da unidade nacional contra os portugueses, não teriam sido capazes de derrotar as forças de Gungunhana nos fins do século passado; a guerra de Makombe em Tete teria sido o início da luta de libertação nacional; e o massacre de Mueda em 16 de Junho de 1960 não teria sido tão fácil. Aqui vemos quão perigosa é a divisão, seja ela tribal ou regional.
O Presidente Mondlane continua dizendo-nos qual é a linha a seguir no que se refere à consideração dos grupos étnicos de Moçambique:
A FRELIMO é uma Organização nacionalista política com membros de todas as partes de Moçambique. Portanto reconhece a existência de tribos ou de grupos étnicos. A Nação Moçambicana, como a maior parte das nações no mundo, é composta de gentes com diferentes tradições e culturas, mas unidas pela mesma experiência histórica e os mesmos fins políticos, económicos e sociais, empenhados na mesma tarefa sagrada: lutar pela sua libertação.
Isto explica-nos que a tribo e o grupo étnico, se bem que tenham uma existência real, já não são entidades políticas nem económicas nem sociais. A história já uniu os seus interesses nestes campos.
No passado, os portugueses aproveitaram-se das divisões naturais que separavam a população de uma região da de outra ou de um grupo cultural de outro. Utilizaram o antagonismo tradicional entre as tribos para alcançar os seus objectivos.
Hoje a FRELIMO está empenhada na tarefa de unir o povo contra os invasores, transformando as energias acumuladas durante séculos de separação impostos pelo colonialismo, numa força invencível contra o inimigo comum, utilizando os talentos de cada tribo para o sucesso da luta.
Portanto, a tribo já não guarda os seus talentos para si, a tribo serve a Nação, já não há razão de antagonismo tribal. E torna-se mais forte a ideia de que, se a tribo é uma realidade, o tribalismo não é senão uma manobra política reaccionária.
A FRELIMO está criando uma nação que se está libertando a si própria do jugo colonial. «A luta de libertação nacional é ela própria um processo de criação de uma nova realidade». Enquanto o nosso passado era caracterizado por divisões linguísticas, culturais e históricas, o nosso futuro está sendo estabelecido em bases de unidade. A nossa Organização política é uma, tal como é uma a nossa força militar; nós temos uma estrutura administrativa única que está estabelecendo as bases da nossa economia e ordem social.
Os elementos positivos da nossa vida cultural, tais como as nossas várias formas de expressão linguística, as nossas músicas e danças, as idiossincrasias regionais no nascimento, no crescimento, no amor e na morte continuarão a florescer e a embelezar a vida da nossa Nação depois da independência. Não há, portanto, antagonismo entre a existência de um número de grupos étnicos e a Unidade Nacional. Nós lutamos juntos; juntos reconstruímos o nosso País, criando uma nova realidade, um novo Moçambique, unido e livre.
Esta última frase indica-nos que não basta um militante falar de unidade ou desejá-la, para se dizer que ele tem o espírito de Unidade Nacional. É necessário que participe na luta comum e no trabalho comum de reconstrução, assim demonstrando o seu espírito unitário na ideia, isto é, nos princípios, na linha orientadora e na acção da nossa luta.
É com esta compreensão que um militante deve saber dar valor aos valores, aos elementos positivos da tribo e do grupo étnico, ou, se quisermos, da região ou província, mas combatendo firmemente qualquer atitude divisionista, seja ela de carácter tribalista, seja ela de carácter regionalista.
Os outros aspectos do espírito unitário vimo-los quando falámos da responsabilidade colectiva e quando falámos da camaradagem. Achamos que não vale a pena repeti-los.

5 — O militante combate o racismo. O racismo é uma política de negação do direito de igualdade económica, social e política de uma raça por parte de outra. Seja ela de que direcção for: DO BRANCO PARA O NEGRO OU DO NEGRO PARA O BRANCO, O RACISMO É UMA POLÍTICA REACCIONÁRIA, DE OPRESSÃO E EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM.
Se bem que a maior parte dos colonizadores são brancos e os colonizados são negros em Moçambique, não devemos perder de vista que a nossa luta não é contra o homem em si por ser branco, mas sim contra o sistema de colonização. O responsável pela opressão que sofremos não é a cor do homem. O responsável é o sistema económico, social e político defendido pelo homem contra o qual estamos a lutar. Nós matamos o homem branco, na medida em que ele defende a opressão e exploração no nosso País. Da mesma maneira matamos o negro que defenda a opressão e exploração no nosso País.
No mundo houve e há brancos que colonizaram outros brancos. Estes lutaram contra os colonizadores. Se negros colonizassem outros negros, uma luta entre si seria inevitável. Além disso temos a notar que dentre os nossos aliados nós contamos com brancos, mesmo de Portugal, que combatem o colonialismo português. Por outro lado, dentre os nossos inimigos, contamos com negros mesmo de Moçambique que combatem voluntária e activamente contra a libertação de Moçambique. É por estas razões que o militante da FRELIMO repudia o racismo.
Pensamos que seria impossível descrever todo o comportamento de um militante da FRELIMO, pois que falamos sempre na flexibilidade, na criação de qualidades novas. Não há limite no melhoramento das qualidades de um militante. Mas esperamos ter indicado as características mais importantes.

Conclusão
É entre os militantes que realizam de uma maneira mais saliente estas qualidades do MILITANTE que se devem escolher os membros que devem dirigir a Organização e em particular os membros do Comité Central. O membro do Comité Central deve vir das fileiras da luta. O membro do Comité Central deve distinguir-se pela sua devoção à luta de Libertação Nacional, pelo abandono de si próprio para entregar-se à luta e para servir os interesses do Povo. Ê pela maneira como ele interpreta a política da FRELIMO, e pela maneira como ele respeita e faz respeitar as estruturas da Organização que se salienta o membro do Comité Central. O membro do Comité Central salienta-se através da prática.
Além de conceber as qualidades de um militante da FRELIMO, o membro do Comité Central deve ser capaz de conhecer a estratégia da FRELIMO, saber adaptá-la às condições, realizar as tarefas com flexibilidade. Deve ser capaz de conceber e dar valor à unidade e àquilo que beneficia o nosso Povo e ensiná-lo ao nosso Povo e aos militantes. Deve saber distinguir o inimigo da nossa Revolução em todas as fases.
Em suma, o membro do Comité Central deve ser capaz não só de possuir, conceber e realizar as qualidades e os deveres do militante em geral, mas também de ensinar e interpretar a política da FRELIMO perante o Povo e as unidades, de dirigir o Povo e os restantes militantes.
O CRITÉRIO PARA A ESCOLHA DOS MEMBROS DO COMITÉ CENTRAL NÃO DEVE SER A INSTRUÇÃO, A ANTIGUIDADE NA ORGANIZAÇÃO, A TRIBO, PROVÍNCIA OU REGIÃO. E CADA MEMBRO DO COMITÉ CENTRAL DEVE REPRESENTAR NO COMITÉ CENTRAL, NA ORGANIZAÇÃO E NO MUNDO OS INTERESSES DE TODA A NAÇÃO E NÃO DE UM GRUPO PARTICULAR.

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