domingo, 24 de dezembro de 2017

Sete aspetos polémicos da vida de Jesus


Quem foi, afinal, Jesus? Homens da Igreja e historiadores dividem-se acerca de aspetos fundamentais da vida da figura que mobiliza a fé de milhões de pessoas há mais de dois mil anos. Nestes Arquivos Expresso reproduzimos o artigo publicado na revista de 7 de dezembro de 2013 para o qual falámos com teólogos portugueses, um aluno de Ratzinger, uma monja catalã que incendiou a opinião pública, um ex-frade silenciado por João Paulo II e um pastor protestante - para revelarmos sete aspetos polémicos da vida do Jesus histórico

D.R.
Quem foi Jesus? Um homem que se proclamou Deus e morreu por incitar uma revolta popular? Um mito com objetivos políticos? O filho impossível de uma virgem? O único a vencer a morte? Antes de chegar às respostas para estas questões é preciso decidir se Deus pode intervir na história. Começa tudo por aí. E para perguntas difíceis não há respostas simples.
Hermann Samuel Reimarus foi o primeiro historiador a utilizar a metodologia hermenêutica para interpretar os Evangelhos, no final do século XVIII. Já no início do século XX, os especialistas excitaram--se com a possibilidade de investigar a figura de Jesus de acordo com a crítica histórica, separando factos de interpretações.
Segundo Bento XVI, o presépio (este retratado numa tapeçaria do Vaticano) não tinha a vaca e o burro
Segundo Bento XVI, o presépio (este retratado numa tapeçaria do Vaticano) não tinha a vaca e o burro
Com a publicação de "História da investigação acerca da vida de Jesus", de Albert Schweitzer (1906), a crise instalou-se ao constatar-se que as conclusões dependiam do autor, sendo possível alcançar resultados opostos e incompatíveis com o método científico. O exegeta protestante Rudolf Bultmann tentou encontrar o sentido real por trás da linguagem mitológica da Bíblia, o húngaro Geza Vermes encarou Jesus como o homem que queria reformar o judaísmo mais do que criar uma nova fé. John P. Meier, em "O Judeu Marginal", afirmou que o Jesus histórico é uma abstração teórica e P. Sanders sustentou que Jesus foi um profeta escatológico, anunciador do fim dos tempos.
A expulsão dos vendilhões do templo retratada num quadro exposto em Antuérpia mostra um Jesus de uma violência insólita
A expulsão dos vendilhões do templo retratada num quadro exposto em Antuérpia mostra um Jesus de uma violência insólita
Esta resumida lista de investigadores e das suas múltiplas abordagens reflete a incessante procura do real por trás da figura de Jesus.
Nova rutura aconteceu quando, no início desta década, o Papa Bento XVI, com a publicação de três livros sobre a vida de Jesus, lançou o desafio de que se fizesse ciência e investigação histórica, não no pressuposto de que Deus não existe, mas, pelo contrário, de que existe e deixou vestígios da sua atuação.
Em Portugal, a polémica subiu de tom em 2011 com o lançamento de "O Último Segredo", de José Rodrigues dos Santos. O jornalista e autor de romances propôs-se revelar "a verdadeira identidade de Jesus Cristo", afirmando que não era filho de uma virgem, era irmão de Judas, nunca terá ressuscitado nem tido a intenção de fundar uma igreja.
A referência não bíblica, contudo, mais antiga de Jesus terá sido feita por Flávio Josefo, historiador judeu do século I, que refere a condenação ilegal de um certo "Tiago, irmão de Jesus, o que eles chamam messias". No século II, Tácito e Plínio mencionam Jesus de Nazaré, mas pouco adiantam além da prisão e execução. Pouco, para quem influenciou tanto e tantos. Mais de dois mil anos depois, e apesar do trabalho de teólogos e historiadores, há ainda muitos pontos polémicos acerca da figura e da vida de Jesus.
Jesus não deixou nada escrito pelo próprio punho. Dele ficou apenas o que os outros disseram. E os evangelistas não eram historiadores, mas catequistas. Na imagem, Jesus com os Apóstolos, na “última ceia” de Jacopo Bassamo (Galleria Borghese, Roma): uma imagem mais humana do que sagrada
Jesus não deixou nada escrito pelo próprio punho. Dele ficou apenas o que os outros disseram. E os evangelistas não eram historiadores, mas catequistas. Na imagem, Jesus com os Apóstolos, na “última ceia” de Jacopo Bassamo (Galleria Borghese, Roma): uma imagem mais humana do que sagrada

1. A IMAGEM DOS EVANGELHOS

Para conhecer Jesus o ponto de partida são os Evangelhos. Mas estas poderão ser obras pseudoepigráficas, ou seja, atribuídas a um autor mas não escritas diretamente por ele, situação habitual naquele tempo. O que não gera dúvidas entre os historiadores é que os Evangelhos foram escritos não como relatos científicos de historicidade, mas como testemunhos de fé.
O primeiro a ser escrito foi o Evangelho de Marcos, por volta de 70 d.C. Não relata a infância de Jesus, começa com o seu batizado no rio Jordão e não fala nas aparições após a ressurreição. Duas décadas mais tarde, entre 90 e 100 d.C.,Mateus e Lucas trabalham de forma independente, com base no modelo de Marcos, adicionando tradições e incluindo narrativas sobre a infância e histórias da ressurreição.
Estes três documentos são chamados os "evangelhos sinópticos" (do grego, "vistos juntos") e são bastante distintos do Evangelho de João, que terá sido escrito entre 100 e 120 d.C. Os quatro são considerados canónicos (que regulam a disciplina eclesiástica), mas existem outros, como os de Tomé, Filipe ou Maria Madalena, ditos "gnósticos", descobertos no Egito, em 1947, e com versões bastante conflituosas com os oficiais.
"Os Evangelhos são um testemunho de um acontecimento do qual nos chegaram quatro relatos, cada um com a marca pessoal de quem os redigiu e que querem anunciar que Jesus é o filho de Deus, e não o rabino da Galileia.
São históricos porque resultam de redatores e comunidades históricas e continuam a ser a melhor fonte de informação sobre algo que Jesus disse e fez, pois testemunham por mais de um interveniente um acontecimento das vidas daqueles que o acompanharam", explica José C. Carvalho, professor da Universidade Católica, no Porto.
Henrique de Noronha Galvão, professor jubilado da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e cujo doutoramento foi orientado pelo próprio Joseph Ratzinger, ensina ainda que "todo o Novo Testamento se refere a algo que aconteceu de facto, mas que é transmitido com a preocupação de apresentar o seu significado religioso, recorrendo a meios estilísticos usuais no tempo".
Há 40 anos, Leonardo Boff, teólogo brasileiro, publicava o polémico "Jesus Cristo libertador", dedicado à figura do Jesus histórico.
O ex-sacerdote franciscano, que influenciou a teologia latino-americana e mereceu uma ordem de silêncio por parte do Papa João Paulo II em 1985, explica ao Expresso que "utilizando factos históricos, os evangelhos criaram uma construção teológico-catequética com a intenção de fortalecer a fé das referidas comunidades e de servir de subsídio para a difusão da mensagem de Jesus. Os autores (não sabemos exatamente quem são) mostram-se exímios teólogos, usando formas refinadas de argumentação, próprias das escolas rabínicas.
Contêm elementos históricos mas são textos teológicos que costuram, cada uma seu modo, os dados históricos".

2. O NASCIMENTO

As dúvidas sobre a história de Jesus começam pela própria data do seu nascimento. Jesus terá nascido antes do Cristo messias, entre 8 e 4 a.C., tendo em conta a data do primeiro recenseamento da população da Palestina. O erro, como explica Anselmo Borges, padre da Sociedade Missionária Boa Nova, terá sido causado pelo "monge Dionísio, o Exíguo, nos finais do século IV, começos do século V, que se terá enganado na marcação da data do seu nascimento".
O dia 25 de dezembro também não estará ancorado na realidade e terá sido escolhido devido às tradições pagãs da celebração do solstício de inverno e à noite mais longa do ano. O local de nascimento também é polémico.
Belém ou Nazaré? Certo é que Jesus viveu em Nazaré até aos 27 anos, mas não é garantido que tenha nascido em Belém. A escolha da cidade poderá dever--se à necessidade de alinhá-lo com a descendência de David, por via de José, cuja família era de Belém.
No seu nascimento há, contudo, vários outros pontos em aberto: a presença dos pastores (figuras simbólicas que representariam os pobres), dos reis magos (os pagãos e poderosos), a estrela (um símbolo de David), os animais (a natureza), que são considerados recursos literários, sinais para a época, e cuja importância foi relativizada até por Bento XVI num dos livros.
Leonardo Boff explica que "os evangelistas não possuíam interesse historiográfico. Muitos dados que parecem históricos são usados como símbolos para dizer outra coisa. Nascer em Belém é um recurso linguístico para significar a messianidade de Jesus. Provavelmente ele nasceu em Nazaré. Não é seguro, historicamente, que tenha sido filho único. O que é seguro é que Jesus se sentia filho em sentido absoluto.
Sempre que se refere a Deus, chama-lhe Abba, linguagem infantil para 'meu querido paizinho'.
Quem chama a Deus pai, só pode sentir-se filho. Isso é considerado histórico até porque os Evangelhos conservaram a palavra Abba em aramaico".
A vida de Jesus tem merecido múltiplas interpretações, nomeadamente sobre o relacionamento que estabeleceu com Maria Madalena, aqui retratada num quadro de Antonio Maria Piola que representa o êxtase
A vida de Jesus tem merecido múltiplas interpretações, nomeadamente sobre o relacionamento que estabeleceu com Maria Madalena, aqui retratada num quadro de Antonio Maria Piola que representa o êxtase

3. FILHO DE MÃE VIRGEM

Seriam então Judas e Tiago filhos de Maria e José? As respostas divergem mas a própria questão implica outro ponto polémico: a virgindade de Maria. Bento XVI diz que Jesus é "uma nova criação", sendo portanto filho de uma virgem. Teresa Forcades, polémica monja beneditina apelidada "a freira sem medo" devido às suas posições a favor do acesso das mulheres ao sacerdócio e ao casamento de pessoas do mesmo sexo, concorda. "Os Evangelhos recolhem dados históricos mas apresentam-nos de acordo com as necessidades e as experiências das primeiras comunidades cristãs. A virgindade de Maria é uma afirmação dogmática que defende o facto de que entre Maria e Deus se realizou um verdadeiro encontro interpessoal e que este - e não a fecundação de Maria por parte de José ou de algum outro homem - foi a causa da sua gravidez. Parece-me fundamental", diz ao Expresso. Para a religiosa, saber se Jesus era filho único "não parece relevante" porque José poderia ter filhos de um casamento prévio e, com Maria, ter tido filhos depois de Jesus.
O pastor Dimas de Almeida, da Igreja Presbiteriana e professor de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, sublinha que "Jesus não deixou nada escrito, logo, o que dele sabemos é o que outros sobre ele escreveram. Aliás, a pergunta essencial, pela qual o cristianismo vive, é esta que Jesus faz aos discípulos: 'Quem dizeis vós que eu sou?' Assim, chegarmos ao Jesus histórico, de carne e osso do ano 30 da nossa era, é uma tarefa sempre em aberto". Lembra ainda que os evangelistas "não agiram como se fossem arquivistas" e que "retiveram de Jesus o que convinha para confessarem o Cristo da fé,sem se preocuparem com os elementos que interessam aos biógrafos (a idade, o seu físico, a sua evolução).
Aos evangelistas interessava-lhes o Jesus da história e estavam conscientes da distância entre o Jesus de Nazaré e o Cristo da fé". Explica também que "o protestantismo não vê o nascimento virginal como uma proclamação do foro biológico (a integridade do hímen), mas sim do foro teológico: o Jesus que nasce de Maria é o homem novo, primogénito de uma humanidade nova".
O padre Anselmo Borges também relativiza a questão: "Nada indica que o Novo Testamento se interesse pela virgindade de Maria.
O credo não é um tratado de biologia.
O que aqui se encontra não é uma conceção e nascimento virginais, mas a tomada de consciência do mistério do seu nascimento".
Também as várias leituras que podem ser feitas do sermão das bem-aventuranças e do milagre da reprodução dos pães e dos peixes (aqui numa reprodução da Coleção Hulton) não são consensuais
Também as várias leituras que podem ser feitas do sermão das bem-aventuranças e do milagre da reprodução dos pães e dos peixes (aqui numa reprodução da Coleção Hulton) não são consensuais

4.UM ZELOTA VIOLENTO?

Muito recentemente, Reza Aslan, iraniano licenciado em Harvard, publicou o polémico "Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré".
Na obra sublinha as suas características guerreiras, defendendo que as únicas certezas históricas sobre Jesus eram a de que era um judeu líder de um movimento popular e que foi por isso crucificado pelos romanos.
O termo zelota significa "alguém que zela pelo nome de Deus", mas é utilizado para referir os religiosos mais fanáticos. Jesus seria então um"revolucionário fervoroso arrebatado", com "pouca semelhança com a imagem do manso pastor cultivada pela comunidade cristã primitiva". No livro que liderou a lista dos mais vendidos da Amazon este ano, Aslan acusa o apóstolo Paulo de, para evitar as perseguições romanas, transformar "o Jesus revolucionário num semideus romanizado".

5. MILAGRES ALÉM DA VIDA

Para lá das muitas divergências, Anselmo Borges acaba por resumir de forma simples o percurso conhecido de Jesus: "Foi um judeu piedoso, frequentava a sinagoga, conhecia a Bíblia, falava aramaico e hebraico e tinha conhecimentos de grego e talvez de latim. Pertencia a uma família numerosa. Sabia ler e escrever. Foi construtor, carpinteiro.
Era de classe média pobre.
Não se casou. Quanto à vida pública, sabemos que foi batizado por João Baptista, foi um profeta escatológico, anunciando e agindo na perspetiva da chegada iminente de Deus, foi um 'sábio', perito em humanidade, que contou histórias admiráveis e iluminantes para a condução da vida. Foi também um taumaturgo com poderes especiais e que se colocou, em nome de Deus, com palavras e 'sinais', do lado dos oprimidos".
A polémica acentua-se, justamente, quando em causa está a realização de curas. Para o pastor Dimas de Almeida, "aquilo a que chamamos 'milagres' não deve ser compreendido como a manifestação de fenómenos sobrenaturais. É na humanidade (portanto na fraqueza) que Deus se revela todo-poderoso e não ao desafiar leis da natureza".
Teresa Forcades desdramatiza: "Fica claro no Evangelho de João que os milagres não são a fonte da fé nem o seu conteúdo".
Entregue por Pilatos à população, Jesus terá sido crucificado por incitar à revolta. Ficou para a História a frase “ei-lo”. A imagem aqui reproduzida é do “Ecce Homo”, uma obra de autor desconhecido exposta no museu de Arte Antiga, em Lisboa
Entregue por Pilatos à população, Jesus terá sido crucificado por incitar à revolta. Ficou para a História a frase “ei-lo”. A imagem aqui reproduzida é do “Ecce Homo”, uma obra de autor desconhecido exposta no museu de Arte Antiga, em Lisboa

6. RESSURREIÇÃO

O debate atinge o seu clímax quando entra em cena a possibilidade de Jesus ter vencido a morte. É para este ponto que convergem todos.
"A ressurreição é o ponto central da fé cristã. Não é um evento que pode ser detetado empiricamente.
A iniciativa parte do ressuscitado, portanto tem a característica de uma revelação e de uma aparição, não de uma visão. Mas os próprios Evangelhos mostram que a dúvida sempre esteve presente.
O significado da ressurreição é o atestado de que a mensagem do reino como um a revolução absoluta, que implicava a superação da morte, não fora frustrada. É a realização plena do ser humano em todas as suas virtualidades latentes.
Por isso, São Paulo lhe chama novíssimo Adão.
É o homem escatológico, uma antecipação do fim bom da história humana, uma revolução na evolução", afirma o polémico Leonardo Boff. Para concluir, de forma profética: "A história é escrita pelos vencedores e esquece as vítimas. Pela ressurreição se afirma que as vítimas participam na vida nova, porque um deles foi introduzido no ser novo. E os esquecidos voltarão, transfigurados, porque se lhes fez justiça. Só um Deus pode resgatar assim o passado".
A questão de Jesus ressuscitado é, portanto, inacessível aos instrumentos e métodos científicos, mas o professor José C. Carvalho sublinha que "o registo de onda era diferente. Por ressurreição entendiam coisas diversas. Os filósofos de Atenas não aceitam o evento da ressurreição, pois é impossível aproximar-se dela sem o olhar da fé. Mas não se pode esquecer que a ressurreição é um facto, Cristo ressurge independentemente de quem nele crê ou o recusa".A teóloga feminista e professora da Universidade Fernando Pessoa concorda que "a ressurreição é da ordem da fé. Jesus ressuscitado não é um fantasma, nem existe possibilidade de provar física ou quimicamente a sua ressurreição. Para quem não é crente, a história de Jesus termina no seu túmulo, mas Jesus ressuscitado significa que a morte não é a última palavra da história".
A interpretação da teóloga merece a concordância do ex-aluno de Ratzinger. "Pela sua própria natureza, a ressurreição significa que foi superado o tempo da história.
As marcas ficaram visíveis, podendo por isso ser testemunhadas e verificadas. Foi do Jesus da história que os discípulos deram o seu testemunho de fé. Se acharam que valia a pena narrar os acontecimentos da vida de Jesus, é porque reconheceram neles, à luz da sua fé, um significado decisivo e profundo", afirma Henrique de Noronha Galvão. O teólogo sublinha ainda que "não há maneira de dissociar história e fé, no que respeita a Jesus Cristo e ao mistério central da sua vida: o mistério da Páscoa, da passagem da morte à vida definitiva".
E, assim, o que seria passível de maiores divisões é o ponto mais consensual. A monja catalã Teresa Forcades também não tem dúvidas de que "a ressurreição deve ser reconhecida como um tema de fé". E afirma: "Parece-me fundamental que a 'realidade' da ressurreição não se possa demonstrar, como tão pouco se pode demonstrar a existência de Deus, do amor, ou da liberdade pessoal radical".
Por tudo isso, Anselmo Borges não tem dúvidas de que, "determinante na História, evidentemente que Jesus é uma figura em aberto, renovadamente estudada e interpretada enquanto estímulo para maior dignificação dos humanos.
Portanto, uma figura que não pertence apenas aos cristãos, mas à humanidade inteira".
Tolentino de Mendonça, vice--reitor da Universidade Católica, afirma no seu mais recente livro, "Os Rostos de Jesus", que apenas uma polifonia de interpretações permite captar-lhe a figura: "O Jesus histórico é quase um ser de laboratório, uma abstração teórica de pesquisa que só parcialmente coincide com o judeu messias que viveu e operou na Palestina do primeiro século".

7. JESUS SOCRÁTICO

Joaquim Carreira das Neves, franciscano, reconhecido como um dos principais biblistas portugueses, acaba de lançar "O Coração da Igreja Tem de Bater", livro onde fala desta figura polémica. Parte da certeza de que "temos o mistério da história e continuamos com ele.
Não temos dados históricos diretos de Jesus" e "é preciso compreender que os Evangelhos foram escritos depois da fé cristã, ou seja, depois da ressurreição". Defende, por isso, que a arqueologia pode comprovar várias situações dos Evangelhos, mas alerta que "há imenso espaço para novas descobertas. O problema é que as zonas de investigação arqueológica coincidem com áreas agrícolas relevantes para Israel". E avisa que "estas descobertas são fundamentais para se confiar no que vem no Antigo e no Novo Testamento".
E cita o bosão de Higgins, para dizer que, "como na Física Quântica, estamos diante do ser humano como mistério. Temos de continuar a estudar, mas coma certeza de que, quanto mais estudarmos, menos certezas teremos".
Para fundamentar a sua opinião, Carreira das Neves explica que "Jesus era socrático, fazia mais perguntas do que dava respostas.
Definiu-se como o filho do Homem, uma frase estranha que revela autoconsciência da diferença. Era um radical, alguém que levou a vida a fazer cortes e que trouxe uma nova noção da ética política". Para concluir: "O Jesus da fé tem dois mistérios, o da encarnação e o da ressurreição.
Acredita-se ou não".
No seu primeiro texto, "Evangelii Guadium" ("A Alegria do Evangelho"), o surpreendente Papa Francisco recupera o sentido mais original da atuação de um Jesus que pregou na Palestina, criticando a exclusão social e a desigualdade.
Diz mesmo que pretende fazer uma "reforma das estruturas" da Igreja e uma "conversão do papado" para ser "mais fiel ao sentido que Jesus Cristo lhe quis dar". Mas, afinal, como poderá ser fiel a um homem sem se saber quem terá sido realmente este tal Jesus?

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