segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Há um sítio onde o Brasil fala antes dos Estados Unidos

Fundador da ONU, Brasil ganhou direito a ter o primeiro governante a discursar sempre que a Assembleia Geral reúne. Se Bolsonaro for eleito, usará por certo esse privilégio, apesar das críticas à organização.

Ruy Barbosa defendeu como ninguém o princípio da igualdade dos Estados durante a Conferência de Paz de Haia de 1907. E é possível fazer remontar a esse momento o interesse do Brasil na construção de uma comunidade internacional baseada no diálogo e não no conflito. Hoje essa vocação continua manifesta através da candidatura a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, fazendo valer não só o peso do território e da população (os quintos do mundo) como a força da diplomacia. Não é por acaso que há semanas o presidente cessante Michel Temer foi o primeiro líder a discursar na Assembleia Geral, reunida pela 73.ª vez. Donald Trump foi o segundo, como manda a tradição, numa rara situação de subordinação dos Estados Unidos ao Brasil.
Sobre esse privilégio do Brasil (um pouco como a Grécia abrir o desfile olímpico) há muitas explicações, mas sempre aparece o nome de Oswaldo Aranha, o ministro dos Negócios Estrangeiros que convenceu Getúlio Vargas a declarar guerra à Alemanha nazi e a enviar tropas para a Europa. Aranha, que chegou a presidir à Assembleia Geral, não conseguiu o ambicionado assento permanente no Conselho de Segurança, mas depressa se institucionalizou esta espécie de compensação que muito honra um dos principais membros fundadores em 1945 da organização. De resto, juntamente com o Japão, outro país defensor do alargamento do órgão mais poderoso da ONU, o Brasil tem sido o campeão das eleições como não permanente.
Diga-se que já no final da Primeira Guerra Mundial o Brasil se esforçou por estar no clube dos grandes na Sociedade das Nações, essa SDN que é a antepassada da ONU. Foi, porém, errática a forma como geriu essa ambição: umas vezes os seus diplomatas argumentavam ser o substituto natural dos Estados Unidos, cujo Senado vetou a participação desejada por Woodrow Wilson, outras diziam ser o representante óbvio da América Latina, gostassem da ideia ou não o México e a Argentina. O Brasil, desesperado em ser reconhecido como grande, chegou em retaliação a vetar a entrada da Alemanha e acabou mesmo por sair da organização.
Tão forte que acaba por não ter inimigos nas vizinhanças (a última guerra fronteiriça foi com o Paraguai no tempo de D. Pedro II), o Brasil aprendeu com os erros da SDN e, poderoso no soft power, especializou-se em ser promotor da paz e tem servido bem a ONU em Timor ou no Haiti. É provável que chegue de vez ao Conselho de Segurança, sendo com o Japão e a Índia o trio de candidatos mais fortes, mesmo que a Alemanha também se posicione e a África exija ter um representante.
Ou seja, o Brasil vai continuar na ONU, ao contrário da rutura que Jair Bolsonaro chegou a prometer (e depois desmentiu) fazer caso fosse eleito presidente. E a diplomacia brasileira, que partilha com a portuguesa Alexandre de Gusmão* como patrono, vai continuar a mostrar os seus méritos, governe quem governar.
*Alexandre de Gusmão, nascido em Santos, foi o grande diplomata de D. João V, ao serviço de quem definiu as fronteiras do Brasil. Tem busto tanto no Itamaraty como nas Necessidades.

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