Quando percebeu a investida do homem ela lembrou-se dos conselhos da mãe: Põe capulana filha. O teu corpo de mulher, minha filha, é como um país. Um país não deve andar de saia curta, a vulgarizar as suas riquezas, a expor as cicatrizes íntimas. Há estrangeiros sérios, que querem parcerias sérias, também há políticos sérios, mas se vêem um país assim, de saia curta, vão se aproveitar. ...Se todos os países tivessem mães que lhes aconselhassem nem haveria guerras neste mundo, garanto-te. Mas uma menina tem mãe para aconselhá-la. Põe capulana minha filha. Tapa as vergonhas. A honra de uma mulher é como a paz de um país. Deve ser bem guardada debaixo das saias.
– Hiii!!!
Com o grito espremido das vísceras, a menina retraiu o ventre em sobressalto. As duas mãos, com gestos gémeos, repeliram as intenções do homem. Uma no peito grisalho empurrou-o, enquanto a outra afastava a mão dele dali donde é fragil a paz da adolescência.
– Não tenhas medo – convencia o homem.
– Aqui é o futuro tio. Futuro não se chega hoje. Só amanhã. – Repetia de cor e salteado os conselhos maternos. – Minha mãe disse que aqui é a paz da mulher. A paz deve permanecer virgem.
Estavam deitados, pareciam duas linhas do horizonte sobrepostas. Uma em alvorada e a outra anoitecendo. Ele queria anoitecê-la. Ela queria amanhecer-se nele. Ele queria o escuro, o pecado, sexo. Ela queria a luz, as flores, as borboletas, beijinhos, como nas telenovelas.
O escuro entrava devagarinho pela janela. As bocas assobiavam uma na outra. Só ouviam a respiração um do outro. Nem a voz infantil da menina a chamá-lo “tio” lhe trouxe o pudor de ter idade para lhe ser avô.
– Hiii, tio..
– Fica calma, não vai doer.
– Hiii, tenho medo. Minha mãe disse que...
As portas e as janelas de uma mulher abrem-se com promessas. Acariciou-lhe as tranças do cabelo e prometeu:
– Vou te comprar extensões.
Ela sorriu receptiva. O rosto ganhou esplendor de pétalas. Era uma menina de muitos recursos naturais: no centro do corpo o volume do quadril, e a norte as manguinhas do peito, ainda que verdes, mas já comestíveis, aos olhos dele. Olhou para ela de cima para baixo, de baixo para cima contemplando as delicadezas realçadas nos trajes adolescentes. Sorveu o fio de baba que lhe escorria pelo canto do lábio. Deixou a mão seguir o percurso das vontades. Partiu do sul, subiu até o joelho. Devagarinho, ensinando a vontade a não ter pressa.
– Hiii, tio...
Fez outra promessa e ela mais receptiva. O corpo tem códicos complexos, precisa ser decifrado lentamente. A mão subia para baixo da saia curta. Começou a pôr-lhe legendas no corpo, desflorá-la das roupas. Passeava pelas localidades da cocha tenra, os planaltos do quadril farto, sem pressa. Contornou-lhe o Inchope. Passou pela Gorongosa traseira. A flora da penugem adolescente. O cheiro do mato. Chegou a Muxúngue. A situação em Muxúngue estava tensa, nervosa, ela não o deixou entrar, de joelhos colados um protegendo o outro.
– Minha mãe disse que aqui é a paz da mulher. A paz não deve sangrar.
– Calma. Não dói nada.
– No Muxúngue não tio.
Uma última promessa escancarou as licenças. Medo. Hesitação. O hímen. A dor. Gemidos. Depois gritos. Ai. Ui, devagar tio.
– Fica calma.
– Está a doer tio. Pára. Pára.
O coito é uma guerra entre corpos. O cio é um exército. O homem atacou-a grunhindo prazeres. Emboscou-a com braços e pernas. Investia com a bacia movimentos bélicos. Desatou aos tiros, tiros, tiros sobre ela. Desarmou-a. No fim gargalhou, arfando. Limpou o suor e o sangue no corpo, nas mãos, nas garras e nos dentes. Devolveu a AKM à braguilha e foi-se embora sem cumprir as promessas.
Desamparada e suja, o vento soprava-lhe à memoria os conselhos da mãe: O corpo é um país onde não há democracia minha filha. Por baixo das saias está a paz da mulher. Põe capulana filha. Soluçou prostrada. Um rio de arrependimento escorreu-lhe a face quando sentiu que o corpo assim caído e desonrado era um país no chão, estuprado, usado, a sangrar pelo Muxúngue. — with Edgar Kamikaze Barroso and 16 others.
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Milton Machel um texto legend que merece melhor imprensa, digo Expressao. Sabes do que estou a falar. Quando o li na terça-feira disse para mim mesmo: tenho inveja deste gajo!
Helder Faife Eh eh eh... Milton Machel
Thanks... A nossa conversa não termina aqui.
Rui Lamarques Helder Faife, você é um cabrão fodido.
Helder Faife Se não me tivesse o Rui Lamarques telefonado a sugerir que escrevesse... é uma longa história.
Thanks!
Silvio Eduardo Boas linhas. Gostei..
Mablinga Shikhani Milton Machel atenda ao telefone. Helder Faife só podia ser o Rui Lamarques a sugerir textos com sabor a maresia e semi depilados... E elogiar de forma sexualmente eloquente... Mas gostei do exercício..
Helder Faife Silvio Eduardo, Abraco!
Silvio Eduardo Outro meu irmão. Acho q este texto não devia estar só no FB.
Helder Faife Mablinga Shikhani, o Rui Lamarques não sugeriu este texto, sugeriu outros que adianto-te, já estão no prelo. Thanks!
Daniel Chicico PARABÉNS.
Helder Faife Daniel Chissico, o "MCELico", thanks!
Mablinga Shikhani Ok. Helder Faife defenda essa sua musa putibunda e despudorada... Acredito jå que mo diz...
Mablinga Shikhani O próprio Ma'dhyiana!!! Hehehe
Helder Faife Eh eh eh
Sonia Mboa parabens.
Amilcar Sueia um texto expressivo. Parabens.
Helder Faife Amiocar Sueia, abraço! Sonia Mboa beijinhos!!!
Rui Lamarques Mablinga Shikhani, vai dar uma curva laaaaaa looooooooooonge.
Sonia Mboa enviados de Deus nao estao so na igreja tenho eu um na minha gloriosa familia. kikikiki.
Ercílio Bechardas Já te disse, Hélder, pessoalmente, o que acho do que escreves. Tenho dois livros teus que li num ápice quando me chegaram ãs maos...rebusco-os como a necessidade de sentir o sol na pele quando, no verao, as nuvens teimam em esconde-lo...vasculho os jornais para matar o vicio com "aquela coluna". Agora, espero o próximo livro para manter a rotina de alimentar a alma sedenta do tempero que te brota do teclado (ou da esferográfica?). Abraco.
Helder Faife Ercílio Bechardas um abraço irmão... O próximo vem ai. Em menos de dois meses te-lo-as em mãos, autografado!!! Até logo eh eh eh.
Mablinga Shikhani Nas terras do meu amigo Slim Nigger aka Kid Pinóia Rui Lamarques?.
Rui Lamarques Tsc
Anibal Muendane Simplemente sublime.... foste feliz na anologia e acima de tudo conseguiste interpretar a promiscuidade em que vivemos... Parabens.
Helder Faife Anibal Muendane, thanks. Ouve lá, a banheira pa?
Jacinto Siqueira Tiro o Chapeu ( e rapo a barba tambem),
Acabei de ler uma obra d'arte...Parabens Helder.
Helder Faife Eh eh eh Jacinto.. thanks!! abraco
Anibal Muendane Epa esta lá quietinha hehehe.... vamos la ver se programamos alguma coisa. O ano esta a bazzar.
Nora Joaquim Aloi Mano Pepito Helder Faife filho de peixe sabe nadar :* cada palavra cada frase fez-m correr q nem a Lurdes Mutola que texto bem escrito e pensado. A arte vive em ti primoso.
Osório Ch muito bom. gostei.
Helder Faife Eh eh eh, prima, estas a revelar o nome lá de casa... eh eh eh
Thanks... beijinhos.
Anabela De Assunção Alexandre Fantastico!
Osório Ch Pepito?????!!!! O.o
Helder Faife Osório, eh eh eh.
Osório Ch hehheheheh... esse nome é engraçado, devias usar mais vezes hehehe.
Helder Faife é nome da infância... já cresci pa, eh eh eh.
Mablinga Shikhani "Once Pepito always a Pepito".
Osório Ch isso é tipo Johny Walker, "Once you go black you never go back."
Helder Faife Ah ah ah... "Once you go black you never go back"
Sonia Mboa ate agora so vejo aplausos. leve avante o papo d ontem. esta e mais uma prova.
Rogerio Aloi Pipas, espalhando o seu perfume com muita classe.
Aurélio Manuel Furdela Parece que estamos mesmo a precisar de umas boas saias para o pais, mano!
Inocencio Banze Belo pedaço de escrita...Parabéns mestre.
Helder Faife Eh eh eh... Muitas Furdela... muitas.
Inocencio Banze, um abraco!
Edgar Kamikaze Barroso Estupendo!!!
Jose Alexandre Faia Fantastico
Pedro Pereira Lopes Cá estamos, mais uma vez, diante de um texto fabuloso que satisfaz as estranhas entranhas do meu espírito leitor, lançar a língua para ler em pensamentos estas linhas é mais prazeroso do que percorrer lés-a-lés as sinuosas armadilhas dos meus manuais de políticas públicas e assuntos adjacentes. Cá estamos, de novo e novamente, diante do afro-sexismo (ou seria afro-erotismo) que noto estar a (re)nascer na verve da nova (jovem) literatura moçambicana (jus aos textos de Augusto De Almeida); entretanto o texto de Faife é particular, singular e universal, plural porque a facilidade de perceber o texto remete à dificuldade de não entendê-lo, pois, aqui o jogo da plurissignificação ou visibilidade das entrelinhas o(in)cultas, me faz acreditar na partilha dessa ‘peça’ afro-kamasutriana por várias correntes de apreciação-interrogação, o social ingênuo – que me diria disso a Chiziane – psico-sociologicamente corrompido pelos desafios presenteados pelo darwinismo, o político maquilhado de democracia vendida como peixe de barba, escorregadia para as nações africanas e, finalmente, pitadas solúveis de uma arte de guerra mesclada com um pragmatismo de relações internacionais (onde, por acaso, não existe nenhum win-win discourse). Enfim, não era para ser um longo comentário, mas o texto, além da sua beleza literária, é como aquele poema capturado sobre a capulana verde-amarela de Lemos, muito tem que ensinar. Observação: Coitada da miúda, aprendeu da pior forma possível que promessas não compram extensões!! Um abraço mano, espero por si lá no nosso canto.
Silvério Brago Parabéns mano... devo confessar que é por estes e outros textos no FB que regressei as leituras.... obrigados a todos que usam o FB para algo bom.
Juma Aiuba Com a devida vénia, permita-me partilhar.
2 comentários:
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