Antigo comandante-geral da Polícia Marítima rejeita que acusados da Judiciária Militar digam "somos militares e cumprimos ordens"
Elementos da PJ Militar (PJM) dizerem que "são militares e cumprem ordens", após serem acusados de forjar a entrega do material furtado em Tancos, revela que "não sabem o que é ser polícia", diz ao DN o vice-almirante Cunha Lopes.
Antigo comandante-geral da Polícia Marítima (PM), este oficial general oriundo da Marinha é categórico: "Qualquer investigador da PJM, quando diz que cumpre ordens, desconhece o que é ser autoridade de polícia criminal."
Essa invocação foi feita publicamente pelo major Vasco Brazão, antigo porta-voz da PJM e responsável pela investigação ao furto de Tancos acusado de participar na encenação da entrega do material e que, na madrugada desta quarta-feira, ficou sujeito à medida de coação de permanência na residência sem vigilância eletrónica.
Cinco dos nove detidos pela PJ no âmbito da Operação Húbris pertencem à PJM, estando acusados da prática de crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas.
"Somos militares. Cumprimos ordens", escreveu o major Vasco Brazão nas redes sociais no fim de semana e quando ainda estava na República Centro-Africana.
Este argumento traduz a perceção de que a PJM funcionava afinal como unidade militar, apesar de altas patentes e um seu ex-diretor, major-general Rodolfo Begonha, afirmarem que essa polícia "não é militar" por estar fora da hierarquia castrense e depender diretamente do ministro da Defesa.
Cunha Lopes, com base naquelas afirmações de Vasco Brazão e eventualmente de outros investigadores da PJM ouvidos em tribunal, frisa que "cumprir ordens é nas forças militares e nos quartéis", não numa estrutura civil como a PJM. "Aqui não é militar" e invocar esse estatuto "só prova que os militares não sabem o que é ser polícia", insiste aquele vice-almirante.
"Enquanto autoridade de polícia criminal, um investigador da PJM só recebe ordens e orientações do Ministério Público [porque] quem dirige o inquérito" são os procuradores, "não é o diretor-geral da PJM ou qualquer comando militar", enfatiza Álvaro Cunha Lopes.
Olhando para o caso da recuperação das armas furtadas em Tancos, à luz das acusações feitas pelo Ministério Público e da assunção de responsabilidades - invocando o "interesse nacional" - feita pelos arguidos, Cunha Lopes considera que a ação da PJM refletiu a formação militar dos seus quadros: privilegiar "a eficácia" do resultado (recuperar as armas), esquecendo o que diz a Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC) - os órgãos de polícia criminal impulsionam e desenvolvem, por si, as diligências legalmente admissíveis [...]".
O antigo comandante-geral da PM - cujo mandato, em acumulação com o de diretor-geral da Autoridade Marítima, foi marcado por choques frequentes com os então responsáveis da Marinha que entendiam intervir nessas estruturas civis - lembra que apenas lhe competia nomear investigadores para um qualquer inquérito e dar-lhes o apoio administrativo e logístico necessário ao exercício das funções.
A partir desse momento cessava qualquer intervenção sua no processo conduzido pelo Ministério Público, acrescentou.
Questionado sobre se o argumento do "somos militares e cumprimos ordens" também se aplicaria ao anterior diretor-geral da PJM que ficou em prisão preventiva depois de ouvido em tribunal, Cunha Lopes recusou fazer essa inferência quanto ao coronel Luís Vieira - licenciado em Direito e antigo juiz militar - a partir das afirmações de subordinados como o major Vasco Brazão.
A LOIC diz expressamente que "a direção da investigação cabe à autoridade judiciária competente em cada fase do processo [e] é assistida na investigação pelos órgãos de polícia criminal" designados como competentes para o caso em concreto.
No caso de Tancos, a investigação começou com a PJM por ter ocorrido no interior de uma unidade militar.
Mas dias depois, perante a possibilidade de haver ligações ao terrorismo e havendo já atritos entre as duas polícias judiciárias, a procuradora-geral da República comunicou pessoalmente ao diretor da PJM que a responsabilidade do caso transitava para a PJ.
O agravamento das relações entre a PJ e a PJM intensificou-se ao ponto de os investigadores militares terem alegadamente simulado a recuperação da entrega do material de guerra furtado em Tancos, como acusa o Ministério Público.
Sem comentários:
Enviar um comentário