sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Quem g. buza abusa


Quem g. buza abusa

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Linha de Borrasca

· por Fernando Manuel




Brilhante e desempoeirada a forma como o cidadão Armando Emílio Guebuza se assume, publicamente. A forma como encarou a polémica questão de se ser ou não rico, em entrevista ao Domingo, na sua última edição, vem como uma lufada de ar fresco numa cela prisional em Montepuez: “nós temos de ter a

certeza que somos capazes de deixar de ser pobres” disse o homem que há escassos anos atrás lança-se à luta com meia dúzia de badamecos e hoje repousa sobre um verdadeiro império económico: “podemos, merecemos e somos capazes de ficar ricos”.

É pena a Providência ser de tão proverbial avareza, pois, como se sabe, ela nunca dá tudo. Se a Guebuza deu esta desenvoltura gestual, negou-lhe todavia a loquacidade.

Na verdade, Armando Emílio cultiva - deliberadamente, está mais que visto - um laconismo tão cerrado que faria inveja aos próprios estafetas de Cipiao, o Africano. Por via disso, ficamos a saber que o homem é rico, mas sobre como é que ficou, nyeto!

Mas, como, por natureza, o pobre é invejoso - segundo Guebuza - e o invejoso é curioso, por mor de garantir o stock de veneno com que arma a sua língua, completemos o raciocínio do entrevistado, recorrendo aos dados que temos à mão.

Merecemos ser ricos, portanto, mesmo que nisso não tenhamos a mão, é implícita a nossa solidariedade para quem recorra, por exemplo, a mega-fraudes em bancos para encurtar o caminho entre a pobreza e a riqueza. E que, por isso, em se sentindo, nessa senda, perseguido por um dobberman metido a jornalista, que se o abata com um tiro nos cornos.

O mesmo com economistas: sejam eles competentes ou não, sejam ou não movidos por altos desígnios patrióticos, tenham ou não mulher e filhos, em não havendo arma de fogo por perto, que se recorra à defenestração. Trata-se de um método cuja eficiência foi provada ainda nos tempos em que em Praga viviam reis.

Podemos ser ricos; dizer isto, aliás, soa a redundância: imaginemos que somos moradores da casa grande que alberga o Conselho de Administração - ou vivemos nos seus arredores, simplesmente - de uma grande empresa de seguros e temos 43 imóveis à disposição. Neste momento de geral crise e fazer de malas para aguardar os acontecimentos junto ao portão de saída, haverá algo de mais natural que vender esses imóveis a má fila, na calada do dia para reforçar o doméstico pé de meia para enfrentar o inverno com segurança e conforto?

Somos capazes de ser ricos: oh, se somos, kamba! Se somos! De uma olhadela a AICAJU, kamba, as fábricas de óleo alimentar, os fundos da desminagem, doações, empréstimos, consignações, assignações, o duro combate contra as pandemias nas salas e quartos vips e climatizados de hotéis seven star…

Mas, não matemos o pai da criança: Guebuza explica, sem rebuços: “todo o ciclo de roubo tem a ver, em primeiro lugar, com a luta contra a pobreza”.

Nem a água de Catandica, em Manica, soa tão fresca. Sequer e tão transparente.

Rodapé a propósito da diferença de níveis de percepção da realidade: a multimilenar sabedoria mongol, que

interage com os povos da África Oriental desde o século IX DC, ensina que o pessimista só é diferente do optimista na medida em que o pessimista não passa de um optimista bem informado.

Não tem, portanto, nada a ver com o ter ou não pinta para o que quer que seja.

A elite questionadora de Tete tem um espinho atravessado na garganta: porque é que em toda a biografia do Guebuza, Sergio Vieira nunca aparece, nem como mera e passageira menção ?

Sendo Vieira e Guebuza o que são na História da Frelimo - que já tem mais de 40 anos - não é crível que os dois nunca se tenham descruzado ou cruzado nos caminhos dessa mesma História, e que isso tenha, de

alguma forma, marcado cada um deles à sua maneira.

A terra por quem Guebuza nutre tal paixão será, para o Vieira, um pântano de areias movediças?

Alivie os tetentes do peso desta dúvida, Dr. Renato!

MEDIA FAX – 30.11.2004

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