O “PUZZLE” DO DIÁLOGO: Dilemas de Sandjundjira
HÁ cerca de duas semanas recebi um convite da Renamo para ir a Sandjundjira a uma conferência de imprensa que o líder da Renamo iria conceder à Imprensa nacional. Num momento em que o país vive ameaças reais à paz, de estabilidade social e múltiplas incertezas causadas por factores que podem conduzir a uma crise política de dimensões desastrosas, social e economicamente, estar no actual baluarte militar de Dhlakama por quatro horas e interagir com ele durante duas horas foi pertinente e útil para colher instrumentos de análise que ajudam a compreender os factos políticos da actualidade que só podem ser, efectivamente, apreendidos conhecendo-se um pouco mais os problemas e as opções que ambos os lados, neste caso o Governo e a Renamo, colocam ao público, mas sobretudo o que se fala em voz baixa.
Maputo, Segunda-Feira, 15 de Julho de 2013
Notícias
Este artigo é, por conseguinte, uma partilha dum pequeno exercício de busca de compreensão sobre as principais variáveis do quebra-cabeças que configura o diálogo formal e institucional entre o Governo e a Renamo e os respectivos dilemas, estes vistos a partir de Sandjudjira. Não sendo possível e nem ser minha intenção esgotar as complexas causas do problema assentes na bipolarização política prevalecente, adoptei os que me parecem ser mais aglutinadores, nomeadamente a paridade representativa nos órgãos eleitorais e a questão militar.
Esta abordagem que não se propõe a obter conclusões mas, acima de tudo, desconstruir a partir de factos e percepções cristalizadas àquilo que aos nossos olhos e corações ansiosos pela paz, pela liberdade de circulação ou insatisfeitos com um dos contendores políticos nos induzem á simplificação do debate cívico que classifica os dois lados em “arrogantes” versus “bandidos”. Pode ser que sejam “arrogantes ou bandidos”, mas não é o perfil do rótulo que esta abordagem tenderá seguir, porque acredito que a solução do problema que o país enfrenta não virá do dicionário de adjectivos.
Esta abordagem que não se propõe a obter conclusões mas, acima de tudo, desconstruir a partir de factos e percepções cristalizadas àquilo que aos nossos olhos e corações ansiosos pela paz, pela liberdade de circulação ou insatisfeitos com um dos contendores políticos nos induzem á simplificação do debate cívico que classifica os dois lados em “arrogantes” versus “bandidos”. Pode ser que sejam “arrogantes ou bandidos”, mas não é o perfil do rótulo que esta abordagem tenderá seguir, porque acredito que a solução do problema que o país enfrenta não virá do dicionário de adjectivos.
Escrevo Sandjundjira e não Santugira como nos referimos habitualmente na Imprensa. Faço-o por respeito àquilo que os habitantes locais acreditam que seja a origem etimológica do nome. Discorre a história, que estando o local geograficamente próximo do parque de Gorongosa foi em tempos habitat de animais ferozes. Os habitantes quando se cruzavam ou detectavam pegadas dos animais cortavam, então, um ramo duma árvore, deixando-o no caminho como um código que indicava a outros, do possível perigo. Sandjundjira significaria assim “ramos no caminho”.
Afonso Dhlakama
A estratégia da Renamo
Maputo, Segunda-Feira, 15 de Julho de 2013
Notícias
Há uma sincronia e coerência nas duas questões que a Renamo apresenta publicamente, nomeadamente a paridade nos órgãos eleitorais e a recusa em se desmilitarizar. Contrariamente ao pensamento comum, a forma como a Renamo articula estes dois grandes assuntos quer nos discursos públicos, quer na mesa do diálogo com o governo, não é tão arbitrária quanto parece. Analisados os detalhes e as conexões entre todas estas dimensões fico mais convencido que está subjacente uma estratégia consistente duma organização político-militar acreditando que a partir de duas variáveis combinadas, se a sua satisfação falhar, pode daí resultar numa fórmula que produza um Governo de Unidade Nacional (GUN).
Afonso Dhlakama
A questão da paridade
Maputo, Segunda-Feira, 15 de Julho de 2013
Notícias
A palavra paridade entrou de forma fulgurante no léxico da política moçambicana nos últimos tempos. Apesar do seu significado simples, como regra que garante igualdade de tratamento entre grupos distintos tanto a direitos como a deveres sem excepções, parece que no cenário político moçambicano entrou para gerar confusão e desentendimentos a sua volta.
O ambiente político moçambicano vive um espectro de tensão, aparentemente por culpa dessa palavra e da “arrogância” do governo, um adjectivo que se tornou tão recorrente quanto vazio quando despido de argumentos contextuais. Claro que esta é uma forma péssima de simplificar a complexidade do imbróglio político que o país está a viver. Infelizmente esta é a interpretação dominante em certos círculos de debate público que associam os actuais impasse a “arrogância” do governo por não aceitar uma coisa, uma exigência “tão simples”. Nestes círculos a prevalecente negação da paridade justifica ou torna aceitável e compreensível o uso das armas de fogo contra vidas e bens civis.
Em teoria e num ambiente democrático, quando a Renamo exige a paridade nos Órgãos Eleitorais como condição para a sua participação nos pleitos eleitorais que se avizinham, parece estar a exigir o óbvio. Óbvio, porque sugere estar a exigir um princípio basilar de sustentação de qualquer Estado de Direito: o princípio da igualdade.
E, neste contexto, os argumentos da Renamo colocados como têm sido tornados públicos, sem correlação e nexo com outros factores e processos políticos intrínsecos aos procedimentos eleitorais moçambicanos, mas sobretudo arrumados de maneira desconectada da nossa história do processo de Paz e da construção democrática, reforçam essa ideia de que foi encontrado um culpado para a nossa incerteza política: o governo de Guebuza.
O que é que a Renamo exige? A Renamo reivindica paridade da sua representação da e da Frelimo na Comissão Nacional das Eleições (CNE) a todos os escalões, Directores e Directores-Adjuntos a todos os escalões do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE) e isso deve resultar dum acordo entre o Governo (Frelimo) e a Renamo, portanto restritivo, erigido no diálogo que está a decorrer na sala de conferências Joaquim Chissano, em Maputo.
Porquê o dilema para o que parece tão simples?
Sugiro que as possíveis respostas sejam encontradas a partir de dois focos de análise. Em primeiro lugar da presunção de que Governo e Renamo estão a discutir a questão da paridade a partir de pressupostos completamente divergentes. A Renamo tem como premissa o Acordo Geral de Paz (AGP) e o Governo a Constituição da República e a demais Legislação vigente.
A Renamo ao desejar que a Lei Eleitoral acomode a sua exigência excluindo os outros actores políticos, nomeadamente o MDM e os partidos extra-parlamentares, não o faz por distracção. Fá-lo porque o seu argumento e os seus termos de referência na Joaquim Chissano são fundamentalmente o AGP, do período em que a Frelimo (governo) e a Renamo eram objectivamente as únicas forças políticas e predominantes, incumbidas por força da história de guerra e de Lei de restaurar a Paz e a Democracia.
São bastantes os argumentos de retórica que a Renamo tem trazido ao público sublinhando sistematicamente que o AGP não foi cumprido, e que isso explica a sua insatisfação ao Estado actual da democracia em Moçambique. Em outras palavras: ignorar a inclusão da Sociedade Civil, do MDM (um partido bastardo da Renamo) e outros partidos na exigida paridade, representa para a Renamo o exclusivo reconhecimento da Frelimo (Governo) como único interlocutor político, num recuo de 21 anos.
A Reacção do Governo, mesmo que por vezes gelatinosa revela efectivamente o receio de que, a Renamo quer de forma ardilosa reactivar o AGP. O governo defende que o processo da implementação do AGP cessou formalmente com a tomada de posse do governo saído das eleições de 1994 porque o próprio Acordo assim o determinava. Por conseguinte, nesses termos o AGP foi incorporado na Constituição passando a vida dos moçambicanos a ser regida por ela e as leis da República e não pelo AGP.
Deste ponto de vista, fica claro que o dilema que prevalece face a exigência da paridade, nos termos em que a Renamo coloca é mais complexo do que parece a prior. Coloca por um lado a bipolarização dos órgãos eleitorais e por outro a inclusão de todos os atores políticos. Ou seja é a Renamo versus Governo (Frelimo) de um lado, subjacente no AGP, ou a inclusão política da Sociedade Civil, do MDM e partidos extraparlamentares mais consentâneo com a Constituição e demais leis vigentes no país, defendido pelo Governo.
Esta dicotomia, consequência directa de pressupostos diferentes para o que está a ser discutido na sala Joaquim Chissano em Maputo, revela claramente que o conceito de paridade amplamente difundido e defendido pela Renamo como genuína intenção democrática está ferido do vício de Roma Não congrega em si nem tem a pretensão do respeito ao princípio de igualdade de forma inclusiva como parece. Antes e pelo contrário, a igualdade exigida é restritiva somente entre a Frelimo (Governo) e a Renamo, sendo que o resto é paisagem política.
Pode-se assim concluir que este capítulo do diálogo com a Renamo é um grande teste ao Governo para encontrar um meio-termo que resolva o impasse, fundamentalmente por duas razões.
A primeira é que para além de recusar, compreensivelmente, a reactivação do AGP, justificadamente em defesa da Constituição, das demais leis vigentes e a sublinhada inclusão política no processo eleitoral, não me parece razoável nem realístico uma CNE que tenha a paridade representativa de todos os partidos concorrentes nem a igual paridade de todos no STAE. São números incomportáveis propícios para degenerar qualquer órgão que se pretende colegial, ou simplesmente técnico-administrativo.
A segunda razão reside no factor tempo. Com efeito, todos os factos convergem para nos apresentar uma Renamo sem pressa para as eleições. Faz algum sentido. A maior responsabilidade para um efectivo cumprimento legal do calendário eleitoral é do Governo. É o Governo responsável pela gestão legal dos processos eleitorais.
A Renamo tem consciência disso e, por isso, joga com o factor tempo a seu favor. Por um lado como um meio para a pressão, que pode arrastar consigo parte considerável da sociedade desgastando o Governo e, por outro lado, e mais importante ainda, conseguir, eventualmente, com uso de discussões dilatórias no diálogo em curso, que o Governo, a Assembleia da República e o Presidente fiquem “fora do prazo” por incumprimento total do calendário eleitoral e período prescrito para a governação.
Face a estes argumentos é pequena a probabilidade para que se chegue a um “meio-termo”, um nem tanto ao mar nem tanto a terra. Um entendimento que passaria por tolerar “em nome da estabilidade política” que a paridade na CNE não incluía os partidos extraparlamentares, mas em contra-partida incluía o MDM, a Sociedade Civil. Portanto, uma fórmula que não assenta propriamente no AGP, mas sim na representação parlamentar, com algumas adições, sem a proporcionalidade.
Esta hipótese a ser concretizada seria, no entanto, para o Governo uma decisão difícil de engolir, mas eventualmente uma saída airosa. Difícil porque partindo do pressuposto da representação parlamentar, terá de ceder a regra vigente da proporcionalidade na qual tem a maioria e, posicionar-se na CNE em minoria, se considerarmos a Renamo mais MDM versus Frelimo.
Considerando, no entanto, que esta fórmula amplia substancialmente a composição da CNE, o mais provável é iniciar-se uma discussão sobre o número de assentos por cada partido. Actualmente e obedecendo o principio da representação proporcional a CNE comporta 13 pessoas, sendo 5 da Frelimo, 2 da Renamo 1 do MDM, 3 da Sociedade Civil, 1 da Magistratura Judicial e 1 da Magistratura do Ministério Público.
Representando eventualmente, uma saída airosa do Governo, num segundo mo0mento prevalecerão dúvidas quanto a aceitação, por parte do Governo duma composição do STAE que contrarie o espírito da profissionalização deste órgão.
A actual estrutura do STAE responde em grande medida as recomendações do Conselho Constitucional e da comunidade internacional que tem estado a colaborar no processo eleitoral, nomeadamente no que respeita a despartidarização e profissionalização deste órgão.
Por isso e de acordo com o artigo n51 da lei nº 6/2013 de 22 de Fevereiro “ o Secretariado Técnico da Administração Eleitoral é composto por um quadro permanente geral, comum e privativo, com carreiras profissionais especiais, fixadas, no termos do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, cujo pessoal é proveniente do concurso público de avaliação curricular e aprovado pela Comissão Nacional de Eleições sob proposta do seu Director-Geral”.
Pode-se entender para além do que acima expus que se pretende com este dispositivo legal negar que o STAE se transforme à semelhança da CNE num fórum onde as questões políticas infeccionam os actos técnico-administrativo eleitorais.
Não creio, no entanto que a Renamo, estrategicamente, esteja preparada a abrir mão ao STAE, cuja exigência é de nomeação de seus directores-adjuntos em todos os escalões territoriais. Alegadamente a Renamo acredita ou manipula a ideia de que é no STAE onde lhe são “roubados os votos”. Seria enorme a probabilidade de se instalar um novo e longo impasse sobre esta matéria.
Este pode ser para alguns, um prognóstico pessimista, mas defendo que corresponderia, em teoria, a estratégia da Renamo para esta se lançar com tudo à exigência de uma fórmula parecida a um “Governo de Unidade Nacional. Parafraseando Dhlakama em Sandundjira: “ Se Guebuza terminar o mandato sem que sejam convocadas e realizadas eleições a Renamo vai exigir a Constituição de um governo de transição”.
O ambiente político moçambicano vive um espectro de tensão, aparentemente por culpa dessa palavra e da “arrogância” do governo, um adjectivo que se tornou tão recorrente quanto vazio quando despido de argumentos contextuais. Claro que esta é uma forma péssima de simplificar a complexidade do imbróglio político que o país está a viver. Infelizmente esta é a interpretação dominante em certos círculos de debate público que associam os actuais impasse a “arrogância” do governo por não aceitar uma coisa, uma exigência “tão simples”. Nestes círculos a prevalecente negação da paridade justifica ou torna aceitável e compreensível o uso das armas de fogo contra vidas e bens civis.
Em teoria e num ambiente democrático, quando a Renamo exige a paridade nos Órgãos Eleitorais como condição para a sua participação nos pleitos eleitorais que se avizinham, parece estar a exigir o óbvio. Óbvio, porque sugere estar a exigir um princípio basilar de sustentação de qualquer Estado de Direito: o princípio da igualdade.
E, neste contexto, os argumentos da Renamo colocados como têm sido tornados públicos, sem correlação e nexo com outros factores e processos políticos intrínsecos aos procedimentos eleitorais moçambicanos, mas sobretudo arrumados de maneira desconectada da nossa história do processo de Paz e da construção democrática, reforçam essa ideia de que foi encontrado um culpado para a nossa incerteza política: o governo de Guebuza.
O que é que a Renamo exige? A Renamo reivindica paridade da sua representação da e da Frelimo na Comissão Nacional das Eleições (CNE) a todos os escalões, Directores e Directores-Adjuntos a todos os escalões do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE) e isso deve resultar dum acordo entre o Governo (Frelimo) e a Renamo, portanto restritivo, erigido no diálogo que está a decorrer na sala de conferências Joaquim Chissano, em Maputo.
Porquê o dilema para o que parece tão simples?
Sugiro que as possíveis respostas sejam encontradas a partir de dois focos de análise. Em primeiro lugar da presunção de que Governo e Renamo estão a discutir a questão da paridade a partir de pressupostos completamente divergentes. A Renamo tem como premissa o Acordo Geral de Paz (AGP) e o Governo a Constituição da República e a demais Legislação vigente.
A Renamo ao desejar que a Lei Eleitoral acomode a sua exigência excluindo os outros actores políticos, nomeadamente o MDM e os partidos extra-parlamentares, não o faz por distracção. Fá-lo porque o seu argumento e os seus termos de referência na Joaquim Chissano são fundamentalmente o AGP, do período em que a Frelimo (governo) e a Renamo eram objectivamente as únicas forças políticas e predominantes, incumbidas por força da história de guerra e de Lei de restaurar a Paz e a Democracia.
São bastantes os argumentos de retórica que a Renamo tem trazido ao público sublinhando sistematicamente que o AGP não foi cumprido, e que isso explica a sua insatisfação ao Estado actual da democracia em Moçambique. Em outras palavras: ignorar a inclusão da Sociedade Civil, do MDM (um partido bastardo da Renamo) e outros partidos na exigida paridade, representa para a Renamo o exclusivo reconhecimento da Frelimo (Governo) como único interlocutor político, num recuo de 21 anos.
A Reacção do Governo, mesmo que por vezes gelatinosa revela efectivamente o receio de que, a Renamo quer de forma ardilosa reactivar o AGP. O governo defende que o processo da implementação do AGP cessou formalmente com a tomada de posse do governo saído das eleições de 1994 porque o próprio Acordo assim o determinava. Por conseguinte, nesses termos o AGP foi incorporado na Constituição passando a vida dos moçambicanos a ser regida por ela e as leis da República e não pelo AGP.
Deste ponto de vista, fica claro que o dilema que prevalece face a exigência da paridade, nos termos em que a Renamo coloca é mais complexo do que parece a prior. Coloca por um lado a bipolarização dos órgãos eleitorais e por outro a inclusão de todos os atores políticos. Ou seja é a Renamo versus Governo (Frelimo) de um lado, subjacente no AGP, ou a inclusão política da Sociedade Civil, do MDM e partidos extraparlamentares mais consentâneo com a Constituição e demais leis vigentes no país, defendido pelo Governo.
Esta dicotomia, consequência directa de pressupostos diferentes para o que está a ser discutido na sala Joaquim Chissano em Maputo, revela claramente que o conceito de paridade amplamente difundido e defendido pela Renamo como genuína intenção democrática está ferido do vício de Roma Não congrega em si nem tem a pretensão do respeito ao princípio de igualdade de forma inclusiva como parece. Antes e pelo contrário, a igualdade exigida é restritiva somente entre a Frelimo (Governo) e a Renamo, sendo que o resto é paisagem política.
Pode-se assim concluir que este capítulo do diálogo com a Renamo é um grande teste ao Governo para encontrar um meio-termo que resolva o impasse, fundamentalmente por duas razões.
A primeira é que para além de recusar, compreensivelmente, a reactivação do AGP, justificadamente em defesa da Constituição, das demais leis vigentes e a sublinhada inclusão política no processo eleitoral, não me parece razoável nem realístico uma CNE que tenha a paridade representativa de todos os partidos concorrentes nem a igual paridade de todos no STAE. São números incomportáveis propícios para degenerar qualquer órgão que se pretende colegial, ou simplesmente técnico-administrativo.
A segunda razão reside no factor tempo. Com efeito, todos os factos convergem para nos apresentar uma Renamo sem pressa para as eleições. Faz algum sentido. A maior responsabilidade para um efectivo cumprimento legal do calendário eleitoral é do Governo. É o Governo responsável pela gestão legal dos processos eleitorais.
A Renamo tem consciência disso e, por isso, joga com o factor tempo a seu favor. Por um lado como um meio para a pressão, que pode arrastar consigo parte considerável da sociedade desgastando o Governo e, por outro lado, e mais importante ainda, conseguir, eventualmente, com uso de discussões dilatórias no diálogo em curso, que o Governo, a Assembleia da República e o Presidente fiquem “fora do prazo” por incumprimento total do calendário eleitoral e período prescrito para a governação.
Face a estes argumentos é pequena a probabilidade para que se chegue a um “meio-termo”, um nem tanto ao mar nem tanto a terra. Um entendimento que passaria por tolerar “em nome da estabilidade política” que a paridade na CNE não incluía os partidos extraparlamentares, mas em contra-partida incluía o MDM, a Sociedade Civil. Portanto, uma fórmula que não assenta propriamente no AGP, mas sim na representação parlamentar, com algumas adições, sem a proporcionalidade.
Esta hipótese a ser concretizada seria, no entanto, para o Governo uma decisão difícil de engolir, mas eventualmente uma saída airosa. Difícil porque partindo do pressuposto da representação parlamentar, terá de ceder a regra vigente da proporcionalidade na qual tem a maioria e, posicionar-se na CNE em minoria, se considerarmos a Renamo mais MDM versus Frelimo.
Considerando, no entanto, que esta fórmula amplia substancialmente a composição da CNE, o mais provável é iniciar-se uma discussão sobre o número de assentos por cada partido. Actualmente e obedecendo o principio da representação proporcional a CNE comporta 13 pessoas, sendo 5 da Frelimo, 2 da Renamo 1 do MDM, 3 da Sociedade Civil, 1 da Magistratura Judicial e 1 da Magistratura do Ministério Público.
Representando eventualmente, uma saída airosa do Governo, num segundo mo0mento prevalecerão dúvidas quanto a aceitação, por parte do Governo duma composição do STAE que contrarie o espírito da profissionalização deste órgão.
A actual estrutura do STAE responde em grande medida as recomendações do Conselho Constitucional e da comunidade internacional que tem estado a colaborar no processo eleitoral, nomeadamente no que respeita a despartidarização e profissionalização deste órgão.
Por isso e de acordo com o artigo n51 da lei nº 6/2013 de 22 de Fevereiro “ o Secretariado Técnico da Administração Eleitoral é composto por um quadro permanente geral, comum e privativo, com carreiras profissionais especiais, fixadas, no termos do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, cujo pessoal é proveniente do concurso público de avaliação curricular e aprovado pela Comissão Nacional de Eleições sob proposta do seu Director-Geral”.
Pode-se entender para além do que acima expus que se pretende com este dispositivo legal negar que o STAE se transforme à semelhança da CNE num fórum onde as questões políticas infeccionam os actos técnico-administrativo eleitorais.
Não creio, no entanto que a Renamo, estrategicamente, esteja preparada a abrir mão ao STAE, cuja exigência é de nomeação de seus directores-adjuntos em todos os escalões territoriais. Alegadamente a Renamo acredita ou manipula a ideia de que é no STAE onde lhe são “roubados os votos”. Seria enorme a probabilidade de se instalar um novo e longo impasse sobre esta matéria.
Este pode ser para alguns, um prognóstico pessimista, mas defendo que corresponderia, em teoria, a estratégia da Renamo para esta se lançar com tudo à exigência de uma fórmula parecida a um “Governo de Unidade Nacional. Parafraseando Dhlakama em Sandundjira: “ Se Guebuza terminar o mandato sem que sejam convocadas e realizadas eleições a Renamo vai exigir a Constituição de um governo de transição”.
A “Caixa da Pandora”
Maputo, Segunda-Feira, 15 de Julho de 2013
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Referi-me anteriormente que um dos pontos nevrálgicos dos impasses no presente diálogo entre o Governo e a Renamo assenta na diferença dos pressupostos que cada um dos lados toma para a solução das diferenças que os dividem. Dum lado, a Renamo que resgata o AGP e, do outro lado, o Governo que se baseia na Constituição e nas demais leis vigentes.
Tenho a percepção que para o Governo aceitar a reanimação do AGP como instrumento de diálogo é o mesmo que abrir a “Caixa de Pandora” que por consequência significaria criar um mal em cascata que não pode ser desfeito.
Na verdade, transparece nas declarações do Governo e da Frelimo que um dos temores da aceitação da exigência da Renamo sobre a paridade, nos moldes em que o assunto está sendo colocado é a fundação de precedentes a partir da reactivação implícita do AGP, cujas implicações seriam difíceis de gerir, sobretudo no que tange a outros pontos de agenda incluídos neste diálogo.
Portanto, mais do que quase que ficar gelatinoso face a exigência da Renamo, o Governo estará a recusar encaminhar a discussão com base no AGP. Quer isto dizer que o Governo está a olhar o puzzle de Sandjundjira e antevê que aceitar esta exigência será apenas o princípio da cascata que o leva a auto-destruição simbólica e das instituições como seja a Assembleia da República. É já sintomático que uma Lei aprovada na Assembleia da República esteja a ser discutida entre os dois contendores com a exclusão dum terceiro que participou activamente na sua produção e aprovação, em sede própria: o Parlamento.
Por via dessa lógia, o Governo poderá estar a olhar as brechas do puzzle de Sandjundjira e antever que o próximo assunto a ser trazido a mesa do diálogo na base do AGP vai ser o capítulo Forças de Defesa e Segurança, particularmente Forças Armadas , a PRM e a Força de Intervenção Rápida. É importante referir que a Renamo intencionalmente se refere a esse conjunto como forças da Frelimo e não do Estado moçambicano. Há basicamente três razões subjacentes nesta forma de classificar as FDS.
Em primeiro lugar serve para reiterar, falaciosamente, que a Frelimo tem o monopólio dos homens e mulheres que compõem estas corporações, em segundo lugar e, por consequência, induz que a Frelimo é também um partido armado. Por fim, a combinação do primeiro e segundo aspecto configuram uma posição que a Renamo espera levar a mesa do diálogo e justificar que o AGP não foi cumprido e que precisa de ser reexaminado neste aspecto.
Insistirá, previsivelmente que o AGP preconizava no protocolo IV sobre efectivos das FDAM que em cada um dos ramos seriam fornecidos pelas FADM e pelas forças da Renamo, na razão de 50 por cento para cada lado. O Governo recorrendo a Constituição recordará a caducidade do próprio AGP e que o recrutamento actual se baseia na Constituição que funda um exército apartidário, portanto do ESTADO. A seguir virá mais um impasse.
Chegado aqui, isto conduz-me a discussão sobre a questão militar.
Tenho a percepção que para o Governo aceitar a reanimação do AGP como instrumento de diálogo é o mesmo que abrir a “Caixa de Pandora” que por consequência significaria criar um mal em cascata que não pode ser desfeito.
Na verdade, transparece nas declarações do Governo e da Frelimo que um dos temores da aceitação da exigência da Renamo sobre a paridade, nos moldes em que o assunto está sendo colocado é a fundação de precedentes a partir da reactivação implícita do AGP, cujas implicações seriam difíceis de gerir, sobretudo no que tange a outros pontos de agenda incluídos neste diálogo.
Portanto, mais do que quase que ficar gelatinoso face a exigência da Renamo, o Governo estará a recusar encaminhar a discussão com base no AGP. Quer isto dizer que o Governo está a olhar o puzzle de Sandjundjira e antevê que aceitar esta exigência será apenas o princípio da cascata que o leva a auto-destruição simbólica e das instituições como seja a Assembleia da República. É já sintomático que uma Lei aprovada na Assembleia da República esteja a ser discutida entre os dois contendores com a exclusão dum terceiro que participou activamente na sua produção e aprovação, em sede própria: o Parlamento.
Por via dessa lógia, o Governo poderá estar a olhar as brechas do puzzle de Sandjundjira e antever que o próximo assunto a ser trazido a mesa do diálogo na base do AGP vai ser o capítulo Forças de Defesa e Segurança, particularmente Forças Armadas , a PRM e a Força de Intervenção Rápida. É importante referir que a Renamo intencionalmente se refere a esse conjunto como forças da Frelimo e não do Estado moçambicano. Há basicamente três razões subjacentes nesta forma de classificar as FDS.
Em primeiro lugar serve para reiterar, falaciosamente, que a Frelimo tem o monopólio dos homens e mulheres que compõem estas corporações, em segundo lugar e, por consequência, induz que a Frelimo é também um partido armado. Por fim, a combinação do primeiro e segundo aspecto configuram uma posição que a Renamo espera levar a mesa do diálogo e justificar que o AGP não foi cumprido e que precisa de ser reexaminado neste aspecto.
Insistirá, previsivelmente que o AGP preconizava no protocolo IV sobre efectivos das FDAM que em cada um dos ramos seriam fornecidos pelas FADM e pelas forças da Renamo, na razão de 50 por cento para cada lado. O Governo recorrendo a Constituição recordará a caducidade do próprio AGP e que o recrutamento actual se baseia na Constituição que funda um exército apartidário, portanto do ESTADO. A seguir virá mais um impasse.
Chegado aqui, isto conduz-me a discussão sobre a questão militar.
A situação militar
Maputo, Segunda-Feira, 15 de Julho de 2013
Notícias
Gerou alguma surpresa o anúncio do Governo na sétima ronda de diálogo com a Renamo, segundo o qual colocava, uma pré-condição, designadamente que a Renamo devia desmilitariza-se. Depreende-se, por especulação, que o Governo respondia deste modo a pressão do ambiente político-social e a sua irritação e indignação na sequência dos ataques da Renamo a Muxungué, a civis na Estrada Nacional Número Um e ao assalto ao paiol em Savane.
Portanto, não foi o fim pretendido que surpreendeu ou continua a surpreender. O que deixou perplexas as pessoas foi a forma insonsa e pouco realística como foi ou está sendo colocada esta demanda à Renamo.
Vamos por partes:
A Renamo mantém há vinte anos, homens armados na mata, alegadamente para proteger os seus altos dirigentes. A Renamo mantém há vinte anos pequenos e conhecidos nichos territoriais de homens e material bélico sob tolerância do Governo.
Por tudo isso, tem sido escrito de forma recorrente que a Renamo não conseguiu fazer a metamorfose de movimento armado para partido político. As sistemáticas ameaças do uso desses homens armados em situações de discórdia com o Governo foram sendo proferidas em quase duas décadas por Afonso Dhlakama e seus partidários com maior intensidade nos últimos cinco anos.
Por conseguinte, pairou um vazio na declaração do Governo. Como é que espera que a Renamo se desmilitarize, ela própria, eliminando assim o seu único meio e razão existencial e seu instrumento negocial de força? Não se trata de concordar-se ou não, gostar-se ou não. Trata-se de olhar a complexidade do problema e engendrar soluções realísticas.
Interessante é analisar nas entrelinhas das declarações de Dhlakama a partir das vésperas do seu “asilo” em Sandundjira em 15 de Outubro do ano passado. Em resumo Dhlakama atribui as suas acções militares à pressão que diz sofrer dos militares de alta patente da Renamo revelador, por hipótese, que em medida, ele próprio pode ser parcialmente refém dos militares que objectivamente neste momento controlam a Renamo em detrimento dos políticos civis.
Por estas e outras razões constrói-se um consenso no ambiente social e político de que a Renamo deve ser desmilitarizada, o que é profundamente diferente de exigir que de livre e espontânea vontade, se desmilitarize. E aqui uma vez mais a questão se mantém: como?
Há varias vários cenários, dois dos quais, mais prováveis. O primeiro é uma acção militar do Governo. Esta é a menos desejada pela generalidade dos cidadãos, não só por significar o reinício da guerra, mas sobretudo por não parecer realística no estágio actual do país.
Não obstante, é provavelmente um cenário que agradaria as elites militares por significar uma janela de oportunidade do regresso tímido ao protagonismo que o Poder constrói, reduzidos a que estão a cerimónias simbólicas na Praça dos Heróis em dias comemorativos, próprio duma situação de Paz e democracia.
O segundo cenário empacota as concepções, segundo as quais o problema dos homens armados da Renamo e suas elites transcende uma solução interna. Ou seja, Dhlakama é incapaz de desmilitarizar-se e não lhe convém fazê-lo fora de uma intervenção do Estado que deveria criar garantias e condições de acomodação sobretudo das elites militares da Renamo.
Resumindo, os homens armados de Dhlakama e a retomada do controlo da Renamo pelos militares, servem como acção instrumental de pressão para a materialização da estratégia sobre a qual me referi na parte introdutório deste artigo: activar o Acordo de Roma por via de processos ardilosos e dilatórios na mesa do diálogo na sala de conferências Joaquim Chissano, exigindo coisas que a priori sabe que o Governo não pode dar devido ao seu pressuposto de defesa constitucional e demais leis vigentes.
Por fim, tendo como vantagem o factor tempo, que o governo não, a Renamo nada tem a perder. Na pior das hipóteses, face aos impasses e a um governo “fora do prazo”, espera hastear a bandeira de um GUN e todas as repercussões que eventualmente produziria a seu favor.
Por tudo isso, tenho dificuldades em acreditar que o puzzle do diálogo e os dilemas de Sandjundjira se resumam simplificadamente a termos como “arrogantes ou bandidos”.
Portanto, não foi o fim pretendido que surpreendeu ou continua a surpreender. O que deixou perplexas as pessoas foi a forma insonsa e pouco realística como foi ou está sendo colocada esta demanda à Renamo.
Vamos por partes:
A Renamo mantém há vinte anos, homens armados na mata, alegadamente para proteger os seus altos dirigentes. A Renamo mantém há vinte anos pequenos e conhecidos nichos territoriais de homens e material bélico sob tolerância do Governo.
Por tudo isso, tem sido escrito de forma recorrente que a Renamo não conseguiu fazer a metamorfose de movimento armado para partido político. As sistemáticas ameaças do uso desses homens armados em situações de discórdia com o Governo foram sendo proferidas em quase duas décadas por Afonso Dhlakama e seus partidários com maior intensidade nos últimos cinco anos.
Por conseguinte, pairou um vazio na declaração do Governo. Como é que espera que a Renamo se desmilitarize, ela própria, eliminando assim o seu único meio e razão existencial e seu instrumento negocial de força? Não se trata de concordar-se ou não, gostar-se ou não. Trata-se de olhar a complexidade do problema e engendrar soluções realísticas.
Interessante é analisar nas entrelinhas das declarações de Dhlakama a partir das vésperas do seu “asilo” em Sandundjira em 15 de Outubro do ano passado. Em resumo Dhlakama atribui as suas acções militares à pressão que diz sofrer dos militares de alta patente da Renamo revelador, por hipótese, que em medida, ele próprio pode ser parcialmente refém dos militares que objectivamente neste momento controlam a Renamo em detrimento dos políticos civis.
Por estas e outras razões constrói-se um consenso no ambiente social e político de que a Renamo deve ser desmilitarizada, o que é profundamente diferente de exigir que de livre e espontânea vontade, se desmilitarize. E aqui uma vez mais a questão se mantém: como?
Há varias vários cenários, dois dos quais, mais prováveis. O primeiro é uma acção militar do Governo. Esta é a menos desejada pela generalidade dos cidadãos, não só por significar o reinício da guerra, mas sobretudo por não parecer realística no estágio actual do país.
Não obstante, é provavelmente um cenário que agradaria as elites militares por significar uma janela de oportunidade do regresso tímido ao protagonismo que o Poder constrói, reduzidos a que estão a cerimónias simbólicas na Praça dos Heróis em dias comemorativos, próprio duma situação de Paz e democracia.
O segundo cenário empacota as concepções, segundo as quais o problema dos homens armados da Renamo e suas elites transcende uma solução interna. Ou seja, Dhlakama é incapaz de desmilitarizar-se e não lhe convém fazê-lo fora de uma intervenção do Estado que deveria criar garantias e condições de acomodação sobretudo das elites militares da Renamo.
Resumindo, os homens armados de Dhlakama e a retomada do controlo da Renamo pelos militares, servem como acção instrumental de pressão para a materialização da estratégia sobre a qual me referi na parte introdutório deste artigo: activar o Acordo de Roma por via de processos ardilosos e dilatórios na mesa do diálogo na sala de conferências Joaquim Chissano, exigindo coisas que a priori sabe que o Governo não pode dar devido ao seu pressuposto de defesa constitucional e demais leis vigentes.
Por fim, tendo como vantagem o factor tempo, que o governo não, a Renamo nada tem a perder. Na pior das hipóteses, face aos impasses e a um governo “fora do prazo”, espera hastear a bandeira de um GUN e todas as repercussões que eventualmente produziria a seu favor.
Por tudo isso, tenho dificuldades em acreditar que o puzzle do diálogo e os dilemas de Sandjundjira se resumam simplificadamente a termos como “arrogantes ou bandidos”.
- Rogério Sitoe
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