Luanda - A grande ‘bomba’ do seminário sobre "Os desafios do combate à corrupção, ao nepotismo e ao branqueamento de capitais", organizado esta semana em Luanda pelo Grupo Parlamentar do MPLA, foi sem dúvidas ‘deflagrada’ pelo Presidente da República, ao anunciar uma moratória do Governo para que os angolanos que tenham dinheiro do país colocado no estrangeiro, o tragam de volta para ser investido no desenvolvimento de Angola.
Fonte: Correio Angolense
“Pretendemos que os angolanos detentores de verdadeiras fortunas no estrangeiro sejam os primeiros a vir investir no seu próprio país se são mesmo verdadeiros patriotas.
O Executivo vai no início do ano estabelecer um período de graça durante o qual todos aqueles cidadãos angolanos que repatriarem capitais do estrangeiro para Angola e os investirem na economia, em empresas geradoras de bens, de serviços e de emprego, não serão molestados, não serão interrogados das razões de terem tido o dinheiro lá fora, não serão processados judicialmente.
Mas, findo esse prazo, o Estado angolano sente-se no direito de o considerar dinheiro de Angola e dos angolanos e como tal agir junto das autoridades dos países de domicílio, para tê-lo de volta em sua posse.”
O Presidente João Lourenço não podia ter sido mais assertivo com esse anúncio que se revela do agrado da generalidade dos cidadãos, pelas externalidades positivas para a economia nacional que resultariam da sua implementação. Contudo, não sejamos ingénuos ao ponto de pensar que esse anúncio venha a ser acatado de ânimo leve por aqueles a quem a proposta do Presidente da República se destina primordialmente.
Há angolanos que fizeram o seu pezinho-de-meia com esforço honesto e empreendedor e têm domiciliado no estrangeiro o fruto desse labor inquestionável? É óbvio que sim. Longe de nós catalogar a todos como uns desalmados ladrões.
Mas não é com estes que devemos estar preocupados. E sim com aqueles que julgamos serem os verdadeiros destinatários da mensagem de João Lourenço. Aqueles que usando de expedientes ilícitos fartaram-se estes anos todos de delapidar o erário nacional, gerando fortunas ilícitas que foram depois escondidas em cofres-fortes estrangeiros.
São estes que têm investidos, ou guardados em 'colchões de luxo' lá fora, milhares de biliões de dólares - o montante exacto só mesmo os contabilistas de Al Capone e Ali Babá poderiam determinar com exactidão.
"Ao Estado compete engendrar um “plano B” que consista não apenas em reunir e elaborar legislação apropriada, como também reunir bons juízes para estarem ao comando da Procuradoria Geral da República, do Tribunal Supremo e do Tribunal de Contas. Juízes pró-activos e que não se limitem a encher as cadeias com ladrões de botijas de gás e que possam mesmo ir atrás do grande crime de colarinho branco."
Desenganemo-nos, pois estes últimos, por certo, ficaram amuados, se não atordoados, com o recado deixado pelo Presidente angolano. E tenham a certeza que também já andarão a magicar nos esquemas e expedientes que podem usar para furtarem-se ao apelo patriótico do Chefe de Estado.
Por isso, não será com falinhas mansas que esse apelo será por eles acatado. Podemos até imaginar os ditos cavalheiros apresentarem-se em fila, qual meninos de coro e bem comportados, com os seus mealheiros nas mãos diante do Presidente João Lourenço, balbuciando qualquer coisa como isto: “Senhor, devolvo-te o que surripiei do país em tempos de folia e farra; e eis também o que depois acumulei de renda e juros de mora em bancos e paraísos fiscais no estrangeiro!”
Podemos também imaginar um João Lourenço pachorrento a afagar-lhes as cabecinhas e responder assim: “Bom e fiel servo, porque no muito fostes laborioso, no muito te colocarei. Entra no gozo do teu Senhor!”
Mas é só mesmo imaginação. Dificilmente em Angola se cumprirá a “Parábola dos Talentos”, que aqui adaptámos para efeitos deste artigo. O combate à corrupção no país precisa de ser levado com circunspecção e sensatez para não desencadear uma descontrolada caça às bruxas que, por seu turno, venha a ocasionar efeitos colaterais mais perversos.
Mas medidas tomadas com sensatez e circunspeção não devem ser confundidas com mero blá-blá-blá, e o mesmo é dizer com inócuas falinhas mansas. Qualquer coisa como isto: “Vindes cá, estais perdoados, têm 'x' tempo para devolver o que roubaram.”
Este discurso é bom? Sim. Agita o povo? Sim. Motiva esperança? Sim. Mas, em termos práticos, dificilmente incitará quem tem o vil metal no estrangeiro a repatriá-lo, sem que seja através de medidas de coacção, ou mesmo aos empurrões, se quisermos.
Porque a alguns convirá que se lhes mostre as algemas. É preciso lembrar que na referida parábola, o Senhor não é totalmente gentil. Ao servo mau, Ele não esteve com contemplações e apontou-lhe claramente a condenação como destino: “Mau e negligente servo... tirai-lhe o único talento que tem e dai-o ao que tem dez talentos”.
Em suma, os ‘servos maus’ continuarão com o dinheirinho onde o têm escondido. Ao Estado compete engendrar um “plano B” que consista não apenas em reunir e elaborar legislação apropriada, como também reunir bons juízes para estarem ao comando da Procuradoria Geral da República, do Tribunal Supremo e do Tribunal de Contas. Juízes pró-activos e que não se limitem a encher as cadeias com ladrões de botijas de gás e que possam mesmo ir atrás do grande crime de colarinho branco.
Aliás, talvez não seja despiciendo voltar a falar de uma figura da qual sempre se cogitou, mas não passou de lengalenga para adormecer as pessoas: a Alta Autoridade Contra a Corrupção.
Mais: as autoridades devem providenciar para ter os serviços de inteligência envolvidos no labor de investigar e catalogar, um a um, quem são os indivíduos e onde e quanto dinheiro exactamente cada um deles escondeu lá fora.
A Nigéria, aqui perto no nosso continente, não é propriamente um bom exemplo para Angola no quesito do combate à corrupção. Mas, uma vez ou outra, fazem coisas nessa matéria que se os angolanos copiassem não levariam ao desabamento do Carmo e da Trindade.
Em 2003, na Nigéria, segundo relato de Chip Cummins para o The Wall Street Journal, em plena gangrena do mercado negro do petróleo que jorrava no Delta do Níger e a corrupção de um modo geral em níveis assustadores, colocou-se como nunca a necessidade de sanar o problema. Era chefe de Estado Olusegum Obasanjo que não hesitou e criou uma Comissão contra Crimes Financeiros e Económicos, com a missão de limpar a Nigéria da fraude e da corrupção. Para dirigir esse organismo Obasanjo não optou por um indivíduo qualquer, pusilânime e com o rabo preso. Nomeou Nuhu Ribadu, um ex-polícia federal conhecedor dos meandros da corrupção, durão e desejoso de mostrar trabalho.
Dadas as especificidade da Nigéria, onde crimes do género estão mais entranhados que em Angola, Ribadu não conseguiu limpar totalmente o país dessa praga. Mas logrou algo que se pode considerar notável para as condições nigerianas: perseguiu milimetricamente desde gangsters do petróleo a políticos corruptos.
Trabalhando com agentes secretos e informadores diversos, inclusive no estrangeiro, em menos de dois anos Ribadu levou aos tribunais 185 casos de corrupção activa, fraude e branqueamento, quando antes dele o índice era zero. Prendeu 200 indivíduos sob acusação de contrabando de petróleo, tendo confiscado 700 milhões de dólares, em numerário e espécie (propriedades e edifícios diversos).
Em certo momento do seu trabalho, as investigações comandadas pelo super-polícia nigeriano levaram, em escassas quatro semanas, à demissão de dois ministros e a renúncia de um importante congressista, suspeitos de actos de suborno. Ribadu não pestanejou quando teve de ordenar a prisão de um antigo chefe seu, ex-comandante da polícia do país, a quem algemou pessoalmente para ser apresentado a um tribunal.
Portanto, podemos reflectir se estes exemplos servem ou não para a nossa realidade e não pormo-nos simplesmente a assobiar para o ar, como se métodos coercitivos destes fossem pecaminosos. Lembremo-nos que no próprio receituário internacional sobre os métodos de combate à corrupção, há especialistas, inclusive ao serviço do Fundo Monetário Internacional, que prescrevem que em países severamente afectados pela praga da corrupção sejam desencadeadas campanhas que levem à detenção de duas ou três grandes figuras da sociedade (portanto, peixes-graúdos e não a arraia-miúda) para servir de exemplo aos demais prevaricadores.
E nós: ficaremos pelo perdão e pelo indulto? Ou teremos coragem de dar passos maiores e bem medidos, mas não menos audaciosos?
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