7 minutes ago near Maputo ·
- Assim que hoje acordei inspirado deixa-me aproveitar para dizer uma daquelas verdades que não digo há muito tempo. Vem esta minha inspiração a propósito de alguns discursos que tenho ouvido de uma boa cambada de governantes, que apontam, invariavelmente, os jornalistas como os principais responsáveis pelo clima de instabilidade política e social que hoje se vive em Moçambique. Essas acusações que pesam sobre os jornalistas às vezes também vem da classe castrense. "Voces, jornalistas, é que provocam estas crises", atirou Paulino Macaringue, ora deposto. Se for da parte do Comandante Geral da PRM, Jorge Khalau, já nem digo. Tudo que há de mal no seu reinado é causado pelos jornalistas. No dia da independencia chegou a perguntar ao jornalista: "Mesmo voce, jornalista, não quer a paz? Não quer ir a Bilene namorar em paz com tua namorada? Não quer?". Fiquei deveras intrigado quando ouvi da parte do escritor Eduardo White: "Voces, jornalistas, é que querem a guerra. Eles estão a conversar, a negociar, deixem eles se entenderem". Outro dia ouvi o presidente a dizer que o facebook é uma fábrica de sonhos inalcansáveis. E por aqui vou chegando mais perto do cerne da questão. Se me perguntam se são os jornalistas os responsáveis pelas crises, serei mais profundo e direi que sim. São os jornalistas. Aliás, sempre foram os jornalistas, ao lado de outros intelectuais, que vão desde os letrados aos artistas das mais diversas modalidades. A Frelimo surgiu em 1962, com um grande projecto que visava alcançar um sonho inalcansável: a independencia. Mas já antes os jornalistas do Brado Africano, do Africano, do Diário de Moçambique (falo de tipos como Estácio Dias, João Albazine, José Albazine, Rui Cartaxana, José Craveirinha, Noémia de Sousa, Ricardo Rangel e outros) haviam iniciado a construção da consciencia da opressão colonial ao retratarem o quotidiano dos estivadores, dos trabalhadores ferroportuários, dos trabalhadores das minas, da escravatura. Já antes do AGP os jornalistas lutavam contra a censura prévia, afinal uma das pontas soltas de um regime totalitário. Mas porque os jornalistas? Sempre os jornalistas? Por uma razão muito simples. Todo o ditador sabe que a primeira coisa que deve fazer para limitar a liberdade dos indivíduos é limitar-lhes o acesso à informação, que é o mesmo que dizer limitar-lhes o acesso ao conhecimento. Antes da Frelimo surgir em 1962, os seus militantes eram estudantes que liam maningue jornais e ganhavam consciencia de que tinham direito de serem um povo independente. Ninguém pode querer aquilo que não conhece. Ainda estou intrigado com um ministro barbudo que não sabia que os camponeses sabiam escrever, a ponto de escreverem uma carta-aberta bem fundamentada a condenaram um governo que toma de assalto as suas terras. Às vezes se acusam os jornalistas da mesma forma de se acusa a Renamo (Edwin Hounnou foi detido por ai além); aliás, tenho estado a ouvir falar da possível reinstalação do Ministério da Informação, onde supostamente se reabilitará a comissão da censura prévia, a fim de que os jornalistas passem a submeter os seus textos ao crivo dos censores sistemáticos antes de os publicarem, como acontecia já no regime salazarista e durante os anos da ditadura do proletariado. Porque tanto temem os jornais? Por uma razão muito simples. Porque sem os jornais, facilmente se instala o Estado de Polícia ou a Ditadura Militar, onde a greve, a manifestação e a reunião deixarão de serem direitos fundamentais com dignidade constitucional. Já hoje mesmo sabemos o quão um Jorge Khalau se chateia quando ouve Salomão Moyana a explicar aos moçambicanos que a polícia não pode repreender os manifestantes quando eles se manifestam, porque a manifestação é um direito fundamental. É por isso que os jornalistas são vistos como sendo eles os instigadores, porque eles investigam e denunciam as arbitrariedades cometidas por aqueles que se acham intocáveis. Em nome dos direitos humanos, devemos continuar a lutar contra aqueles que tendo ascendido ao poder público, abusam desse mesmo poder, sem escrúpulos. O jornalismo contra poder é, também, uma área de especialidade, que não deve ser calada, pelo que incentivamos que haja jornalistas com capacidade de denúncia e crítica ao desempenho do governo, sendo a denúncia, por si só, a assunção da ética jornalística.
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