Os casacos e as camisas sujas das eleições autárquicas
Existe uma expressão da política americana, que é o efeito “rabo de casaco” (“coattail effect”, em inglês), que é a capacidade de um líder popular atrair votos para si e para outros candidatos do seu partido numa eleição. Esse líder pode ser do partido, um candidato presidencial ou para a chefia do executivo vitorioso e que com isso cria uma onda eleitoral favorável aos membros do seu partido que concorrem às eleições legislativas. O efeito também se aplica a fortes candidatos em eleições legislativas. Por exemplo, em sistemas eleitorais como o brasileiro, que é de representação proporcional, mas que permite que se vote directamente no deputado e na legenda partidária, candidatos populares como o Tiririca, por exemplo, além de atingirem o quociente eleitoral que lhes garante o assento parlamentar, os votos excedentes da sua substancial votação revertem para a legenda em que estão inscritos e permitem eleger outros deputados. Portanto, permite que outros “apanhem boleia” no seu rabo de casaco.
Os resultados preliminares das eleições autárquicas moçambicanas sugerem que há um efeito “rabo de casaco” reverso. O Marcelo Mosse já o identificou como efeito “camisa suja”, tomando como exemplo Nampula e Quelimane, onde o voto contra a Frelimo, por conta do descontentamento com este partido, argumenta, pode estar a ser determinante para a possível perda do “glorioso” nestes municípios. A hipótese que gostaria aqui de avançar, é de que o efeito camisa suja/rabo de casaco reverso (ou sujo) tenderá a ser mais frequente no actual modelo de eleições locais – agora autárquicas e posteriormente provinciais – adoptado na última revisão do pacote de descentralização.
Esta solução, bastante contestada por vários quadrantes que estiveram fora do pacto bipartidário (Frelimo-Renamo) que “fechou” a eliminação da eleição directa dos presidentes do Conselho Municipal, dentre os quais partidos e organizações da sociedade civil e cidadãos no geral, criou um modelo de eleição que aumentou o poder dos partidos e o seu controlo dos candidatos aos órgãos das autarquias locais. Este modelo foi viabilizado por conveniente argumentação jurídica, que justificou à não necessidade de se fazer o referendo alegando que os fundamentos do direito constitucional ao sufrágio universal haviam sido preservados. Há que se parabenizar a engenhosidade das “partidocracias” do pacto bipartidário na viabilização do seu interesse premente: o de exercer o controlo centralista sobre o projecto de partilha de poder transvestido de descentralização.
No entanto, esta solução vem com um preço. Quando a popularidade de um partido é baixa, o efeito poderá ser devastador, mesmo que o cabeça de lista seja popular ou tenha tido um bom desempenho, sendo incumbente (do governo cessante). No meu entender, o modelo anterior, de separação das eleições para o Executivo e o Legislativo municipais, tinha maior potencial de proteger o candidato ou o partido caso qualquer um dos dois fosse impopular. Esta salvaguarda foi eliminada com o actual modelo. Os elementos que temos até aqui indiciam que a baixa popularidade da Frelimo pode estar a ter efeitos negativos em parte do seu desempenho eleitoral, mesmo em municípios com um bom desempenho do seu executivo, como Matola.
Conforme disse, isto é apenas uma hipótese. Com mais observações podemos no futuro ver se o efeito camisa/rabo de casaco sujo faz sentido e se a escolha do actual modelo eleitoral vai premiar a engenhosidade das “partidocracias”, ou, involuntária e indesejavelmente (na perspectiva dos seus mentores) vai devolver o poder de escolha aos eleitores.
Conforme disse, isto é apenas uma hipótese. Com mais observações podemos no futuro ver se o efeito camisa/rabo de casaco sujo faz sentido e se a escolha do actual modelo eleitoral vai premiar a engenhosidade das “partidocracias”, ou, involuntária e indesejavelmente (na perspectiva dos seus mentores) vai devolver o poder de escolha aos eleitores.
Nota para quem vai comentar: isso não é nenhum convite ao “schadenfreude” (quem não conhece o significado da palavra, que consulte no google 😎 ).
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