Sadjundjira, onde as aulas continuam apesar da tensão militar
Cabelo em carapinha e empoeirado, Tonito Xavier, sete anos, carrega os seus livros numa pasta feita de saco de ráfia, enquanto se despede dos colegas de turma em Sadjundjira, em Moçambique, uma zona de “tensão militar”. Aluno do terceiro ano na Escola Primária e Completa (EPC) de Vunduzi, distrito de Gorongosa, no centro de Moçambique, Tonito Xavier e seus colegas apresentam resultados superiores, em qualidade de leitura e escrita, vários alunos de escolas públicas de zonas urbanas, que enfrentam, por sua vez, outros problemas como a sobrelotação dos estabelecimentos. Para chegar a sala anexa da escola, feita de estacas e rebocada com argila, ele atravessa duas cancelas, uma controlada pelo exército governamental e outra por ex-guerrilheiros da oposição Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), que dividem a zona em dois.
“Eu sei ler, sei ler juro”, diz, confiante, o rapaz de sete anos, que repete as palavras entre minúsculos atropelos de pronúncia, que sugerem a pouca frequência do uso da língua portuguesa.“Leia e divulgue”, lê o rapaz sem gaguejar a frase escrita num antigo quadro colonial, para informação pública, agora usada pelos serviços de agricultura, para divulgar preços de produtos agrícolas, à escassos quilómetros do quartel-general da Renamo. Um estudo de 2007 do Consórcio da África Austral para a Monitoria da Qualidade de Ensino (SACMEQ, na sigla inglesa) indica que 74.6 por cento dos alunos que concluem o primeiro ciclo do ensino primário (5ª classe) em Moçambique apresentam grandes dificuldades na leitura de frases simples em português. “Reportagem” diz ainda Tonito Xavier, após aceitar o desafio de dividir em sílabas escritas o que estava escrito de numerosas viaturas de jornalistas, que aguardavam na penúltima cancela da Renamo, a ordem de autorização de entrada no perímetro do quartel, para a conferência de imprensa com o líder, Afonso Dhlakama.
“Realmente os alunos da escola de Vunduzi sabem ler e escrever, isso graças a dedicação do professor Albano. É uma escola que apostávamos, mas agora a situação esta complicada”, disse à Lusa Jacinta Santiago, diretora dos serviços distritais de Educação, Juventude e Tecnologia de Gorongosa.
Apesar da “turbulência militar”, a responsável congratula o “esforço desmedido” de alunos e professores, sobretudo em Sadjundjira, que entrou na história desde que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, reagrupou seus ex-guerrilheiros e se aquartelou nos finais do ano passado na região, para contestar a “arrogância do governo” e o “pacote eleitoral”. A zona é fortemente patrulhada pela Força de Intervenção Rápida (FIR), polícia antimotim, e o exército governamental, que divide espaço com a guarda militar de Afonso Dhlakama, alguns fardados com um caqui verde e outros disfarçados de camponeses na região.
“Naquela zona de influência pedagógica há um professor excecional e muito dedicado, por isso muitos alunos de classes iniciais sabem ler e escrever”, disse à Lusa Paulo Majacunene, administrador do distrito de Gorongosa. Segundo o censo de 2007, do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entre as crianças (5-9 anos), as proporções dos que falam português são muito menores do que entre os jovens e pessoas de meia idade. A proporção é mais baixa ainda entre a população adulta, devido ao facto de a sua maioria não ter tido uma educação formal, a principal fonte de aprendizagem do português.
“Também porque as aulas decorrem com toda tranquilidade, e alunos e professores se fazem presente nas escolas”, acrescentou Paulo Majacunene, que admite a fuga de alunos logo após a instalação do líder, devido a tensão na zona. Este ano, 40.530 alunos estão matriculados nas escolas do distrito de Gorongosa, mais 100 que em 2011, segundo dados dos serviços distritais de Educação, Juventude e Tecnologia local.
LUSA – 15.07.2013
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