Thursday, August 28, 2014

Eduardo Campos e as eleições: a conveniência da tragédia

 

20/8/2014 15:03
Por Maurício Abdalla - do Espirito Santo

A morte trágica e inesperada do candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, modifica as peças do cenário eleitoral
A morte trágica e inesperada do candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, modifica as peças do cenário eleitoral
Quando um acontecimento aparentemente ao acaso modifica a história de uma maneira perfeitamente coerente com certos interesses cuja probabilidade de satisfação era dada como mínima, a tendência é atribuí-lo a uma causa planejada. Seja a mão de Deus, a força de um destino predeterminado ou uma conspiração urdida pelos beneficiários do fato, as possíveis causas desconhecidas do evento liberam várias espécies de especulação, todas concorrendo com a hipótese do simples acaso.
A morte trágica e inesperada do candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, modifica as peças do cenário eleitoral de uma forma totalmente adequada aos interesses de quem não queria a continuidade das atuais forças que ocupam o Palácio do Planalto. Independentemente da avaliação que se tenha do Governo PT/PMDB, é fato que ele foi alvo de diversas tentativas que visavam impedir a reeleição da presidente Dilma Rousseff. A cultura sociopolítica da elite brasileira não exige muito para que um grupo social seja execrado. Mesmo propositores de mudanças sociais dentro do capitalismo são repelidos como perigosos perturbadores da ordem – que o digam os antigos abolicionistas, os defensores da CLT, os ambientalistas e ativistas dos direitos humanos.
Dentre essas tentativas, o espetáculo midiático montado sobre o julgamento do “mensalão” e a colagem do conceito de corrupção a um único partido, o PT, foram as que mais causaram estragos – até porque tinha uma base real a ser explorada. Mas não foram suficientes para reduzir o índice de aprovação do Governo e das intenções de voto em Dilma nas pesquisas.
O intento de canalizar as manifestações de junho e julho de 2013 em uma espécie de “fora Dilma” não obteve sucesso. A tragédia anunciada e não ocorrida da realização da Copa do Mundo, os problemas da Petrobrás, a polêmica da estranha modificação de perfis de jornalistas feitas por computadores do Palácio, facilmente rastreáveis, os ataques ao baixo desempenho da economia etc., só serviram para atiçar e espalhar um pouco mais o ódio já presente em setores da classe média com relação ao Governo, mas tampouco abalaram a perspectiva de reeleição.
Os boatos de baixo nível, como os que se dirigiam ao filho do ex-presidente Lula, o anúncio de um “golpe comunista” (ou de que vivemos já em uma “ditadura comunista”), a hipótese de que os médicos cubanos e os imigrantes haitianos são guerrilheiros disfarçados, ou de que o Brasil financia o governo de Cuba são tentativas despolitizadas e servem apenas para perturbar as mentes sem muito contato com o mundo real da política. Espalham-se pelas redes sociais virtuais, mas não atingem os debates políticos sérios.
Nesse movimento, que tem a mídia corporativa na vanguarda, há outros agentes atuando. O Banco Santander tentou uma chantagem financeira com seus clientes, advertindo para os riscos de um cenário de reeleição da presidente. Uma empresa de análise de investimentos chamada “Empiricus” apostou na propaganda paga na Internet e espalhou pela rede os riscos ao patrimônio em caso de reeleição de Dilma.
Somada a essas tentativas, que atuam pela negação, vinha a ação positiva pela aposta em uma candidatura de oposição, antes concentrada no candidato do PSDB, Aécio Neves. Nenhum escândalo do PSDB foi tratado como espetáculo de corrupção pelos principais meios de comunicação. “Mensalão tucano”, caso do metrô, fraudes nas privatizações, aeroporto no interior de Minas e o caso mais grave da cocaína dos Perrela (amigos de Aécio), todos esses eram temas proibidos ou tratados com cuidado cirúrgico nas editorias de política das grandes empresas de comunicação.
Nada, porém, parecia funcionar. A oposição dividia os baixos percentuais de intenção de voto entre Aécio e Eduardo Campos, deixando aberta a possibilidade de uma vitória de Dilma no primeiro turno. A oposição de esquerda não conseguiu fazer seus candidatos aparecerem como alternativas. Marina Silva, coringa das últimas eleições presidenciais e promessa de arregimentação de votos dos indignados com “tudo que está aí”, só pôde figurar como vice do candidato do PSB, pois não conseguiu registro de seu novo partido.
O maior problema era que a situação era sustentável. Nada parecia mudar o quadro. O resultado das próximas eleições, a continuar a inércia da situação, deixaria os videntes sem função. Se uma coisa bem grande não acontecesse, tudo era só uma questão de tempo.
E eis que a coisa grande aconteceu. O acidente aéreo do dia 13 de agosto, além de tirar a vida de várias pessoas, subtraiu o sono dos coordenadores da campanha de Dilma e retirou o tubo de alimentação da campanha estagnada do candidato tucano. E, de gorjeta, ainda forneceu combustível para as ilações dos boateiros de redes sociais que, sem nenhuma lógica imaginável, trataram o acidente como um atentado perpetrado por “Dilma e o PT”.
A coringa Marina Silva galga à condição que era pretendida desde o início e pra a qual estava reservada desde a última eleição presidencial. O baixo percentual de intenções de voto em uma das candidaturas de oposição, a do PSB, salta de oito para 20%, alimentado também pela comoção novelística da mídia que transformou Eduardo Campos de candidato inexpressivo no “maior político da história brasileira” em poucas horas. A candidata acreana seria, além da esperança dos desacreditados, a herdeira dos ideais sublimes do político pernambucano.
As forças socioeconômicas e midiáticas de oposição ao Governo parecem estar em revoada, abandonando a mata seca de Aécio para alimentar-se na verdejante floresta de Marina. Para elas, agora há esperança. Dilma que se cuide. Já a candidatura tucana falecerá como efeito retardado da queda do Cessna 560 XL.
Esse é mais um caso de tragédia na história que, de tão conveniente para certos grupos, faz brotar sorrisos escondidos sob as lágrimas de pêsames. Uma nova corrida presidencial, com um cenário totalmente diverso, começou no dia 13 de agosto.
Maurício Abdalla, é catedrático brasileiro. Membro do Movimento Fé e Política, professor de filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo. Autor de “O princípio da cooperação” (Paulus) e “La crisis latente del darwinismo” (Cauac), dentre outros.

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