50 anos depois já dá para perceber!
A União Africana vai comemorar os 50 anos da fundação da Organização da Unidade Africana no próximo sábado. Em todo o lado, vão-se multiplicar os esforços de mostrar tudo quanto falhou. Tem sido, infelizmente, sempre assim. Sem querer me junta...r a esse coro de vozes, há, contudo, um reparo que gostaria de fazer. O mais difícil de perceber nos muitos desaires sofridos pelos africanos rumo à sua emancipação total foi sempre a razão dos vários problemas enfrentados pelo continente. Porquê tanta instabilidade política? Porquê tamanha incapacidade de valorizar os recursos doados pela natureza? Porquê? Bom, graças ao nosso País, à Pérola do Índico, somos capazes de começar a ter respostas para estas questões. Aliás, uma resposta: a greve dos médicos. Sim, a greve dos médicos moçambicanos explica, ainda que tentativamente, os desaires sofridos pelo continente. Para esse efeito, temos que olhar para três coisas: responsabilidade política, expectativas irrealísticas, falso sentido de lealdade.
O protesto, num sistema político que respeita a dignidade humana, é algo legítimo. A greve pode ser ilegal – que os juristas discutam isso – e irresponsável, mas o protesto dos médicos não é. É legítimo. O que estranha nesta greve, contudo, é a ausência da discussão da questão de responsabilidade política. Houve uma primeira greve, fizeram-se negociações, chegou-se a acordo, passou algum tempo, e os médicos voltam a protestar. O que é que o governo não fez para voltarmos a estar nesta situação? Aqui coloco sobretudo a questão de saber o que o Ministro da Saúde – ou o seu Ministério – não fizeram. E esta é para mim a questão fundamental. Se o Ministro da Saúde não se demite – assumindo responsabilidade pelo que não foi feito – deve ser porque ele não vê nenhuma responsabilidade pessoal nisto. E se não é demitido há-de ser pelas mesmas razões. O Governo é uma coisa muito vaga. O Ministro não, sobretudo o Ministro da Saúde. Ele negociou com os médicos, ele é que tem a responsabilidade de garantir o financiamento dos serviços de saúde (ou então dizer que não faz a mínima ideia como isso pode ser feito, e ceder o lugar). A questão é: o que ele fez para garantir que o “Governo” cumprisse – se é que não cumpriu – com a sua parte? Alguém tem que assumir responsabilidade política por este desaire, tão simples quanto isso. Só que, lá está, o nosso sistema político não encoraja esta postura. O Ministro vai cumprir uma missão, não vai interpretar o manifesto eleitoral segundo a avaliação que ele faz da situação. Enquanto se mantiver este tipo de postura dificilmente iremos avante. Um sistema político que só responsabiliza entidades vagas e difusas, tipo “Governo” ou “Chefe de Estado”, está mal. Mal mesmo.
Todos queremos viver bem segundo critérios que variam de indivíduo para indivíduo. Em Moçambique, porém – e provávelmente em África – estes critérios não variam. Todos queremos viver bem à custa do Estado, por muito que reconheçamos que esse Estado não dispõe dos meios para tal. Esta é a atitude da Associação dos Médicos Moçambicanos e, por extensão, de quase todos nós. Claro, o facto de o Estado não dispôr dos meios para satisfazer certas exigências não implica que a gente tenha que se calar. Mas é isso mesmo. Paralisemos o País, mesmo que isso implique violar a ética profissional, mesmo que a satisfação das nossas exigências implique comprometer a viabilidade do Estado. O importante é sermos intransigentes nas nossas exigências, insistirmos em nós mesmo, só em nós, em mais ninguém, o resto ver-se-á mais adiante, se houver esse tal “adiante”. E como para tudo quanto é visto como afronta ao “Governo” há plateia sempre disposta a bater palmas ruidosamente, estilo celebração da vitória dum clube português, é como se alguém nos estivesse a dar corda para sermos intransigentes. Num sistema político onde as pessoas têm expectativas irrealísticas em relação a um Estado cuja debilidade eles próprios, se forem honestos, reconhecem, está mal. Mal mesmo.
Não somos todos da mesma opinião. A democracia permite a articulação dessa diversidade de opiniões como um direito. Pois. Só que o que algumas pessoas não percebem no nosso País é que a articulação de opinião se faz sob um pano de fundo normativo que exclui todo o indivíduo que não se identifica claramente com a importância da preservação da ordem política que celebra o direito à diferença. Quando um partido político utiliza a chantagem para lograr seus intentos estratégicos, quando gente armada que com ele se identifica ataca orgãos do Estado, o mínimo que se devia exigir de todo o indivíduo que defende o direito à diferença é que condenasse essa postura sem reservas, sem prejuízo da sua hostilidade ao “Governo”. É o mínimo. Igualmente, quando um grupo profissional que exige o que considera serem os seus direitos muito provavelmente viola a legalidade ou, o que não é menos grave, fica indiferente à sorte de quem jurou acudir, o mínimo que se devia esperar de quem reconhece o direito de protesto era que se indignasse perante tal postura. O facto de a (in)acção do governo puder ter conduzido os médicos ao desespero não justifica a natureza irresponsável da sua forma de protesto. Só que quem já esteve à mercê do pessoal de saúde em Moçambique sabe como uma boa parte desse pessoal lida com o público. Não é diferente da forma como uma boa parte da polícia lida com o público. Não é diferente de como o pessoal das repartições públicas lida connosco. Como é que gente assim vai ter o mínimo de consciência em relação ao que acontece às pessoas? Uma sociedade que não discute as questões políticas na base dum consenso normativo mínimo está mal. Muito mal.
Portanto, o protesto dos médicos está a servir para a gente (para mim, pelo menos) começar a perceber o que anda mal no nosso continente. Quando a irresponsabilidade política, expectativas irrealísticas e falso sentido de lealdade se cruzam, a mistura que daí resulta tem a tendência de ser explosiva. É mais ou menos o que tem acontecido ao longo dos últimos 50 anos. Já dá para perceber algumas coisas. Quem brinca com fogo costuma queimar-se só para mais tarde fingir que não tinha consciência do que estava a fazer.- Livre Pensador Sr. Professor, ai na Europa onde vive, consentiria a classe docente trabalhar com um estatuto organico redigido por um contabilista?
- Livre Pensador Sendo assim, nao ha diferenca entre o que se passa em Africa e o que se passa na Europa.
- Artur Jordao Mufume É complicado comentar algo que tem haver com greve ou tentativa da busca de algun direito que nao se esta cumprindo, mas em mocambuque muitas negociacoes sao feitas de portas fechafas e tudo resulta neste tipo de situacoes, em discuncao com a delegacao da renamo o governo disse que o que aconteceu e muxungwe so se podia resolver juridicamente e 2 dias pra o terceiro encontro PGR mandou solta los visto que existe alguem nos bastedores que guia o governo e destorce o mesmo assim irremos assistir outras situacoes caso dos medicos e outros desta feita mocambique cada vez mais fragel.
- Manecas Tiane ...TODOS RECEBERAM CRÍTICAS OFENSIVAS PELA SUA PARTE!
a) O Ministro Manguele;
b) A Associação Médica de Moçambique!
E para fechar, o Professor Elisio Macamo nao identifica algo estranho no que está a suceder, ou seja:
"Só que quem já esteve à mercê do pessoal de saúde em Moçambique sabe como uma boa parte desse pessoal lida com o público. Não é diferente da forma como uma boa parte da polícia lida com o público. Não é diferente de como o pessoal das repartições públicas lida connosco."
Temos aqui então um problema de sede estrutural, se entendi lá acima, passa por valorizar cada vez mais o sector primário e outras dádivas da natureza! Só? - Sérgio Chaúque ehheheh. uma análise interessante, sem tomar posição por nenhum dos lados, mas eu diria que os médicos e todos nós em moçambique, não temos o preparo necessário pra reclamarmos como deve ser os nossos direitos. a greve é um direito, isso é claro. agora o modo como a mesma é reinvindicada é que deixa a desejar. por esses tortusos caminhos vamos aprender. e não basta que mandem um tecnocráta pra a tv e falar como se as pessoas fossem números; é preciso ter-se uma dimensão humana dos factos sociais. as pessoas vinham calando e consentindo este estado de coisas, mas tarde ou cedo tinha que rebentar esta panela de alta pressão! ainda vem mais, aposto.
quarta-feira, 22 de maio de 2013
A propósito dos protestos dos médicos:
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