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A Voz da Rússia continua a publicar as memórias do jornalista russo Konstantin Kachalin, que trabalhou nos Bálcãs durante 10 anos.
No dia 1 de novembro de 1995, no salão de conferências da base aérea norte-americana de Wright-Patterson entraram finalmente os protagonistas de uma difícil maratona negocial: o presidente da Sérvia Slobodan Milosevic, o presidente do presidium da Bósnia e Herzegovina Alija Izetbegoviс e o presidente da Croácia, doutor Franjo Tudjman. O secretário de Estado dos EUA Warren Christopher, ao inaugurar a cerimônia final de assinatura do acordo-quadro, agradeceu os três líderes pelo seu trabalho intenso e produtivo e sublinhou que o Acordo de Dayton irá proporcionar aos habitantes da Bósnia e Herzegovina celebrar o Ano Novo em paz pela primeira vez nos quatro anos de guerra. A paz nos Bálcãs se tornou realidade.
É claro que o ponto final foi colocado no dia 14 de dezembro de 1995 em Paris. Em Dayton foram definidos os parâmetros principais: a Bósnia continua sendo um estado uno, mas dividido em duas partes, a Federação Muçulmano-Croata e a República Sérvia, com um governo e um parlamento centrais e um presidente.
Os norte-americanos estavam visivelmente apressados para obter um resultado a qualquer preço. Quando as negociações chegaram mais uma vez a um impasse, Bill Clinton decidiu intervir. A sua conversa telefônica com o presidente croata Franjo Tudjman terá sido aparentemente decisiva.
É verdade que a discussão sobre o corredor de Posavina e a sua largura foi adiada. A delegação dos sérvios bósnios, que tinha entregado os seus poderes a Slobodan Milosevic, mais tarde desautorizou a sua assinatura. Momcilo Krajisnik, o presidente da República Sérvia, declarou nesses dias aos jornalistas: "Nós não concordamos com os documentos de Dayton, eles não correspondem aos nossos interesses nacionais". O próprio Milosevic disse inequivocamente numa comunicação televisiva a partir de Dayton que a guerra estava acabada, que as fronteiras entre a Federação Muçulmano-Croata e a República Sérvia já estavam definidas e que agora já era inútil tentar resolver as questões territoriais pela via militar.
Depois de Dayton o presidente da Bósnia e Herzegovina Alija Izetbegoviс foi recebido em Sarajevo por jovens admiradores e apoiantes do Partido da Ação Democrática. O idoso Izetbegoviс dizia emotivamente que a paz agora iria ser assegurada pela OTAN e a economia seria reconstruída com recurso a créditos de bilhões a fundo perdido. Foram prometidos 5 bilhões ao longo de 2 anos. Contudo em Sarajevo voltou a se ouvir o ultimato de Izetbegoviс: "Nós ficamos dois ou três meses à espera dos resultados de Dayton. Se não houver paz e começarem os problemas, nós iremos desobrigar as nossas assinaturas desses documentos".
Muitos diziam, nesses dias, que a Bósnia iria absorver a OTAN e a UE no seu remoinho durante muitas décadas. Os próprios norte-americanos tentaram na altura convencer todo o mundo que, juntamente com os seus aliados da OTAN, eles iriam reestabelecer a ordem na Bósnia e Herzegovina em um ou dois anos. A Bósnia se tornou para Bill Clinton num trampolim eleitoral. Ao obter a paz e a tranquilidade nos Bálcãs ele contava com a certeza de mais um mandato presidencial. Os eleitores deveriam confiar o seu voto ao pacificador que salvou a Europa da guerra dos Bálcãs.
Logo depois das comunicações vindas de Dayton, começaram as manifestações na parte sérvia de Sarajevo. Todos sabiam que os sérvios não iriam querer viver com os muçulmanos. O slogan "Sarajevo é a nossa cidade, não a damos a ninguém" já diz muito. O líder dos sérvios da Bósnia Radovan Karadzic declarou numa entrevista à BBC: "O Acordo de Dayton pode transformar Sarajevo numa Beirute europeia, nós queremos um estatuto à parte".
Richard Holbrooke deu imediatamente a entender que não haveria concessão. Radovan Karadzic sempre se opôs à presença da OTAN no seu território. Na mesma entrevista à BBC ele afirmava: "Nós temos o nosso governo e o nosso parlamento. E se eles não ratificarem a decisão de se enviar para aqui militares da OTAN, eles não têm nada que vir".
Todos percebiam que o problema da coexistência dos três povos (os muçulmanos, os croatas e os sérvios) na Bósnia, e mais ainda em Sarajevo, é um problema difícil e que não pode ser resolvido em pouco tempo. Nesses mesmos dias de 1995 o líder dos católicos na Bósnia e Herzegovina cardeal Vinko Puljic falou na televisão de Zagreb dizendo, para espanto de muitos, que os croatas também tinham sido pressionados.
O cardeal disse que nunca tinha tido a oportunidade para expressar a sua opinião na televisão de Sarajevo, onde só eram ouvidas as vozes e opiniões de pessoas que professavam o Islã.
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