Por Nini Satar
Com a criação da figura de Provedor de Justiça, pela Constituição da República de 2004, o Povo Moçambicano jubilou de alegria, na convicção de que, finalmente, tinha quem velasse pelos seus direitos de cidadania, contra as arbitrariedades e má actuação dos órgãos da administração pública. Ninguém imaginou que se tratava de mais um órgão decorativo que tal como muitos outros serviria apenas para sugar cada vez mais o dinheiro dos impostos do Povo.
Passados todos estes anos, contados da eleição e tomada de posse do primeiro provedor de justiça quadro pior do que o actual não seria de imaginar. O actual Provedor deJustiça deixa muito a desejar, sua actuação é uma lástima. Fica todo o ano sem nada a fazer a espera de ir á Assembleia da Republica choramingar diante dos senhores deputados, contando estórias de que ninguém lhe ouve. Ano após ano é sempre mesma ladainha: a Procuradoria não me ouve nem acata minhas recomendações; os Tribunais não me ouvem nem acatam minhas recomendações; a Policia não me ouve nem acata minhas recomendações; etc. Este Provedor, virou especialista de lamúrias e choros!
Não é por falta de poder que o Provedor nada faz. Apesar de a lei estabelecer que este órgão não tem poder decisório-videno 1 do artigo 259 da Constituição da República de Moçambique - a mesma leilhe confere competências de produzir recomendações aos órgãos competentes para reparar ou prevenir injustiças, com a prerrogativa de, se das suas investigações, concluir que a Administração Pública cometeu erros, irregularidades ou violações graves, informar à Assembleia da República, ao Procurador Geral da República e à Autoridade Central ou Local com a recomendação das medidas pertinentes – no 2 do artigo 259 da Constituição da Republica de Moçambique.
Significa isto que se uma certa entidade não cumpre, sem fundamento, as recomendações do Provedor de Justiçaeste podeparticipar desse incumprimento ao chefe dessa entidade ou mesmo ao Procurador Geral da República. E todos sabemos que nenhum dirigente público gosta de ser participado por má actuação pois isso suja a sua carreira. E a questão que os meus caros leitores podem estar a colocar é: e se essa entidade prevaricadora for a própria PGR ou um Ministro, então a quem recorrerá o Provedor? É simples: claro que recorrerá ao superior hierárquico dessas entidades. A pessoa que lhes nomeia e lhes demite. E neste caso, ao Presidente da República.
Não tendo poder decisório e sendo, portanto, o Provedor de Justiça, uma Magistratura de persuasão, a sua utilidade pública dependerá da sua força moral e ética e da qualidade argumentativa das suas recomendações. Por isso, em todos os países do mundo, o Provedor de Justiça, é uma figura de reputado mérito, de percurso profissional brilhante, imaculado e irrepreensível. E tudo isto no sentido de que apesar de carecer de poder decisório esta figura deve se impor aos demais órgãos da Administração Pública, fazendo-se respeitar e ouvir.
Se o nosso Provedor de Justiça, cumprisse devidamente com as suas competências, participando à Assembleia da República, à Procuradoria Geral da República e á Autoridade Central ou Local, contra todo e qualquer agente da Administração Pública, que no exercício das suas funções cometesse ilegalidades e injustiças contra o cidadão, as violações dos direitos dos cidadãos reduziriam drasticamente. Como disse acima, ninguém gosta de ser participado ao seu chefe ou à Procuradoria Geral da República. Isto mancha a carreira de qualquer servidor público. José Abudo só não é respeitado porque não se impõe, não usa devidamente os seus poderes conferidos por lei.
O segredo para que o Provedor de Justiça seja credível e, portanto, para que receba cada vez mais queixas dos cidadãos, é que o mesmo funcione e funcionar significa receber as queixas, analisá-las, encaminhá-las, exigir resposta das entidades violadoras dos direitos, conseguir a reparação do direito violado e, em tempo útil, dar resposta ao cidadão prejudicado pela má actuação da Administração Pública.
Vou agora vos dar um exemplo e este exemplo o retiro do meu livro em prelo: “Em 2012, eu Nini Satar, fui transferido para as celas do Comando da PRM-Cidade de Maputo. Na altura havia cerca de 44 reclusos encarcerados naquelas celas. Aquilo era um autêntico corredor de morte. Nós os presos dormíamos no soalho, sem direito a cobertor. A maior parte dos presos comia feijão podre com chima. Graças a Deus, eu recebia comida de casa por conta de um atestado médico que minha família conseguiu mandar fazer a tempo e hora.Não fosse este atestado também estava condenado a comer feijão podre. Os presos não tinham direito a assistência de advogados. Estavam a anos em reclusão sem nenhum conselho técnico de advogados. Isto é claramente violação de direitos humanos. Os advogados fartaram-se de escrever para a Procuradoria, na altura representada pelo Augusto Paulino como PGR mas este fazia ouvidos de mercador. Nas referidas celas não havia assistência médica, os reclusos perdiam a vida como se fossem galinhas. Isto é violação de direitos humanos não me canso de repetir. Quando eu, Nini Satar, entrei naquelas celas, tive muitas dificuldades em me movimentar em contactos porque não tinha telefone nem acesso ao meu advogado. Não tinha inclusive, meus caros amigos, assistência médica. Minha família conseguiu finalmente falar com o Sr. Doutor José Abudo, Provedor de Justiça. Este pediu que se fizesse um documento escrito com a descrição das atrocidades que eram cometidas nas celas do comando. José Abudo fez uma visita relâmpago às celas do Comando, acompanhado de um médico do Hospital Central de Maputo e de alguns Juristas. Esta foi a primeira intervenção do Provedor de Justiça para ver in louco o que se passava nestas celas. E foi graças à queixa da minha família. Depois desta visita a única mudança que foi operada nas celas foi a disponibilização de colchões e cobertores para os presos. Passados dois dias, o Comandante da PRM -Cidade de Maputo, na altura Sr. Zandamela, fez uma informação por escrito à Procuradoria da Cidade e à Procuradoria Geral da República, a relatar da visita do Provedor e das pertinentes recomendações deixadas, tais como: que os reclusos deviam ter acesso a médicos, a advogados, a visitas familiares pelo menos duas vezes por mês, a banhos solares de pelo menos uma hora diária e a jornais. Mas a Procuradoria, a mesma que se diz garante da legalidade, mandou o Comando a desobedecer a maioria destas recomendações, devendo apenas dar cobertor e colchão aos presos. Orientou ainda o Comando a não permitir mais visitas de José Abudo e sua equipa às celas.”
E como acontece com todas as outras instituições de Administrações da Justiça, José Abudo passou a ser tratado como paspalho até hoje. Eu, Nini Satar, tenho informações que muitos cidadãos que se sentem injustiçados e que, por isso, escrevem para o Provedor, e este recomenda às instituições para a reposição da legalidade, as instituições ignoram completamente o Abudo.
Recentemente, um recluso que está encarcerado nas celas da PRM-Cidade de Maputo há 5 anos, acabou sendo acusado num processo da Matola mas quando a Procuradoria soube que este ia ser ilibado deste processo fez-lhe apressadamente acusação sem nexo num outro processo da Cidade de Maputo e este não vai a julgamento já passam 3 anos. O advogado deste recluso escreveu para o Provedor de Justiça contra a má actuação da Procuradoria de total incumprimento da lei. O Provedor canalizou a queixa à Procuradoria e este respondeu que o processo deste cidadão tinha desaparecido no Tribunal. Minha pergunta agora é: tendo em conta que este recluso nunca tinha recebido a acusação, tendo apenas sido informado que tinha sido acusado, quanto tempo terá de esperar na cadeia aguardando pela reconstituição do processo extraviado ou desaparecido? Qual é a culpa deste cidadão neste cenário de desaparecimento ou extravio do seu processo? No meu ponto de vista um Provedor de Justiça deve ter tarimba. Deve insistir na reposição a todo o custo da Justiça e legalidade. Deve perseguir os assuntos que lhe são submetidos até ao fim. Não se pode contentar em receber as queixas. Deve cobrar respostas de quem de direito.
E como eu disse acima, se a prevaricadora é a própria PGR, o Provedor deve participar ao Presidente da República. Falei-vos um pouco acima do caso deste cidadão que está preso a 5 anos e que se diz que o processo desapareceu. Isto tem de ficar assim mesmo? O Provedor fica satisfeito com a resposta da PGR de que o processo será reconstituído, com o cidadão preso? Com prazos de prisão preventiva desumanamente ultrapassados?
Neste momento está em julgamento o processo que tem como réu Zófimo. As imagens que são passadas nas televisões não me deixam mentir. O Zófimo é arrastado como um cão para a sala de julgamento. Não lhe permitem trajar de outro modo se não com a roupa da cadeia, mas o Zófimo ainda não foi condenado. Por excessivos que sejam os indícios de ter cometido o crime, por maior que seja a probabilidade de vir a ser condenado, nos termos da nossa constituição ele é inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Eu já disse nesta minha página de Facebook que um País de direito democrático deve tratar bem os seus presos. Porquê maltratar o Zófimo? É obrigação do Provedor de Justiça mandar parar-se com este tratamento degradante e humilhante.
Recorrendo a direito comparado vou-vos falar um pouco da figura do Provedor de Justiça Português. Este recebe diariamente, em média, 54 queixas, por falhas nos serviços públicos. Isto significa que por semana recebe 270, por mês 5400 e por ano 12960. Este número de queixas mostra a confiança dos cidadãos Portugueses no seu Provedor de Justiça. E como todos sabemos, a confiança é algo que conquistamos diariamente com o nosso trabalho.
Os Provedores de Justiça Portugueses, de 2006 a esta parte, tem conseguido desempenho de cerca de 60% de recomendações integralmente cumpridas. Não falamos das outras que são cumpridas em parte. Esta cifra inspiraria confiança a qualquer cidadão de qualquer país do mundo. O nosso Provedor de Justiça nem 10% de recomendações satisfeitas consegue. Ninguém lhe ouve, ninguém lhe respeita, e tudo isto porque não se impõe! No seu informe à Assembleia da República deste ano, José Abudo disse que de Abril de 2016 a Março deste ano, produziu 27 recomendações, das quais 15 nem sequer tiveram ainda resposta. Mas José Abudo é assessorado por 21 colaboradores. Significa isto que, incluindo o próprio Provedor, temos 22 servidores públicos que ficam o ano inteiro a produzir 27 recomendações, de valor duvidoso, porque se fossem devidamente fundamentadas certamente que teriam respostas. E todos estes são pagos com os dinheiros dos nossos impostos.
Mas não é estranho nem surpreende que o desempenho de José Abudo seja tão mau assim. Este foi Ministro da Justiça durante 10 anos nos Governos do antigo Presidente Joaquim Chissano. Não se conhece obra de José Abudo neste Ministério. Foi também Juiz Presidente Provincial e Juiz Conselheiro do Tribunal Administrativo, durante vários anos. Não é conhecida sua obra nestas funções. Não é como Provedor de Justiça, Magistratura onde impera a capacidade de persuasão, onde Abudo iria brilhar.
Neste momento o País está aguardando por um novo Provedor de Justiça, que está em processo de eleição na Assembleia da República. Concorrem para este cargo Silvério Runguane, pelo MDM e Isaque Chande pela Frelimo. Este último é o actual Ministro da Justiça. Esta eleição devia ter sido no dia 19 deste mês de Dezembro mas foi adiada porque, segundo a Presidente da Assembleia da República, uma das bancadas parlamentares que havia prometido apoio a um dos candidatos, a última da hora recuou. Mas a qualquer momento teremos novo Provedor de Justiça. Não conheço o perfil de nenhum dos candidatos. Nunca julgo precipitadamente as pessoas, gosto de dar o benefício da dúvida. Só espero que quem vencer a eleição faça por merecer a confiança do Povo, manifestada através dos seus representantes na Assembleia da República, que lhe for depositada, não se deixando iludir pelo bem-estar do gabinete arejado pelos ares condicionados. As mordomias e as facilidades do cargo não devem nunca fazer o novo Provedor perder o cerne da sua eleição. Moçambique precisa de um Provedor de fortes convicções, um homem sensível e comprometido com a defesa implacável dos direitos dos cidadãos. Um homem que sente repulsa e náuseas diante de atropelos, ilegalidades e injustiças da Administração Pública. É este o perfil que eu espero e acredito que os meus amigos leitores também esperam do novo.
Esperemos que o novo Provedor de Justiça seja um homem com tarimba e aconselho a todos os meus leitores que tiverem problemas nos quais se sintam injustiçados a recorrerem para a reposição da justiça e legalidade, porque no José Abudo ninguém mais confia e a PGR há muito o considera um paspalho.
O novo Provedor de justiça é uma esperança para o povo e com ele esperamos e confiamos na solução dos nossos vários problemas!
Nini Satar
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