Será o fim de linha para as “teses dos imperativos”?
Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Mesmo que as interpretações do discurso do PR Filipe Nyusi sejam diferentes em cada órgão de informação que o noticia, alguma coisa deve estar fermentando nas hostes frelimistas.
Quando se olha para os “continuadores” dos “libertadores”, sente-se que eles não dominam a situação, ou que não passam de seguidistas mantidos para defenderem o que os mentores e detentores do poder querem e desejam.
É admirável e suspeito que jovens abracem teses que coloquem o país refém de desejos e agendas secretas, que acabam por se revelar simplesmente ocas. Querem controlar o país e os seus recursos por todo e qualquer meio ao seu dispor.
Se antes havia a facilidade de possuírem todo o poder e de terem um partido político que era o próprio Estado e Governo, depois que os ventos da democracia impulsionados pela guerra civil e por pressões externas, as coisas mudaram de jeito e feitio.
Há estudantes que aprendem rápido e outros que demoram mais tempo.
E há os que jamais aprendem.
Numa estratégia que se consubstancia em acomodar e distribuir “guloseimas” para supostos “delfins”, os “libertadores” conseguiram, durante algum tempo, manter o edifício intacto e forte. Mas eram aparências, porque, mesmo entre eles, as clivagens começaram a transparecer.
Quem afirmava com a “boca cheia” que era um imperativo a Frelimo permanecer no poder era um porta-voz que disso só tinha nome. Uma Frelimo corroída pelo tempo e por erros sucessivos foi também sucessivamente derrotada nas batalhas eleitorais. Primeiro ao nível autárquico e depois a nível das províncias mais povoadas do país, a Frelimo perdeu a hegemonia, mesmo contando com um aparelho de Estado infiltrado pelos seus membros a todos os níveis.
A população, cansada de promessas de uma unidade nacional que só servia para alavancar os interesses materiais dos detentores do poder, começou a exigir mudanças reais. E começou a votar pela oposição, pela Renamo, pelo MDM.
Após o desfecho eleitoral de Outubro de 2014, ficou evidente que, se não tem sido a ausência de editais, a vencedora teria sido a Renamo.
E, se tem havido algum nível de coordenação entre os partidos políticos da oposição, teria sido bem mais fácil remover a Frelimo da Ponta Vermelha e de ser maioria parlamentar. Por “estomacalismo e infantilismo político”, a oposição perdeu uma grande oportunidade.
Terá sido uma questão de acomodação de membros nas listas elegíveis que terá endurecido posições e impedido coordenação e concertação real.
A Frelimo, dominando o aparato informativo, judicial e policial e dos serviços de inteligência, aproveitou a “ingenuidade” da oposição.
Chegados a este ponto, encontrou-se uma ala na Renamo que decidiu que já bastava de cedências e de complacência com as repetidas fraudes e malabarismos legalistas baseados e implementados através de forças policiais e judiciais simpáticas.
As escaramuças que se verificam em algumas províncias do país podem ser uma amostra do que está para vir, mas também podem ser uma demonstração clara de que o país mudou irreversivelmente.
Face à desestruturação das FADM e potenciação das PRM/FIR/GOE, criou-se um certo mal-estar nas FADM, pois ao nível de salários e mordomias, elas sentem que são “enteados”. Com uma cadeia de comando sem experiência de guerra e com uma logística comprometida por redes de corrupção, os esforços para desarmar a Renamo compulsivamente têm sido um insucesso que acaba rearmando a Renamo.
Moçambique, por possuir uma economia fragilizada devido a vários factores, mas, dentre eles, a incapacidade de fazer escolhas acertadas, vê a sua economia derrapando para níveis assustadores sem que surjam sinais de correcção.
Moeda nacional escorregando, crise política instalada, um parlamento incapaz de legislar e fiscalizar, um Governo obtuso e sem visão realista da situação combinam-se para aprofundar a crise.
Estamos claramente perante incapacidade de liderar combinada com uma agenda paternalista dos anteriores detentores do poder.
Existem receios de que se o PR tiver carta-branca muitos interesses patrimoniais serão devorados ou diluídos. Habituados a sacar benefícios das posições ocupadas no quadro governamental, os que agora estão fora do jogo batem-se com todas as armas pela sua sobrevivência enquanto potentados e senhores de tudo.
Durante muitos anos, instalou-se na mente dos que sempre governaram Moçambique, que sem eles o país não existia. Isso repercutiu-se e propagou-se de tal forma que gente pouco informada e com baixos escrúpulos aceitou servir de agente de propaganda à mistura com outras funções regularmente atribuídas como as de agente de fraude e de ilicitudes eleitorais.
Não há quem não sinta as mãos de “professores e membros de OJM e OMM” na operação Outubro 2014.
Se o anunciado pelo PR quanto a “ponderação” no desarmamento da Renamo tiver alguma credibilidade, teremos que ver o ponto das questões militares discutido no CCJC esgotado e implementado.
Não vale a pena dizer que a Frelimo não é partido armado, pois todos sabemos que a cadeia de comando das FADM e PRM/FIR/GOE pertence e é composto por membros da Frelimo.
Se houvesse equidistância das forças militares e policiais, o cenário político moçambicano seria outro e a paz não estaria em discussão nos dias hoje.
É preciso desconstruir teses de normalidade não existente.
Os “imperativos de Edson Macuacua” ruíram assim como AEG foi “derrubado” no seu próprio partido.
Toda a engenharia montada em Pemba foi enferrujando e mostrando-se insustentável, pois, para além de sua rejeição interna, não ganhou tracção no país em geral.
Este Moçambique precisa do fim do jogo sujo e dos arranjos para beneficiar grupos de cidadãos com interesses especiais. Não podemos reduzir tudo ao que os “cidadãos especiais” entendem e desejam.
Seremos outro país se entendimento do “básico” suplantar o egoísmo doentio tornado epidemia.
Basta de fingirmos que está tudo bem e que o nosso país está andando, porque a realidade é bem diversa.
Desconstruir mitos e heroísmos jamais existentes, construir pontes entre uma irmandade real e fundada no senso de que somos cidadãos iguais para além da verborreia da “unidade nacional”. Jamais se tratou de pôr em causa a Unidade Nacional ou paz, mas, sim, de ultrapassar o servilismo montado para beneficiar pretensos cidadãos especiais.
Recuperar o senso de que o país e o seu povo são mais importantes do que proclamações políticas e concertação política visando a manutenção do poder.
Nem juntando antigos movimentos de libertação tornados Governos resolve os nossos problemas, se não houver capacidade de pôr em prática justiça política e económica.
O único imperativo válido é proteger os direitos políticos e económicos dos cidadãos moçambicanos.
Travar as correntes maléficas que só conduzem a desgraças e a violência é trabalho que deve ser assumido por um número cada vez maior de compatriotas.
Abnegação, trabalho, competência, persistência, inteligência, diligência, abertura e seriedade são chamados à mesa nacional.
Não há sabichões únicos e indispensáveis que ofereçam lições de sapiência omnisciente. Somos humanos e moçambicanos, e entender isso é o ponto de partida para a solução da crise político-eleitoral.
Torna-se evidente que as FADM e a PRM devem ser reconstituídas numa base apartidária, e esse facto merece um debate profundo, apoiado por consultorias e endividamento estratégico visando dissipar desentendimentos e vícios que processos como aquele do AGP conheceram.
Superar os “complexos de libertadores” faz parte do que se tem de fazer com urgência.
Cortar iniciativa aos charlatães e mercenários nos partidos políticos vai travar ondas mediáticas de ataques contra os esforços de estabilização do país.
Olhar para Moçambique para além de “interesses intestinais” é um ponto de partida para quem se pretenda líder político.
Sem seriedade e consequência não se estabelece confiança. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 23.11.2015
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