Para mim, cada acordo que se assinou, a partir do de Lusaka com os portugueses, representou um passo rumo à paz. Moçambique deve ser dos países africanos que mais sofreu com a guerra. Os ressentimentos, a desconfiança e as desuniões que essa guerra criou não podiam desaparecer num único dia. Não há, todavia, que negar que cada um desses acordos salvou vidas. E resultaram da entrega sincera de muitas pessoas que se engajaram na procura do fim da guerra.
Peguemos por exemplo, os acordos de paz de 1992. Esses acordos foram assinados num contexto de enorme polarização política. A partir dos meados da década 80 o país estava paralisado em todos os sentidos. A mortandade grassava do Rovuma ao Maputo. A desconfiança era total. Falar em negociar com a Renamo equivalia a um crime de traição. Entretanto, quase todos os dias, camiões passavam pela Av. 24 de Julho ou pela Av. Eduardo Mondlane carregando corpos estropiados ou mortos, rumo ao hospital central. Não se podia sair 10 km fora das cidades...
Foi necessário muita coragem de parte dos pastores, dos bispos e, principalmente, do Presidente Chissano, para encetar os primeiros passos e falar com a Renamo. O Bispo D. Jaime conta que, quando se foi encontrar com Dlhakama na Gorongosa, não sabia se não seria detido "quando regressasse ao país".
Numa acção pedagógica sem igual, o Presidente Chissano teve de convencer o seu bureaux político, o seu governo, o SNASP, o exército... que era preciso falar com a Renamo. Teve, adicionalmente, de convencer o povo que a propaganda e os massacres haviam ensinado a ver a Renamo como simples bandidos, de que o fim da guerra implicava falar com a Renamo. Olhando o contexto retrospectivamente, não tenho dúvida das angústias e das hesitações porque terá passado o Presidente Chissano. E das incompreensões, também.
Eventualmente assinaram-se os Acordo de Roma. Quantas vidas foram salvas por este acordo?
Para mim, cada um destes acordos não nega o outro. Complementa-o. Cada um deles é um tijolo importante na construção da confiança. Dela nascerá uma tolerância cada vez maior. E dessa confiança esqueceremos os ressentimentos e tudo o que nos divide.
Desde 1992 há menos guerra em Moçambique. Aprendemos a viver juntos. O povo assumiu a cultura de paz. E pressiona para que não haja guerra. Talvez seja por isso que os conflitos subsequentes, de 2013 e de 2016, não se generalizaram. Permaneceram, no geral, relativamente contidos. Desde 1992 ha, nas nossas famílias, abertamente, gente da Renamo e da FRELIMO. Já não é crime convivermos.
Oxalá se assinassem mais acordos que, cada dia, reduzissem a conflitualidade. Porque a paz implica acordos, implícitos ou explícitos. Sobre economia. Sobre governação. Sobre distribuição sectorial ou territorial de orçamentos. Sobre relações religiosos. Sobre equilíbrio no acesso ao poder. Sobre... acordos todos os dias e todos os minutos
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