Não fica bem para a imagem de Moçambique, como Estado, que as suas instituições administrativas (sobretudo as de justiça, as eleitorais e as de ordem e segurança públicas) sejam, mais do que vistas, objectivamente tidas como associações politicamente partidarizadas de delinquência organizada. Temos já quase 50 anos de experiência de Estado. Não se pode jogar ao lixo tamanha responsabilidade e os nossos dirigentes máximos, quando em missões de Estado no concerto das nações, devem parar de ser tidos como ridículos e especialmente por causa dessa conduta errante e irresponsável domesticamente. Chega de andarmos a brincar aos Estados. O imperativo categórico de Estado de Direito Democrático, constitucionalmente consagrado, tem de ser formal e materialmente perseguido, em toda a sua compreensão e extensão, sob todas e quaisquer circunstâncias. Os titulares dos órgãos de soberania, especialmente no que à administração da justiça diz respeito, têm uma responsabilidade didáctica acrescida nesse desiderato.
25 anos de experiência eleitoral é muito tempo para ainda sermos um Estado às vezes sério e às vezes palhaço. Um Estado às vezes íntegro e, às vezes, um Estado bandido. Esta conduta moralmente desequilibrada das nossas instituições não inspira confiança, respeito e seriedade, tanto fora como dentro do país. Num espaço de apenas dois ou três meses, vimos uma Comissão Nacional de Eleições a agir como aquela vizinha fofoqueira que não suporta a ideia de a vizinha do lado (e que não é das suas relações) ser esteticamente mais apelativa do que a sua comadre com quem tem privado extensões, txuna-babies ou bolsas na saga por um futuro pagador de contas. Testemunhamos a conduta propositadamente distraída de um Conselho Constitucional como a de um árbitro de futebol que inventa um fora de jogo qualquer quando a equipa do seu coração está prestes a sofrer um golo certeiro que lhe pode fazer perder o campeonato local.
Observamos, incrédulos, um Secretariado Técnico de Administração Eleitoral que processa resultados em velocidades diferentes, em função do grau de simpatia política dos seus dirigentes máximos pelas consequentes projecções matemáticas da orientação de voto no terreno. Assistimos a Polícia da República de Moçambique a funcionar como aquele guarda do prédio que oferece protecção e até ajuda especializada a ladrões que roubam em determinados apartamentos e não noutros… Identificamos órgãos de comunicação social, dentre públicos e privados, que fazem manchetes espectaculares quando os resultados eleitorais favorecem aos patrões dos seus chefes e que promovem distracções organizadas, censuram condutas e práticas criminosas ou ocultam deliberadamente da opinião pública factos que colocam em causa a seriedade, a fiabilidade e a responsabilidade dos agentes e dos processos eleitorais.
O efeito moralmente perverso dessas condutas paralelas das nossas instituições só legitima todos os desvios sociais que fragilizam o nosso Estado, a todos os níveis e manifestações. Pegar em armas para forçar mudanças políticas através da violência (ou da ameaça do seu uso) é apenas uma delas, quando todas as outras opções legalmente permitidas se esgotam nesse tipo de brincadeiras estimuladas, ensinadas e praticadas pela CNE, pelo Conselho Constitucional, pelo STAE, pela PRM ou pela TVM (ou a RM, ou o jornal Domingo, ou a STV). Ver uma e outra instituição estatal a sabotar processos políticos de forma desavergonhada e impune promove nos cidadãos, sob determinadas circunstâncias, a criminalidade e a sensação de impunidade e de desresponsabilização. Quem rouba ou desvia votos com o beneplácito do Estado, por exemplo, pode muito seguramente também roubar ou desviar bens, meios e recursos alheios. Naturalmente. Assusta-me muito o efeito didáctico desse tipo de conduta. Com a normalização dessas práticas, o Estado moçambicano está tecnicamente a produzir palhaços, ladrões e bandidos dentro e fora das suas estruturas. Em série e à larga escala, com todos os efeitos contraproducentes daí decorrentes.
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