Edgar Kamikaze Barroso
SOBRE AS "PRESIDÊNCIAS ABERTAS" DE GUEBUZA - TORRAGEM DE DINHEIRO, PRÉ-CAMPANHA ELEITORAL E O POVO NA MESMA MERDA DE SEMPRE
Li ontem um post, aqui no Facebook, de um membro sénior do nosso Governo (o Vice-Ministro das Pescas, Gabriel Muthisse), onde de forma extensa defendia a continuidade das “presidências abertas” realizadas pelo Chefe de Estado, Armando Guebuza, um pouco por todo o país. Nele ...ele reconhece que, de facto, as reclamações de quase toda a opinião pública, segundo as quais estes eventos “têm sido basicamente gastos irresponsáveis de dinheiro que o país não tem” têm a sua razão de ser (esbanjamento do erário público em aluguer de helicópteros para o Chefe de Estado e toda a sua numerosa comitiva de acompanhamento, em alojamento e ajudas de custo, etc). Entretanto, ele mesmo assim coloca-se na defensiva e sustenta que as “presidências abertas” devem continuar por duas razões principais:
1. O Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) tem mesmo de ir aos distritos, por ser um imperativo de governação. Segundo ele, todos os dirigentes superiores de Estado devem “obrigatoriamente” interagir com os líderes e as povoações locais, visto que em Moçambique temos ainda fragilidades institucionais na circulação de informação e na canalização dos anseios do povo. Não há, segundo ele, energia eléctrica, jornais, rádios, televisão, telefones e internet nesses locais e a omnipresença do Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) justifica-se especialmente por isso. Só assim é que o Governo toma conhecimento das reais necessidades do povo.
2. As viagens tem de ser feitas exclusivamente de helicópteros, não de viaturas, bicicletas ou carroças de burros. Para o governante supracitado, tal facto justifica-se por Moçambique ser muito grande e o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) tem de fazer “economia de tempo”, visitando os distritos de helicóptero... Diz também que visitar os distritos, localidades e postos administrativos de helicóptero é mais barato do que usar todos os outros meios alternativos que o Estado tem ao seu dispor.
AS MINHAS QUESTÕES:
1. Será mesmo que é mais barato o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) visitar os distritos de helicóptero e não de viaturas? Podemos então saber primeiro quanto é que se gasta em aluguer de helicópteros (que não temos) e quanto é que se poderia gastar na realização dessas “presidências abertas” com viaturas (que o Estado possui, central e localmente)?
2. Se o motivo principal de realização dessas “presidências abertas” é o de conhecer a realidade local, monitorar a execução do plano económico-social e incluir os cidadãos na governação local, será mesmo pertinente que o Chefe de Estado se faça deslocar aos distritos com quase toda a sua “indústria governativa” (ministros, vice-ministros, directores nacionais, etc) e convidados especiais (assessores, diplomatas, batalhão de jornalistas)? Só para auscultar o povo e ver “in loco” as coisas a acontecerem? E porquê é que tais visitas, se são também para conhecer a realidade local, são feitas por via aérea e não por terra, onde o Chefe de Estado conheceria de facto como estão as vias de acesso às localidades, postos administrativos e demais aldeias recônditas do país? É mesmo sustentável, tendo em conta os nossos desafios e défices em termos orçamentais, movimentar este autêntico batalhão de elite (sem contar com as “brigadas de avanço” que também vão preparar o terreno político, logístico e de segurança antes do Chefe de Estado lá chegar)? Se o argumento central das “presidências abertas” sistemáticas é o de interagir directamente com o povo, eu acho que se poderia poupar mais nesses gastos públicos, potenciando-se mais os órgãos locais de governação. Afinal, para quê é que servem os governadores (e governos) provinciais e os administradores (e administrações) distritais?! Eles escutam menos o povo do que o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva)? O Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) tem muito maior sensibilidade aos problemas do povo do que os governantes locais?
3. Quais são os ganhos tangíveis de tais “presidências abertas”? O que é que o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) gastam com essas “presidências” e o que é que efectivamente o povo ganha? Se uma das justificações para a continuidade dessas “presidências abertas” é o facto de a comunicação entre os governantes locais e centrais ainda ser incipiente, o dinheiro que se gasta todos os anos alugando helicópteros, pagando hotéis, pensões e pousadas ou ajudas de custo à “brigada de elite” do Chefe de Estado não seria suficiente para colocar nesses locais energia eléctrica, rádios comunitárias ou antenas receptoras de televisão e de telefonia móvel?
COLOCANDO ALGUNS PONTOS DE ORDEM:
1. Eu acho muito estranho o facto de só agora um alto governante vir publicamente defender as “presidências abertas” de Guebuza, à quase um ano do fim do seu mandato e às portas de novas eleições no país. Numa altura que os níveis de impopularidade e de contestação do Governo de Guebuza têm estado a atingir dimensões recordes, vejo este exercício como uma tentativa antecipada de justificar o esbanjamento de dinheiro que, mais do que “monitorar os resultados da governação local e interagir com o maravilhoso povo”, será alocado mais para a pré-campanha do partido no poder tendo em vista os próximos eventos eleitorais deste e do próximo ano.
2. Essas “presidências abertas” não trazem benefícios tangíveis para o povo moçambicano, a não ser o reforço do poder político do regime no poder. Aliás, o Chefe de Estado não é nenhum Jesus Cristo. O que ele (e a sua comitiva) têm estado a fazer é turismo presidencial e o reforço institucional da sua máquina político-administrativa à nível local, custeados com os nossos impostos. Devemos todos nos insurgir contra o modo como aqueles que outrora se candidataram para serem os nossos mandatários estão a gerir o erário público. Da mesma forma que o Governo diz que “não há riqueza para distribuir no país”, é um facto indesmentível que também “não há dinheiro para esbanjar em Moçambique”. Onde andam os outrora propalados slogans como “contenção de custos”, “austeridade”, “cultura de trabalho”, “produção e produtividade” e balelas do género?
3. Se o próprio Chefe de Estado uma vez disse que “carvão e gás natural não se come”, é muito legítimo que hoje nós também digamos à ele e aos seus acólitos no Governo que “o povo não come os seus discursos”. Com efeito, estas visitas são mais “top-down”, onde a prestação de contas é vertical (feita pela administração local) e o Chefe de Estado nunca o faz, tanto para o povo como para a própria administração local.
4. O povo não quer apenas ser visitado pelo “filho mais iluminado do país” e se ficar por aí. Essas “presidências abertas”, ao invés de enriquecerem o povo só o empobrecem. Primeiro, as pessoas deixam de produzir para o seu sustento e vão ouvir o Chefe de Estado. Segundo, o Chefe de Estado aparece apenas a papaguear para o povo e este resume-se a escutá-lo, a bater palmas e, como se não bastasse, depois oferece-lhe galinhas e hortaliças...
5. Muitas das vezes, o Chefe de Estado é até enganado nessas “presidências abertas”. Os sítios onde ele visita são previamente limpos e ornamentados, as pessoas são previamente “convidadas” pelas estruturas locais a dar um testemunho maravilhoso das condições locais e a “área de alcance” do Chefe de Estado limita-se apenas ao que o seu Protocolo de Estado antecipadamente programa.
PS: Estava a ler há dias um estudo (publicado em Setembro de 2012) sobre o modelo de “presidência aberta e inclusiva” de Guebuza, realizado pela investigadora alemã Julia Leininger para o IESE, na qual ela afirmava categoricamente que tal modelo “contribui mais para a recentralização do Estado do que para o processo de descentralização. O presidente aparece como único interlocutor capaz de resolver os problemas da população, minando a autoridade da administração local”. Portanto, e pelo que se pode depreender aqui, o meu amigo Vice-Ministro das Pescas anda muito equivocado e está a prestar um mau serviço ao povo, mentindo descaradamente e tentando justificar o injustificável. Infelizmente.
Brazao Catopola, José Belmiro, Rui Lamarques, Egidio Guilherme Vaz Raposo, Gabriel Muthisse, Jornal AVerdade, Elisio Macamo, Quiteria Anicia Fernandes Guirengane, Mano Azagaia, Matias De Jesus Júnior.
Li ontem um post, aqui no Facebook, de um membro sénior do nosso Governo (o Vice-Ministro das Pescas, Gabriel Muthisse), onde de forma extensa defendia a continuidade das “presidências abertas” realizadas pelo Chefe de Estado, Armando Guebuza, um pouco por todo o país. Nele ...ele reconhece que, de facto, as reclamações de quase toda a opinião pública, segundo as quais estes eventos “têm sido basicamente gastos irresponsáveis de dinheiro que o país não tem” têm a sua razão de ser (esbanjamento do erário público em aluguer de helicópteros para o Chefe de Estado e toda a sua numerosa comitiva de acompanhamento, em alojamento e ajudas de custo, etc). Entretanto, ele mesmo assim coloca-se na defensiva e sustenta que as “presidências abertas” devem continuar por duas razões principais:
1. O Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) tem mesmo de ir aos distritos, por ser um imperativo de governação. Segundo ele, todos os dirigentes superiores de Estado devem “obrigatoriamente” interagir com os líderes e as povoações locais, visto que em Moçambique temos ainda fragilidades institucionais na circulação de informação e na canalização dos anseios do povo. Não há, segundo ele, energia eléctrica, jornais, rádios, televisão, telefones e internet nesses locais e a omnipresença do Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) justifica-se especialmente por isso. Só assim é que o Governo toma conhecimento das reais necessidades do povo.
2. As viagens tem de ser feitas exclusivamente de helicópteros, não de viaturas, bicicletas ou carroças de burros. Para o governante supracitado, tal facto justifica-se por Moçambique ser muito grande e o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) tem de fazer “economia de tempo”, visitando os distritos de helicóptero... Diz também que visitar os distritos, localidades e postos administrativos de helicóptero é mais barato do que usar todos os outros meios alternativos que o Estado tem ao seu dispor.
AS MINHAS QUESTÕES:
1. Será mesmo que é mais barato o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) visitar os distritos de helicóptero e não de viaturas? Podemos então saber primeiro quanto é que se gasta em aluguer de helicópteros (que não temos) e quanto é que se poderia gastar na realização dessas “presidências abertas” com viaturas (que o Estado possui, central e localmente)?
2. Se o motivo principal de realização dessas “presidências abertas” é o de conhecer a realidade local, monitorar a execução do plano económico-social e incluir os cidadãos na governação local, será mesmo pertinente que o Chefe de Estado se faça deslocar aos distritos com quase toda a sua “indústria governativa” (ministros, vice-ministros, directores nacionais, etc) e convidados especiais (assessores, diplomatas, batalhão de jornalistas)? Só para auscultar o povo e ver “in loco” as coisas a acontecerem? E porquê é que tais visitas, se são também para conhecer a realidade local, são feitas por via aérea e não por terra, onde o Chefe de Estado conheceria de facto como estão as vias de acesso às localidades, postos administrativos e demais aldeias recônditas do país? É mesmo sustentável, tendo em conta os nossos desafios e défices em termos orçamentais, movimentar este autêntico batalhão de elite (sem contar com as “brigadas de avanço” que também vão preparar o terreno político, logístico e de segurança antes do Chefe de Estado lá chegar)? Se o argumento central das “presidências abertas” sistemáticas é o de interagir directamente com o povo, eu acho que se poderia poupar mais nesses gastos públicos, potenciando-se mais os órgãos locais de governação. Afinal, para quê é que servem os governadores (e governos) provinciais e os administradores (e administrações) distritais?! Eles escutam menos o povo do que o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva)? O Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) tem muito maior sensibilidade aos problemas do povo do que os governantes locais?
3. Quais são os ganhos tangíveis de tais “presidências abertas”? O que é que o Chefe de Estado (e toda a sua comitiva) gastam com essas “presidências” e o que é que efectivamente o povo ganha? Se uma das justificações para a continuidade dessas “presidências abertas” é o facto de a comunicação entre os governantes locais e centrais ainda ser incipiente, o dinheiro que se gasta todos os anos alugando helicópteros, pagando hotéis, pensões e pousadas ou ajudas de custo à “brigada de elite” do Chefe de Estado não seria suficiente para colocar nesses locais energia eléctrica, rádios comunitárias ou antenas receptoras de televisão e de telefonia móvel?
COLOCANDO ALGUNS PONTOS DE ORDEM:
1. Eu acho muito estranho o facto de só agora um alto governante vir publicamente defender as “presidências abertas” de Guebuza, à quase um ano do fim do seu mandato e às portas de novas eleições no país. Numa altura que os níveis de impopularidade e de contestação do Governo de Guebuza têm estado a atingir dimensões recordes, vejo este exercício como uma tentativa antecipada de justificar o esbanjamento de dinheiro que, mais do que “monitorar os resultados da governação local e interagir com o maravilhoso povo”, será alocado mais para a pré-campanha do partido no poder tendo em vista os próximos eventos eleitorais deste e do próximo ano.
2. Essas “presidências abertas” não trazem benefícios tangíveis para o povo moçambicano, a não ser o reforço do poder político do regime no poder. Aliás, o Chefe de Estado não é nenhum Jesus Cristo. O que ele (e a sua comitiva) têm estado a fazer é turismo presidencial e o reforço institucional da sua máquina político-administrativa à nível local, custeados com os nossos impostos. Devemos todos nos insurgir contra o modo como aqueles que outrora se candidataram para serem os nossos mandatários estão a gerir o erário público. Da mesma forma que o Governo diz que “não há riqueza para distribuir no país”, é um facto indesmentível que também “não há dinheiro para esbanjar em Moçambique”. Onde andam os outrora propalados slogans como “contenção de custos”, “austeridade”, “cultura de trabalho”, “produção e produtividade” e balelas do género?
3. Se o próprio Chefe de Estado uma vez disse que “carvão e gás natural não se come”, é muito legítimo que hoje nós também digamos à ele e aos seus acólitos no Governo que “o povo não come os seus discursos”. Com efeito, estas visitas são mais “top-down”, onde a prestação de contas é vertical (feita pela administração local) e o Chefe de Estado nunca o faz, tanto para o povo como para a própria administração local.
4. O povo não quer apenas ser visitado pelo “filho mais iluminado do país” e se ficar por aí. Essas “presidências abertas”, ao invés de enriquecerem o povo só o empobrecem. Primeiro, as pessoas deixam de produzir para o seu sustento e vão ouvir o Chefe de Estado. Segundo, o Chefe de Estado aparece apenas a papaguear para o povo e este resume-se a escutá-lo, a bater palmas e, como se não bastasse, depois oferece-lhe galinhas e hortaliças...
5. Muitas das vezes, o Chefe de Estado é até enganado nessas “presidências abertas”. Os sítios onde ele visita são previamente limpos e ornamentados, as pessoas são previamente “convidadas” pelas estruturas locais a dar um testemunho maravilhoso das condições locais e a “área de alcance” do Chefe de Estado limita-se apenas ao que o seu Protocolo de Estado antecipadamente programa.
PS: Estava a ler há dias um estudo (publicado em Setembro de 2012) sobre o modelo de “presidência aberta e inclusiva” de Guebuza, realizado pela investigadora alemã Julia Leininger para o IESE, na qual ela afirmava categoricamente que tal modelo “contribui mais para a recentralização do Estado do que para o processo de descentralização. O presidente aparece como único interlocutor capaz de resolver os problemas da população, minando a autoridade da administração local”. Portanto, e pelo que se pode depreender aqui, o meu amigo Vice-Ministro das Pescas anda muito equivocado e está a prestar um mau serviço ao povo, mentindo descaradamente e tentando justificar o injustificável. Infelizmente.
Brazao Catopola, José Belmiro, Rui Lamarques, Egidio Guilherme Vaz Raposo, Gabriel Muthisse, Jornal AVerdade, Elisio Macamo, Quiteria Anicia Fernandes Guirengane, Mano Azagaia, Matias De Jesus Júnior.
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