sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Zeid Ra'ad al-Hussein não quer “ter de se ajoelhar e implorar”


FABRICE COFFRINI

Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos acabou de anunciar que não vai candidatar-se a um segundo mandato, após António Guterres lhe ter pedido que amainasse as críticas a Donald Trump

O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, que tem criticado abertamente poderosos governos mundiais incluindo a administração de Donald Trump, anunciou esta semana que não vai recandidatar-se a um segundo mandato à frente da agência, uma decisão que o "New York Times" diz ser pouco usual.
Num email enviado às pessoas com quem trabalha, Zeid Ra'ad al-Hussein disse que continuar no posto depois de agosto, quando completa o seu primeiro mandato, "poderia envolver ter de me ajoelhar e implorar" pela ajuda dos países que mais tem criticado — incluindo os cinco membros com assento permanente no Conselho de Segurança, que poderiam ter usado o seu poder de veto para chumbar a possível recondução do príncipe jordano.
"Depois de muita reflexão, decidi que não vou candidatar-me a um segundo mandato de quatro anos", escreveu Hussein aos funcionários da agência de Direitos Humanos. "Fazê-lo, no atual contexto geopolítico, poderia envolver ter de me ajoelhar e implorar, calar declarações de cidadania e diminuir a independência e a integridade da minha voz — que é a vossa voz. Temos vários meses pela frente, meses de lutas, talvez até de luto — porque apesar de o último ano ter sido árduo para muitos de nós, tem sido ainda mais terrível para muitas das pessoas que servimos."
Recentemente sugiram rumores sobre pressões que Hussein estaria a sofrer dentro das Nações Unidas por causa das críticas a Trump — um homem "perigoso" nas palavras do alto comissário, que em março o responsabilizou pelo "aumento da discriminaçãoantissemitismo e violência contra minorias étnicas e religiosas".
Esta semana, o jordano descreveu publicamente a decisão dos EUA de declararem que Jerusalém é a capital de Israel como "perigosamente provocadora" e culpou diretamente o Presidente norte-americano pela violência que, até agora, já resultou em pelo menos cinco mortos nos territórios palestinianos ocupados, entre eles um ativista cujas pernas tiveram de ser amputadas há nove anos no rescaldo de um bombardeamento israelita contra a Faixa de Gaza.
Segundo a "Foreign Policy", o secretário-geral da ONU, António Guterres, tinha pedido a Hussein que se coibisse de criticar abertamente Donald Trump por recear que a administração norte-americana corte a torneira de financiamento à organização — uma decisão que o Presidente dos EUA poderá tomar em breve depois de 128 países terem rejeitado a sua decisão sobre Jerusalém numa importante (ainda que simbólica) votação, que teve lugar na quinta-feira na assembleia-geral.
No email que enviou à sua equipa e ao chefe da ONU na semana passada, Hussein não mencionou especificamente os EUA, Trump nem as alegadas pressões para suavizar as suas críticas. Contudo, a sua decisão — já confirmada pelo porta-voz de Guterres — está a levantar questões sobre o papel desempenhado pela organização enquanto defensora dos Direitos Humanos em todo o mundo.
Para Kenneth Roth, o diretor executivo da Human Rights Watch, Hussein passou os últimos anos a trabalhar num "ambiente hostil" que o terá levado a decidir abandonar a ONU. Philippe Bolopion, também da Human Rights Watch, descreve Hussein como "um farol de clareza moral", dizendo-se "triste pelo facto de ele ter sentido que não tinha outra opção a não ser abdicar no final do seu primeiro mandato para proteger a integridade da sua voz".

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