domingo, 17 de novembro de 2013

Resposta à carta do Dr Castel-Branco em 13 pontos e um PS

 

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Li com atenção a carta do Dr Nuno Castel-Branco, que inicialmente postou no seu mural no facebook, e depois foi espalhada pela imprensa online e impressa. Por sorte somos amigos naquela rede social, e fui um dos primeiros a ter acesso à mesma. Durante este tempo, até escrever esta carta, discutiu-se muito a carta em si naquele fórum, mas principalmente o nível de linguagem que ela carrega.
Aliás, o próprio professor Castel-Branco reconheceu, no último debate que tivemos no mural de um amigo comum, que na verdade a linguagem era vulgar e baixa, e que se escrevesse de novo a mesma carta, mudaria de linguagem, porém, manteria o conteúdo.
Isto fez o próprio professor questionar ou reclamar que discutia-se muito a linguagem baixa usada, mas ninguém confrontava-lhe com o teor da carta. Aqui posso responder que é porque talvez o que chamou mais atenção foi exactamente a linguagem, por esta não ser característico do nível de contenção linguística que nos habituou, ou mesmo pela diferença de postura repentina que apresenta nesta carta.
Mas escrevo este artigo para exactamente responder a essa carta com factos, que acho que passaram despercebidos ao ilustre professor, talvez pelo estado de forte excitação em que se encontrava no momento da escrita da mesma.
Aviso que não vou descer até ao nível de linguagem do ilustre professor, e também não vou rebater os insultos reles que ele emocionalmente meteu na mesma:
1.      O Dr Castel-Branco diz que foi mau o exército ter atacado as bases da Renamo.
Aqui discordo dele, uma vez que ele parte do meio, como diria o muzaya do Gungu, ele parte da morte. Aqui o ilustre professor esqueceu-se de que os homens armados da Renamo é que atacavam as Forcas de Defesa e Segurança (FDS), sem que estas ripostassem. Esquece que foram os homens da Renamo que atacaram civis ao longo da Estrada Nacional n. 1 (EN1) sem que houvesse alguma reacção por parte das FDS. São jovens militares e polícias mortos e feridos que nos entravam casa adentro via televisão, porém não vi o ilustre professor a optar por fazer uma carta ao Dhlakama ou a qualquer pessoa que seja. Porque somente se insurge somente quando há uma reacção das FDS? Era para se deixar a Renamo a matar os jovens militares eternamente? Quando houve acção da Renamo estava distraído senhor professor? Convenhamos, não podemos ser parciais desta forma!
2.     O Ilustre Professor acusa o Presidente da República (PR) de querer suspender a Constituição da República de Moçambique (CRM) para “fascizar” o país, e diz também que toda a situação sociopolítica que acontece é produto de plano para essa fascizacão.
Acho que deixa de fora muitas premissas que podiam permitir fazer uma análise mais madura, porém prefere optar pela acusação de que o PR é que está a introduzir esta situação para se manter no poder. O PR já disse até à exaustão que não vai ficar no poder, para além de que a própria CRM não lhe dá esse direito! O pensamento anárquico de algumas pessoas é que salta sobre as leis e descobre uma forma de ele se manter no poder! Se não se acredita nele, temos que acreditamos em quem?
Para uma análise mais isenta, devia revisitar a génese e o desenvolvimento de cada fenómeno que elenca na sua carta. A Renamo, desde 1994 grita que vai incendiar o país, que vai inviabilizar a democracia, que vai tomar o país pela força, que vai dividir Moçambique! O que fez o caro professor perante estas ameaças? E agora que esta mesma Renamo está a demonstrar querer concretizar isto, e o Estado está a travá-lo, é que vem acusar o PR de ter desenhado esta situação? Francamente!
3.     Diz que a imagem da Frelimo está descredibilizada.
Isso é uma opinião pessoal, mas não concordo com ela, porque a imagem de um partido é provada nas urnas, como a imagem de um clube é provada nos jogos. Que indicadores têm o caro professor para dizer com tanta certeza que a imagem da Frelimo está descredibilizada? Aguardemos as eleições, e quando a Frelimo não for opção dos eleitores, aí poderá emitir esta opinião com factos. Dá nisto escrever num estado de emoção.
4.     Diz o ilustre professor que o PR rodeou-se de lambe-botas.
Se isto não é senso comum, então é uma revelação. O professor Castel-Branco foi um quadro do partido (Estado), e colaborava directamente com o antigo Departamento de Trabalho Ideológico (DTI), e tinha acesso aos corredores do poder. Será que era lambe-botas? Se esteve até no DTI, quer dizer que concordava com a política e com a liderança naquele tempo, será que ao ter concordado com a ideologia, automaticamente era lambe-botas?
5.     Diz o ilustre professor que o PR isolou-se dos que queriam o ajudar.
A minha questão é: Quem são esses que queriam ajudar ao PR? Os intelectuais? Investigadores? Ajudar em quê? Afinal não é o próprio PR que tem o poder discricionário de escolher a sua equipa? Ou há aqui uma visão de que aqueles que são apontados pelo PR para trabalhar com ele não merecem? E que outros que o caro professor pensou neles no momento em que abordava este tempo é que merecem? Afinal este Moçambique não é de todos, e todos não temos ou não devemos ter as mesmas oportunidades? Aqui o professor guinou muito, e demonstrou no fundo o que lhe vai na lama, digo, na alma.
6.     Diz que o PR preferiu assessores estrangeiros do que aqueles moçambicanos que trabalham honestamente.
Acho que nesta parte da carta o professor já estava de coração aberto, e deixava todo o seu sentimento deslizar. Quem são esses que trabalham honestamente e quem são os que não o fazem?
Retomo este ponto no PS.
7.     O respeitado professor acusa o PR de ter escolhido o caminho da Guerra.
Como disse no ponto 2, há necessidade de rever a génese da situação sociopolítica e tirar ilações conscientes. Se olhar para a cronologia dos acontecimentos, verá que houve alguns acontecimentos preponderantes que o Dr Castel-Branco prefere ficar com amnésia que escrever uma carta a repudiar. Quando as FDS emergem para defenderem as populações que estão sendo assassinadas, ai é que surge esta iniciativa de protestar? Sinceramente, caro professor.
8.     Acusa o PR de se preocupar mais com a exploração das riquezas do subsolo, e “manda passear as pessoas”.
Sobre este ponto acho que o Dr Castel-Branco é que é economista, e pode dizer como é que se pode fazer. Deixar os recursos porque na superfície há uma Vila? Cavar doutro lado e fazer uma espécie de pipeline ou túnel, mantendo a Vila intacta? Acho que aqui a sua contribuição é pertinente e valida.
E também gostaria de ter uma explicação de como se beneficia, o PR, dos ganhos financeiros e comerciais dos grandes projectos. Que eu saiba, a ANADARKO disse há uns dias que começará a exploração de gás em 2018. Pode explicar caro professor?
Resposta à carta do Dr Castel-Branco em 13 pontos e um PS (2)
9.     O ilustre professor pergunta o que são moçambicanos de gema.
Para mim, e como minha opinião pessoal e intransmissível, acho que há um uso abusivo do termo moçambicano de gema.
Mas esta expressão não foi introduzida pelo PR, e todos nós, sem hipocrisias do momento, sabemos o seu significado. Aliás, a CRM explica isso. Os capítulos I e II do Título II falam da existência de nacionalidade originária e adquirida. E o acesso aos direitos é diferente para os dois, mormente nos direitos políticos (eleger e ser eleito, por exemplo).
Há dúvidas sobre quem é ou não é moçambicano de gema? Ou usa-se isso para se criar um grupinho de vítimas que no fundo é ao contrário?
10.O professor Castel-Branco diz que o PR não merece representar a Pérola do índico, e nem liderar o povo.
Isto, vindo de um intelectual, leitor assíduo e professor universitário é triste! A CRM diz qual é a duração de um mandato presidencial! Será que o ilustre Castel-Branco esqueceu-se que o PR foi eleito pelo voto popular? E que jurou cumprir o mandato? De que mérito fala caro professor se o único mérito é este que vem explícito na CRM?
11.  O professor diz que que foi bonito ver o povo perfilado a defender uma causa comum que apoquenta a todos nós.
Concordo com ele. Neste ponto estou plenamente de acordo. Isso é resultado do amadurecimento de um espírito de cidadania e de nação que deve ser o maior objectivo, e não separatismos radicais, onde outros são lambe-botas e outros são os merecidos. Por acaso, ilustre professor, conseguiu distinguir a cor partidária das pessoas ali? Não? Porque ali era o país, os cidadãos. A polícia não podia fazer nada, porque é um direito constitucional indignar-se. Está plasmado na lei o direito à manifestação. Porque deveria a polícia intervir? Para que fins?
12.Diz o ilustre professor que ali gritou-se “fora, fora, fora!”.
Estive na praça da Independência, e esse “fora, fora, fora”, foi um grito localizado feito à margem da passeata por algumas pessoas. Os próprios organizadores principais disseram bem alto que aquela marcha não era política, e isto frustrou muita gente que tinha objectivos políticos. Aquela marcha era contra os raptos.
Aquela marcha não era contra ninguém em particular, mas contra uma situação social identificada, e diga se de passagem, é esta que deve ser a atitude dos cidadãos: exercício da cidadania. A política activa não deve ser encoberta por este tipo de acontecimentos. Que se faça política à luz do dia sem subterfúgios.
13.Diz o professor Castel-Branco que o PR deve sair.
Caro professor Castel-Branco, não sabe qual é a duração de um mandato? Como alguém vai sair assim de repente sem haver eleições? O que sugere? Golpe de Estado? Anarquia? Assassinato? Como vai sair o PR? Abater alvos seleccionados como diz na sua carta? Atirar ao PR num rio de sangue como carga impura?
PS: Acho os números 5 e 6 interessantes, porque apresentam, abertamente, o sentimento verdadeiro do professor em relação ao modo de governação do PR, e principalmente, o PORQUÊ dessa visão ser negativa. Há aqui uma visão grupal e excludente, e quiçá rebaixador de outros moçambicanos que estão a exercer algum cargo junto do PR em relação a outros que, segundo ele DEVERIAM estar lá a fazer esse trabalho.
Se se ler bem esses pontos há de se ver que há aqui claramente um NÓS VS ELES. NÓS quem? E quem são ELES? Porque a ELES não merece e somente a NÓS é que merece? Porque ELES estragam e NÓS é que somos capazes de fixar tudo em ordem?
Há aqui algo que não está bem explícito, e só uma leitura calma e inquisitória pode esclarecer e clarificar o busílis da questão.
Américo Matavele
 
JORNAL DOMINGO – 17.11.2013

Comments

1
Miguel said in reply to ZACARIA...
Obrigado Prezado Sr. Zacaria pela sua resposta e sugestões.
Agora, quanto aos portugueses e sua vinda a Moçambique - esse é outro assunto – mas seja como for quem tem sido ferido e morto são moçambicanos civis e militares e NÃO ME CONSTA QUE TENHA MORRIDO UM ÚNICO PORTUGUÊS até ao momento, vítima desta “guerra”.
No que diz respeito a escaramuças entre polícia e manifestantes ou em campanhas políticas - isso tem acontecido em todo o mundo.: Portugal, Grécia, Reino Unido, Brasil, Suécia, África do Sul, Itália, etc….. – (o prezado e respeitado Sr. Zacaria sabe perfeitamente disso - nem é preciso que eu faça “copy-paste” da internet de notícias na midia para provar isso).
VINDA DE PORTUGUESES A MOÇAMBIQUE - Pelo que consta, mais portugueses morreram na África do Sul do que em Moçambique, numa situação de paz, e não sei se o nosso Prezado e Respeitado comentador Sr. Zacaria, também os aconselhou a sairem da África do Sul ou a não irem trabalhar ou investir naquele país - seria interessante saber.
Do Jornal Português “O PÜBLICO”:
388 portugueses mortos na África do Sul em quatro anos
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/388-portugueses-mortos-na-africa-do-sul-em-quatro-anos-23920
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Miguel (o moçambicano indígena)
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Matepete said...
Caro Américo
A policia já disparou ontem na Beira, quando cidadãos estavam em pleno gozo das suas liberdades constitucionais, disparou no1 e 2 de Setembro de 2011.... mas não não temo dizer ou chama-lo de lambe-botas. o lambebotismo não tem a ver com o concordar ou discordar de ideologias, mas com a forma e os objetivos que movem os que prestam tal serviço.
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ZACARIA said in reply to Miguel...
Olhe aproveite e comente tambem este ataque da FIR da Frelimo ao comício do MDM na Munhava/BEIRA numa campanha eleitoral supostamente cívica e respeitadora.Isto é muito importante para o estrangeiro observar o respeito que as instituições têm pelos cidadãos ...
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ZACARIA said in reply to Miguel...
eish lembrou-se !!!! talvez se lembre tambem dos paraquedas usados,aqueles que voçê incentivava os portugueses e outros a usar para cairem em Moçambique que ,vejam só "ERA TÃO BOM ,MAS TÃO BOM " nas suas palavras que virou um CENÁRIO DE GUERRA.
mas como parece que voçê tem boa memória estou ainda á espera da sua retratação quando me tentava,claro que tentava,nunca conseguiu, contradizer sempre que eu afirmava não aconselhar quem quer que fosse a ir para Moçambique ....Por isso tenho tempo de sobra aguardando a sua retratação .....
5
Miguel said...
Américo Matavele disse no ponto 4 do artigo deste post :
“4.…O professor Castel-Branco foi um quadro do partido (Estado), e colaborava directamente com o antigo Departamento de Trabalho Ideológico (DTI), e tinha acesso aos corredores do poder. Será que era lambe-botas? Se esteve até no DTI, quer dizer que concordava com a política e com a liderança naquele tempo, será que ao ter concordado com a ideologia, automaticamente era lambe-botas?...”
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Meu comentário:
Não tenho nada a comentar sobre o facto de “o professor Castel-Branco ter sido um quadro do partido (Estado) e que colaborava directamente com o antigo Departamento do Trabalho Ideológico” (DTI) do partido"(Frelimo).
Este facto só me fez lembrar o que um assíduo comentador aqui (o prezado e respeitado comentador Sr. Zacaria), disse uma vez, em alguns de seus comentários, que gostaria de conhecer “TODOS ESSES BRANCOS, INDIANOS e CANECOS que foram COLABORADORES do regime frelimista pós-independência”. O Prezado Sr. Zacaria estava então reagindo à minha referência de que o regime Samoriano era, na altura, o regime africano mais “branco” (relativamente com um número bem alto de “brancos” no seu governo em decorrência da doutrina anti-racista de Samora e sua Frelimo).
Então, eis aí, Prezado Sr. Zacaria, o Sr. Américo Matavele, neste post, fornece-lhe mais um desses “brancos”: o altamente e bem conceituado Sr. Professor Doutor Castel-Branco (“antigo colaborador do Departamento de Trabalho Ideológico (DTI) do partido…”
Miguel (o mocambicano indigena)

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