sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

“Os EUA vão recordar este dia quando forem chamados a dar dinheiro à ONU”


SPENCER PLATT

Intocados pelas ameaças de Donald Trump, 128 dos 193 países das Nações Unidas votaram contra a sua decisão de declarar Jerusalém a capital de Israel. Dos 10 países que mais dinheiro recebem de Washington, sete alinharam-se com a maioria. A seguir ao voto, a representante de Trump voltou a deixar avisos e ameaças ao resto do mundo

A assembleia geral da ONU votou maioritariamente contra a decisão de Donald Trump relativa a Jerusalém, duas semanas depois de o Presidente norte-americano ter declarado que a disputada cidade é a capital de Israel e de ter anunciado que vai mudar a embaixada norte-americana no Estado hebraico de Telavive para o território sob ocupação.
A votação foi precedida de avisos inéditos vindos da embaixadora norte-americana, Nikki Haley, que na quarta-feira tinha dito que os países que estavam a preparar-se para votar contra Washington deviam preparar-se para sofrer as consequências dessa decisão.
documento de rejeição a Trump e ao Estado hebraico, não-vinculativo e no qual é sublinhado que quaisquer decisões unilaterais sobre o estatuto da cidade santa são "nulas e vazias", foi aprovado com os votos a favor de 128 países, 35 abstenções (entre elas o Canadá e o México), 21 ausências e apenas 9 contra— EUA, Israel, Guatemala, Honduras, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Palau e Togo.
Na quarta-feira, Haley tinha enviado uma carta a todas as delegações da ONU avisando-as de que, a pedido do Presidente, iria anotar "os nomes" de quem votasse contra a administração norte-americana, com Trump a ameaçar logo a seguir que ia cancelar a ajuda financeira a todos esses países.
"Eles recebem centenas de milhões de dólares, até milhares de milhões de dólares, e depois votam contra nós. Bom, estaremos atentos a esses votos. Eles que votem contra nós. Vamos poupar muito [dinheiro]. Não queremos saber."
Dos dez países que mais fundos recebem de Washington, sete votaram contra Trump, nomeadamente o Afeganistão, o Egito, o Iraque, a Jordânia, o Paquistão, a Nigéria e a Etiópia. Israel, o país que mais apoios obtém dos Estados Unidos a seguir ao Afeganistão, votou naturalmente contra a resolução, alinhado com o Presidente norte-americano. A Tanzânia não compareceu à votação e o Quénia pediu que o seu voto fosse mantido em segredo.
Quase todos os países da União Europeia, incluindo Portugal, votaram a favor da resolução, com cinco deles a absterem-se — Croácia, Hungria, Polónia, República Checa e Roménia. Alinhados com a maioria estiveram ainda os principais aliados árabes e muçulmanos dos Estados Unidos.
Uma porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Heather Nauert, diz que a administração Trump já está a explorar "várias opções" de retaliação mas que ainda não foram tomadas quaisquer decisões face aos resultados da mais mediática votação a ter lugar na assembleia-geral da ONU em vários anos.
Mais incisivo e sem filtros foi o discurso que Haley proferiu logo a seguir à votação, no qual voltou a deixar ameaças latentes à comunidade internacional, ao sugerir que o seu país, aquele que mais dinheiro canaliza para as operações das Nações Unidas, pode vir a fechar a torneira à organização.
"Os Estados Unidos vão lembrar-se deste dia em que foram isolados e atacados na assembleia-geral apenas por exercermos o nosso direito enquanto nação soberana", declarou a representante norte-americana. "Vamos lembrar-nos deste dia quando nos for pedido que voltemos a fazer a maior contribuição para a ONU. E vamos lembrar-nos deste dia quando muitos países vierem pedir-nos ajuda, como tantas vezes o fazem, para pagarmos ainda mais dinheiro e para usarmos o nosso poder de influência em seu benefício."
Desafiando a tomada de posição da maioria, Haley acrescentou: "A América vai mudar a sua embaixada [em Israel] para Jerusalém. É isso que o povo americano quer que façamos e é essa a coisa certa a fazer. Esta votação vai mudar a forma como os americanos olham para a ONU e a forma como nós olhamos para os países que nos desrespeitam na ONU. Esta votação não será esquecida."
Em Jerusalém Oriental, a parte da cidade sagrada onde os palestinianos pretendem ter a sua capital quando for alcançada uma solução de dois Estados, as reações à votação também não foram positivas, embora por motivos diferentes dos EUA. "Foi mais um exercício sem sentido", defendeu à Al-Jazeera a ativista Amany Khalifa. "A Autoridade Palestiniana tem de avaliar todo o processo diplomático de pedir ajuda à ONU. A experiência que temos tido é que, ao longo de décadas, estas resoluções não mudaram nada."
Já o chefe do governo hebraico não esperou sequer para conhecer os resultados. Classificando a ONU como uma "casa de mentiras", Benjamin Netanyahu declarou cinco horas antes do voto: "Jerusalém é a nossa capital, vamos continuar a construí-la e as embaixadas dos países, em primeiro lugar dos EUA, vão mudar-se para Jerusalém. Isto vai acontecer."

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