domingo, 4 de novembro de 2012

Mentalidade do Saguate e do Complexo Colonial

 

Coluna_manenoA propósito do atual servilismo em Moçambique surgiria este texto como um contributo para um estudo das origens desse fenómeno sociológico agora que “descobrimos” o gosto do MONEY… MONEY, não revolucionário.
É que ser revolucionário sem dinheiro parece que cansou muitos donos da verdade absoluta em Moçambique. Até se vendem órgãos humanos a custa de raptos e assassínios se for preciso. Mas, viajemos pelo espaço-tempo…
…Em inícios de 1833, o governador colonial de Lourenço Marques, o português Dionísio António Ribeiro “DUNISA” sofre o descontentamento do rei zulo, Dingane (irmão de Chaca já falecido). O motivo deve-se ao SAGUATE (presente-gorjeta) enviado de Lourenço Marques ter sido considerado muito pobre. Este facto, mais tarde seria fatal para o governador «Dunisa».
No seu relatório a Moçambique (ilha), então capital da colónia, o governador Dionísio comentava: -... «Os negros agora estão com olhos muito abertos e estavam acostumados à muita abundância que havia no tempo dos escravos; a resposta que eles dão é que a gente branca sempre tem dinheiro e que não lhe querem dar»... (in Santana, Documentação I, p. 209, A.H.U, Lisboa).
Pois é... Foi esta mentalidade do SAGUATE que envenenou África. Daí o complexo colonial de inferioridade de que o dito «branco» tem muito dinheiro e tem de o dar se estiver na nossa Terra. Não precisamos de trabalhar.
É a mentalidade do dinheiro fácil e rápido e sem esforço. E quem queira trabalhar com dignidade e ganhar a vida, sofre a inveja, derivada do complexo colonial.
Painel_craveirinhaImagem inédita - detalhe da maquete original de João Craveirinha do Mural da Praça dos Heróis de Maputo de sua autoria, 1979-2000. Período colonial português em Moçambique: 1500-1964
Em lugares como Moçambique, o cidadão moçambicano, com capacidade de nível comprovado em obras realizadas terá de enfrentar na sociedade (até na família muitas vezes), a incompreensão, o não reconhecimento de suas obras, numa espécie de tentativa de castramento intelectual das suas potencialidades devido ao complexo colonial herdado, e ainda latente nas mentes de muitos. E se for mulher...
É ainda pior. Sofre preconceito duplo ou triplo a começar na família, na rua e no emprego.
Trabalha – se...trabalha-se. O dinheiro não aparece fácil e rápido. Há descontentamento no lar e socialmente surge o desprezo pelo indivíduo. Parece um esforço inútil.
Ao visado(a), somente lhe restarão duas opções: - 1ª Deixar-se deprimir e resignar-se contraindo uma úlcera nervosa no duodeno e esperar morrer de frustração ou, a 2ª opção – Resistir, remar contra as marés uma vida inteira ou prosseguindo no estrangeiro o desenvolvimento da sua vocação (in) nata, de forma que um dia, no seu País de origem venha o reconhecimento desse talento, porque o reconhecimento do seu valor, veio do estrangeiro. Nos lugares como Moçambique «aos Santos da Casa ainda não são reconhecidos nem permitidos os milagres».
Temos o exemplo da campeã Maria de Lurdes MUTOLA.
Quando (na altura), o seu treinador Stélio Craveirinha andava por Roma e Pavia, a pedir apoios para a sua potencial campeã, nada surgia. As empresas não lhe deram o devido valor. Quem era o Stélio? Quem era a Mutola? Simplesmente não eram ninguém, na ótica complexada dos executivos das empresas moçambicanas.
Hoje é só ver as empresas, patrocinadores, publicidade, atrás da Lurdes MUTOLA. O Stélio Craveirinha «esse coitado» (que não é coitado) ainda não é visto como alguém devidamente, apesar das obras feitas e comprovadas no meio desportivo em Moçambique e a nível internacional.
O seu salário mal dá para comprar o pão diário. Parece a cantiga do angolano Paulo Flores – “Vizinha Mana Chiquita... assim não dá”...
Mas bem, como o treinador Stélio até é bom dançarino irá no balanço porque tristezas não pagam dívidas, e elas até devem ser muitas... Mas voltando ao fio da meada…
…Em 23 de Janeiro de 1937, no Hotel Trocadero na antiga Gold Coast (Ghana), cidade de Accra, o nigeriano Nnamdi AZIKIWE, pai do nacionalismo africano moderno prefaciava o seu livro RENASCENT AFRICA (África Renascente).
No seu livro, Azikiwe, entre outros pensamentos afirma que: - «The black man enemy is the black man». (O inimigo do homem negro é o homem negro).
Provavelmente, N. Azikiwe queria dizer que a inveja e o complexo colonial é que empobrecem o africano impedindo-o de avançar. Isto foi escrito na década de 1930 do século XX. Mas nos parece tão atual. Muitos de nós, africanos, não queremos ver os nossos patrícios brilhar com o seu valor. Se eu não sou capaz então tu não és capaz. Se eu desconheço, é porque não existe. Só é valorizado se o reconhecimento vier de fora, do estrangeiro. Será o raciocínio de alguém sem talento ou horizonte, que vive da intriga, da preguiça e da mesquinhez ou até do roubo e de mandar matar gente. O mais grave ainda é quando entram para a política partidária e em nome do País aceitam ser subornados vendendo o País a quem dá mais. É triste esta nossa sina africana! [Recuperado de texto de JK de 5 Março 2004 – Sexta-feira].■
O autor Johnny Diaz Mpfumo Kraveirinya [aliás João Craveirinha - 1947] é formado em Ciências da Cultura e Comunicação pela Universidade de Lisboa (antiga Clássica). Área afim à Sociologia da Cultura. Em fase de defesa de tese de obtenção do grau de PhD
O AUTARCA – 23.05.2012

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