sexta-feira, 5 de abril de 2013

A semana ardente do Governo que só tem um plano A


 

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Tem sido uma semana daquelas, mau tempo e frio lá fora, ardente na política interna. E ainda não acabou, porque quando for publicado este texto pode já ter sido servido o prato principal: a decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento. Nestes breves dias, temos tido um retrato do que tem sido a vida de muitos, como num compacto de telenovelas. Falta emprego, dinheiro, bom senso e esperança: mas sobra animação. Não havendo pão, haja ao menos circo.
Não tendo sido um fiasco, a moção de censura do PS também não foi um êxito. A montante, a sua relevância foi esmagada pela entrevista de José Sócrates. A jusante, a espada de Dâmocles de um possível chumbo constitucional tem influenciado a vida política mais do que qualquer outra coisa. O PS (para o bem e para o mal) definiu-se: este Governo não contará mais com ele. O principal partido da Oposição defende, sem ambiguidades, a demissão do Executivo e a realização de eleições, esperando porventura que a Esquerda, por uma vez, consiga unir-se. Duvido. Sobre o assunto, impávido, o presidente disse ontem que o Governo "tem toda a legitimidade para governar".
O Governo, esse, anda abúlico e azoratado (descobri há poucos dias a palavra e não resisti a utilizá-la). E a demissão de Miguel Relvas importa sobretudo para o chefe do Executivo - o agora ex-ministro foi não só fidelíssimo como apoio que, mais até do que político, foi de afetos. E concentrou em si, qual saco de boxe, a pancada que de outra maneira atingiria o amigo.
Para ajudar à festa, as previsões que constam do Orçamento mostram-se a cada dia que passa mais esotéricas, como tantos e tantos advertiram. Ao fim de três meses de vida, o documento é já uma coisa estranha cheia de números entre o místico e lunático, pensada para um Portugal imaginário por um ministro das Finanças que se apresentou como salvador da pátria, percebendo-se agora que o que sonha verdadeiramente é salvar-se da pátria.
Voltemos ao princípio. Sobre a decisão do Tribunal Constitucional, o Governo e o PSD recorreram a tudo para, em desespero de causa, serem ouvidos nem que fosse por vias travessas ali para os lados do Palácio Ratton, onde aquela jurisdição tem a sua sede.
O chefe do Executivo afirmou que o Tribunal respondia pelas consequências daquilo que viesse a decidir e logo a seguir, dramaticamente, deixou pairar a hipótese da demissão. Uma responsável do PSD afirmou, sem medo das palavras, que o Tribunal estava vinculado ao memorando da troika, esquecendo, talvez, que este define obrigações de resultado e não, essencialmente, os meios para os alcançar; e também, já agora, que quando muito o memorando é um acordo internacional (mesmo isso é discutível), estando também ele sujeito a uma apreciação de conformidade constitucional. O líder parlamentar do PSD, em declarações infelicíssimas no tempo e no modo, até defendeu a extinção do Tribunal Constitucional: assim como quem não quer a coisa.
O Governo fez depois saber que não tinha plano B caso o Tribunal fosse "longe de mais" - seja lá o que isso for. Acreditava eu, tonto que sou, que um Governo que governe tem a obrigação de ter em carteira os planos que sejam necessários para fazer face a quaisquer circunstâncias, e, sobretudo, aquelas que sempre foi possível antecipar.
Afinal, o Executivo é praticante de roleta russa, dispõe-se a bater com a porta se algo ficar de fora do plano A.
Não sei o que o Tribunal Constitucional decidiu.
Chame-se, porém, a atenção para algo elementar. Na essência, discute-se se houve violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade. Deixe-se por isso em paz a desgraçada da Constituição: não houvesse Constituição escrita, e sempre o problema existiria, e sempre um tribunal decente teria de se pronunciar sobre o tópico. Porque, num Estado que seja de Direito, sempre os princípios da igualdade e da proporcionalidade terão vigência, aqui como alhures.
Só falta mesmo dar-se o passo seguinte. É dizerem-nos que "igualdade" e "proporcionalidade" são vícios de ricos, manias de sociedades que vivem na abundância e têm a arrogância de querer ser democráticas.

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