Por Sousa Jamba*
Estou muito ansioso quanto ao futuro de Moçambique, país que conheço bem e que muito amo. O último acordo de paz entre o Presidente Filipe Nyusi e Ossufo Momade, líder da Renamo, maior entidade da oposição, como alguns previam, fracassou. Há uma facção armada da Renamo que não reconhece nem o líder da ala política, nem os próprios acordos. A partir do centro do país, do parque da Gorongosa, os líderes militares estão a ameaçar retornar à guerra; a sua retórica, cada vez mais belicista, é de mau agouro para o futuro daquele país do Índico, cujo potencial é imenso.
A União Africana, assim como a SADC, têm vários órgãos para a manutenção da paz e prevenção de conflitos. Suspeito que em Gaberone, sede da SADC, e Addis Abeba, sede da União Africana, deve haver muitos escritórios e oficiais a correrem de reunião em reunião e de jantares em jantares com calhamaços de relatórios sobre como evitar conflitos, etc. Ao fim do dia, os esforços de todos vão dar em nada. Moçambique precisa urgentemente de um mediador sério. A Renamo pediu que o Rwanda faça este papel. Duvido que Paul Kagame, com as suas inúmeras makas — incluindo com os vizinhos — tenha tempo para sondar profundamente o conflito moçambicano. Um órgão internacional com medianeiros sérios seria o ideal.
A primeira missão dos medianeiros seria a de ajudar a moderar a retórica altamente agressiva da junta militar da Renamo. Vi imagens dos seguidores dos líderes desta junta; muitos são jovens nascidos depois dos primeiros acordos entre a Renamo e o Governo organizados pela Comunidade de Santo Egídio, da Igreja Católica. A figura que a junta militar escolheu como líder, o major general Mariano Nhongo, parece ser alguém altamente tratável, que já participou em várias iniciativas no passado para assegurar a paz no país. A figura que me parece ser mais complicada é a de André Matsangaissa, sobrinho do primeiro líder da Renamo, falecido em 1979, dois anos depois do início da luta de guerrilha. O jovem Matsangaissa parece estar muito amargo e pronto para uma outra guerra. Isto não é um problema interno da Renamo — todo o mundo deveria ajudar aquela organização a empenhar-se completamente no processo democrático. O triunfalismo de certos sectores da Frelimo também não tem ajudado.
Muitos estão a atribuir a cisão dentro da Renamo a factores étnicos: alguns ndaus, aparentemente, sentem que Ossufo Momade, eleito presidente do partido depois da morte de Afonso Dhlakama em 2018, que pertence à etnia macua, não merece ser líder. Podemos desprezar a junta militar da Renamo, como sendo um punhado de tribalistas descontentes, não capazes de lidar com o jogo democrático. A verdade é que tribalistas descontentes, altamente motivados, e bem armados podem causar estragos incalculáveis. Os medianeiros vão ter que saber exactamente o que é que a junta quer; as posições inabaláveis, sobretudo por aqueles que sentem que têm a legitimidade por ser o Estado, muitas vezes resultam em conflagrações. O bom senso terá sempre que prevalecer.
Tudo tem que ser feito para a Junta Militar da Renamo continuar a ter acesso à imprensa moçambicana e outras instituições. Há vezes que os desabafos ao resto da nação podem esvaziar os instintos bélicos. O diálogo e o urbanismo entre todas as partes interessadas deve ser encorajado. Os países da SADC, por exemplo, deveriam, até, organizar um encontro com a Junta Militar. Mariano Nhongo, líder da Junta Militar, devia ser recebido em vários países africanos.
Da mesma forma como as calamidades em Moçambique foram vistas como algo que necessitou da intervenção de vários países, a ameaça à paz em Moçambique deve também ser vista como uma crise continental. Isto significa que as iniciativas para sustentar a paz devem ser seguidas por todo o mundo. Nos anos 1980, havia a tese, em muitos círculos, que o conflito moçambicano era o resultado de factores externos: a minoria branca na Rodésia, portugueses da direita insatisfeitos com a Frelimo, que era comunista, e, eventualmente, o regime do apartheid na África do Sul.
A verdade é que o conflito em Moçambique, como em vários outros casos, é principalmente motivado por factores internos. Medidas para descentralizar o processo de governação naquele país são sempre bem vindas — e devem ser encorajadas. A corrupção e falta de transparência também resultam em assimetrias regionais que dão lugar a insurreições fora dos processos democráticos. Todo o mundo está com os olhos postos na indústria nascente do gás em Moçambique. Seria bom se o Governo moçambicano tivesse uma estratégia séria para dar fé a toda a Nação, que a vida vai melhorar. Aqueles jovens com as suas AK47 atrás do André Matsangaissa deveriam estar a ser preparados para trabalharem nas futuras indústrias do país.
* Escritor e jornalista angolano. Texto publicado com anuência do mesmo, após pedido expresso pelo Moz24h
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