domingo, 29 de novembro de 2015

Juiz do Supremo suspeito de obstaculizar recurso


Lisboa - Altos funcionários do Tribunal Supremo de Angola atribuem ao “não andamento” do recurso em torno da defesa do antigo delegado do SINSE, em Luanda, Antônio Vieira Lopes , a obstruções e a atitudes de má-fé de um juiz conselheiro, Tenente-Coronel Joel Leonardo.
 Fonte: Club-k.net
Desde que o processo foi parar nas suas mãos, o juiz Joel Leonardo ainda não pronunciou-se sobre o assunto dando azo a rumores de que estaria a obedecer a alegadas “orientações superiores”, para supostamente prejudicar os interessados.

Natural da Huíla,   Joel Leonardo é Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo de Angola, integrando a Câmara Criminal deste Tribunal.

É igualemente Oficial Superior das Forças Armadas Angolanas, na reserva, com a Patente de Tenente Coronel (sob a Ordem n.o 793/010 do Chefe de Estado Maior General das F.A.A., Cédula de Licenciamento n.o 100021995). Ao longo da sua carreira serviu como Juiz Presidente do Tribunal Militar na região sul do país.

Terão sido pelas suas credenciais militares que se tem reforçado a tese de que poderá estar a receber orientações, uma vez que os militares tem a reputação de serem disciplinados em cumprir “ordens superiores”, sem questionarem.

O Club-K teve acesso as alegações do recurso cuja integra partilha:

- ALEGAÇÕES DE RECURSO –

Nos seguintes fundamentos:

  1. QUESTÃO PRÉVIA
Este recurso e em consequência as respectivas alegações vêm fundados no nobre papel que a justiça deve exercer em nome do povo e com todas as garantias constitucionais que aos Colendos Conselheiros têm de sempre exercer em nome do Povo a Justiça, confirmando ou infirmando as decisões dos tribunais inferiores.
Este processo teve trinta e um (31) declarantes e uma (1) testemunha. Entretanto o tribunal a quo, depois de insistir em não abdicar de nenhum deles, veio ao final, condenar o Co-Réu nos exactos e precisos termos da acusação e da pronúncia, ignorando de forma chocante, e fazendo tábua rasa a toda a prova produzida, pasme-se, mas sublinhe-se, produzida por ele mesmo, Tribunal a quo, como que se a prova produzida fosse desnecessária.
Venerandos Conselheiros, de tal “justiça” se recorre, para que façam justiça Vós Conselheiros de tal pretensa justiça produzida. De nada serviram 4 meses de julgamento, de nada serviram a testemunha e 31 declarantes ouvidos, de nada serviu a clara e intransponível prova por ele mesmo tribunal a quo produzida. “Se valesse a aplicação do princípio da economia processual e de tempo, mais teria valido afirmar-se: Apreciada a acusação, porque inequívoca condene-se o réu nos exactos termos em que vem acusado. E pronto. Nada mais se diz. Recorra-se, querendo, que a lei (ainda) permite…”.
O Tribunal conseguiu dar como provado que o infeliz Alves Kamulingue não era agente secreto, para imediatamente, no parágrafo seguinte, o mesmo tribunal afirmar que: “os únicos que tinham interesse no infeliz eram os Co-Réus afectos ao SINSE pois ele era seu agente secreto e o conheciam bem” pasme-se!
Este Tribunal, percebendo que existiam acusações recíprocas entre os Réus do SINSE e da Polícia Nacional, tomou por “”verdades suculentas, cristalinas e imbatíveis” as declarações dos Co-Réus da Polícia Nacional e como “mentiras descabidas” os depoimentos dos Co-Réus afectos ao SINSE. Porque será?
E a mais astronáutica conclusão do Tribunal foi de os Co-Réus Vieira Lopes e Paulo Mota, terem, um desde o início afirmado que não deu nenhuma ordem de execução, e o outro ter vezes sem conta afirmado que não transmitiu ordem nenhuma por não a ter recebido de ninguém, e, pasme-se, o Tribunal, não se sabe com que meio de prova, chegou a “triste convicção, talvez fundada pela experiência de vida dos jovens magistrados que o compõem” dizíamos, chegou a triste convicção de que “por telefone Vieira Lopes ordenou ao Paulo Mota que executasse Alves Kamulingue e este por sua vez, deu essa ordem aos oficiais da Policia nacional.” Veja-se, formou a convicção pela experiência de vida dos magistrados, e pior, fez dessa triste convicção “prova maior e única”. Entretanto, contrariando a sua própria convicção e já nessa altura feita prova provada, o mesmo Tribunal vem dizer que o executor material afinal só disparou porque o seu superior hierárquico o Co-Réu Manuel Miranda foi quem lhe mandou disparar, caso contrário não o faria porque não cumpre ordens de um estranho.
Entretanto, mesmo com isso o Tribunal “pela experiência da vida” ignorou essas provas produzidas e entendeu que quem deu a ordem foi o Co-Réu Vieira Lopes e quem a transmitiu foi o Co-Réu Paulo Mota, e de seguida fez desse entendimento convicção e num ápice fez dessa convicção a prova. Provada, refira-se e sublinhe-se com base numa convicção assente na “experiência de vida do Tribunal”. Enfim, que mais dizer?!!! Só mesmo a nossa “inexperiência de vida” e a crença num país onde todos e juntos, velhos e novos, verteram sangue para o tornar (i) independente, primeiro e (ii) Democrático e de Direito, nos leva a crer que ainda vale a pena recorrer, porque a justiça e a verdade se impõem por si próprias. Longe da vontade dos homens, falarão elas mais alto. Mais alto do que quaisquer “fortes convicções” formadas no sopé da cátedra de uma experiência de vida, de quem, tão jovem, mal teve tempo para viver. Quanto mais para ganhar experiência de vida e concluir que sem nenhuma intercepção de comunicações e diante de uma resposta negativa, concluiu que houve sim ordem e provada e que afinal, qual tempo do “tio André dos manuais da primeira classe da República Popular” quem é o SINSE e faz o seu trabalho é criminoso.

II – DOS FACTOS E DA FUNDMENTAÇÃO DA DECISÃO E DO RECURSO
VENERANDOS,
Para elucidar este Supremo Tribunal, eis a narrativa fáctica, produzida em julgamento, ignoradas pelo Tribunal “a quo” e da qual este não extraiu as devidas e verdadeiras consequências:
1.º
A 19 de Abril de 2012 foi dirigida uma carta ao Governo Provincial de Luanda (GPL), pelo Movimento Patriótico Unido – MPU -informando que no dia 27.05.2012 iriam fazer uma manifestação desde o Largo da Independência até ao Palácio Presidencial (fls 1933);

2.º
O referido documento mereceu um parecer desfavorável do Gabinete Jurídico do GPL. O GPL enviou uma cópia ao Comando Provincial da Policia Nacional de Luanda e à Delegação do SINSE - Luanda, de que o Réu ora Recorrente ANTÓNIO MANUEL GAMBÔA VIERIRA LOPES, era responsável (fls. 1930 e 1931);

3.º
O Comando Provincial de Luanda da Policia Nacional montou na véspera um posto comando específico para tratar da manifestação do dia 27.05.2012 e o mesmo posto estava a ser comandado pelo Comissário Dias do Nascimento, Comandante Provincial em exercício da Policia Nacional em Luanda ( vide fls. 2076);
4.º
No dia 27.05.2012 e de manhã ainda muito cedo, o SINSE recebeu um alerta do seu agente secreto (ALVES KAMULINGUE, agente desde 2010) que estaria a descer para a cidade, onde teria um encontro com uma cidadã estrangeira no Hotel SKYNA (fls. 586);


5.º
O Co-Réu, na qualidade de Delegado do SINSE, telefonou para o Comandante Provincial da Polícia Nacional de Luanda em exercício e chefe do posto comando, DIAS DO NASCIMENTO, informando-lhe que um dos organizadores da manifestação estaria na baixa da cidade e que era necessário força policial no perímetro do Largo da Ingombota para evitar uma eventual subida dos manifestantes para o Palácio Presidencial (fls. 2077, 2088 e 2128);

6.º
O objectivo deste telefonema, e SUBLINHE-SE este era e ainda é o único papel do SINSE, era o de alertar a Polícia para a indicação de quem eram os cabecilhas da manifestação (De facto KAMULINGUE era Agente infiltrado e desempenhava nestes movimentos o papel de co-líder e organizador de manifestações, o que permitia ao SINSE um monitoramento e acompanhamento por dentro das suas actividades e reais intenções), para que a Polícia Nacional os prendesse quando já estivessem junto dos outros manifestantes e assim dissuadir a continuação da (ou das) manifestação. Nesta condição estão hoje e muitos outros agentes, que desempenham com risco a sua missão e a cada vez que isto foi ocorrendo, foram assumindo maior rentabilidade e assim se conseguia chegar aos motivadores e impulsionadores das mesmas manifestações.
Venerandos,
7.º
Ficou afirmado e reafirmado na produção da prova que este era um dos “modus operandi” neste tipo de operações, e não era a primeira vez que assim se procedía. O SINSE dava a indicação, a P.N. prendia os cabecilhas e depois de 1 a 2 dias os soltava, tendo entretanto abortado a manifestação pretendida. Realça-se hit et nunc, que o próprio KAMULINGUE (Infeliz nos autos) noutra ocasião já havia sido preso e posteriormente solto, sendo que e portanto, não seria esta a primeira vez. E assim teria de ser, pois que se ele fosse poupado da situação de ser detido, poderia levantar suspeitas junto dos outros organizadores de manifestações e assim comprometer o grande papel que desenvolvia a favor do SINSE junto desses movimentos, como agente duplo.
8.º
Em momento nenhum o SINSE deve informar a Polícia Nacional do duplo papel que KAMULINGUE desempenhava, pois isso poderia comprometer no futuro a sua identidade secreta de agente. De facto, o SINSE não informou nem nesta, nem noutras ocasiões do papel duplo o Infeliz KAMUNINGUE. Entretanto a PN desde 2011 que desactivou e dispersou manifestantes, deteve-os e depois os soltou por conta da actuação desses e outros agentes secretos;
9.º
O Comandante Provincial da Polícia Nacional em exercício e chefe do posto comando, DIAS DO NASCIMENTO, afirmou (E isto consta do seu auto de declarações em tribunal, vide fls. 2128.) que diante telefonema que o Ora Recorrente lhe fez na manha do dia 27.05.2012, accionou a Brigada Motorizada para o referido perímetro. E disse também, QUE POR SUA PRÓPRIA INICIATIVA, PORQUE OS MANIFESTANTES SEMPRE QUE SE DEPARAM COM FORÇA POLICIAL FARDADA ESCAPAM-SE, então telefonou ao Director Provincial da Investigação Criminal de Luanda, o Declarante AMARO NETO, para formar e enviar uma equipa à paisana (equipa essa que viria então a abordar Alves Kamulingue e mais tarde executá-lo) e que contactassem o Recorrente;
10.º
A equipa da Investigação Criminal contactou o Recorrente, pois PRECISAVAM DE INDICAÇÃO DO MANIFESTANTE. Com essa solicitação, o ora Recorrente, Delegado do SINSE, solicitou ao seu Adjunto, o Co-Reu PAULO MOTA, para que desse a indicação do ALVES KAMULINGUE à equipa da Investigação Criminal, como ele estava em movimento, isto apenas seria possível indo atrás do mesmo;
11.º
Assim, o Delegado Adjunto, Co-Réu Paulo Mota, introduziu-se na viatura Toyota Land Cruiser do responsável da equipa da Investigação Criminal MANUEL MIRANDA e indicou-lhes o Alves Kamulingue;
12.º
Da referida viatura desceu um oficial da Investigação Criminal e outros indivíduos da DPIC que já se encontravam junto ao Colégio Elisangela, abordaram o ALVES KAMULINGUE e introduziram-lhe numa viatura Chevrolet - Spark da DPIC Ingombota e mesmo sem contactar o responsável da equipa de Investigação Criminal MANUEL MIRANDA com o qual o Delegado Adjunto PAULO MOTA se encontrava no interior da viatura daquele (Toyota Land-Cruiser), dirigiram-se ao Benfica. Isto mostra claramente que aqueles elementos da Investigação Criminal já tinham um plano traçado com antecedência e que a partir daí só estavam a executá-lo. Tendo o Delegado Adjunto se apercebido de tal facto, de imediato comunicou ao Co-Réu que ALVES KAMULINGUE já estava com a Policia e que esta se dirigia ao Sul de Luanda. Diante deste relato o Recorrente orientou o Delegado Adjunto, que acompanhasse o trabalho da polícia e visse como é que o agente secreto se iria comportar;

13.º
De acordo com o Delegado Adjunto, Có Réu PAULO MOTA, chegados à Zona do Ramiro, quando o agente ALVES KAMULINGUE foi transferido da viatura SPARK da DPIC – Ingombota para a Toyota Land Cruiser do Co- Réu MANUEL MIRANDA, responsável da equipa da Investigação Criminal/DPIC, já vinha com as mãos e os pés atados;
14.º
Introduziram-se numa picada e chegados a um local ermo, foi posto de joelhos e de seguida, tendo-se distanciado dos demais, escutou um disparo e de seguida o Sr. Manuel Miranda da DPIC ordenou que se procedesse outro disparo contra o Alves KAmulingue. Após isso, retiram-se às pressas. O Co-Réu Paulo Mota telefonou para um subordinado para que lhe fosse buscar imediatamente, pois não se sentia seguro com os Agentes da Investigação Criminal que executaram o Agente ALVES KAMULIENGUE e temia também que poderia sofrer algum atentando à sua segurança e a sua vida;
15.º
Três dos Quatro membros da Equipa da Investigação Criminal que estiveram nessa “operação” declararam em tribunal que tudo aconteceu conforme descrito supra, mas acrescentaram que agiram daquele modo porque o Delegado Adjunto do SINSE PAULO MOTA foi quem lhes deu a ordem, afirmando que eram ordens do Delegado Provincial do SINSE e que este último as tinha dado por telefone; é estranho que assim seja e que o Tribunal tenha formado convicção nesse sentido, de tal modo que o Tribunal sublinha mesmo que o Paulo Mota deu 12 ordens directas aos Oficiais da Policia e estes mesmo sem o conhecerem ou saberem de quem se tratava, obedeceram piamente a um estranho que: “Mandou parar as viaturas para confirmar o agente(…) Orientou que seguissem em direcção aos Ramiros (…), deu ordens para inverter a marcha das viaturas (…); deu ordens para tirarem o infeliz duma viatura para outra (reparem que ficou provado que ele veio já amarrado com fita adesiva que trouxeram para o efeito e em momento nenhum se disse que Paulo Mota dera ordens para amarrar); deu ordens para a viatura Chevrolet estacionar nas bombas de combustível (…); deu ordens para amarrrar(…) deu ordens para imobilizar a viatura no local (…); deu ordens para retirar o Infeliz da viatura
(…); e depois distanciou-se, “recebeu ordens” do Delegado e regressou e mandou executar o Infeliz”. Ora, é muito estranho que os oficiais da PN obedeçam a 12 ordens directas do PAULO MOTA, sem questionar, como se de inimputáveis ou recrutas se tratassem e estranhamente o Tribunal vem dizer que “depois da execução subiram as pressas e chegados as bombas de combustível o Manuel Miranda, lembre-se, oficial superior da PN com mais de 30 anos de corporação, apresentou o PAULO MOTA aos seus companheiros! Pasme-se! Então aqueles oficiais primeiro obedeceram e cumpriram “12 ordens” de um completo estranho, chegando ao ponto de cumprir a ordem mais grave que um ser humano pode dar a outro, i.e. que execute de morte outrem, e SÓ DEPOIS, Venerandos, SÓ DEPOIS lhes é apresentado o ordenador. Quão incautos, submissos e dóceis serão estes oficiais de Investigação criminal, com 30 anos de serviço na PN, jurados e sacramentados. Quanta candura neste reino de fantasia, valha-nos a Santa Amélia, padroeira dos ingénuos…!
16.º
Entretanto, os Declarantes DIAS DO NASCIMENTO e SEBASTIÃO MARTINS, perguntados se era possível a Policia obedecer ao Delegado Adjunto do SINSE, declararam:
“Entre o Sinse e a Polícia Nacional existe uma relação de cooperação institucional e não hierarquia ou subordinação, tese reafirmada pelos Declarantes Dias do Nascimento (fls. 2130 ss) e Sebastião Martins (fls. 2196 a 2200), nos seguintes termos:
Dias do Nascimento “ que os Agentes da Polícia não se subordinam aos Agentes do SINSE e sendo a lei para todos não existe justificação de um subordinado cometer um crime sob alegação de ordem superior”. E mesmo perante uma ordem superior para matar alguém pode recusar, pois conhecendo as suas obrigações e deveres, ao se recusar, poderia se defender.”
Sebastião Martins“ é quase impossível no caso concreto, os Oficiais da Polícia obedecerem a ordem de Paulo Mota na Qualidade de Delegado Adjunto, não vê como isto pode ocorrer, pois o Delegado Adjunto não é superior hierárquico dos Oficiais da Polícia.”
Esclarecendo ainda que, “numa situação concreta cada um responde diante do seu superior hierárquico que está devidamente identificado. Não se pode criar uma relação de hierarquia, porque no seu ponto de vista, da experiência e do conhecimento que tem, as relações são rígidas, reservando-se o Oficial consultar o seu Chefe, pois que existe uma distinção entre a Hierarquia Protocolar e a Hierarquia de Mando, e neste caso concreto, nem se coloca a questão da hierarquia protocolar, ou seja, a posição de um mandar e o outro obedecer e se remotamente esta possibilidade se colocasse, reserva-se então a possibilidade de buscar ratificação prévia ao seu real superior hierárquico.”

17.º
O Delegado Adjunto, co-Réu Paulo Mota confirmou em Tribunal que não recebeu nenhuma ordem e por consequência não transmitiu nada aos Oficiais da Investigação Criminal, porque não a tinha recebido;
18.º
O Agente da Polícia que efectuou os disparos também disse em Tribunal, que apenas disparou porque o seu chefe directo que se encontrava no local, Oficial Superior, lho ordenara, de contrário não o faria. Aliás ficou provado isto mesmo em Tribunal:
“ Na discussão em audiência. Nos dias 1 e 2 de Setembro de 2014, o co – Réu Tenda Daniel (a fls. 1937ss) foi peremptório em esclarecer que fez um disparo e estavam os co-réus Manuel Miranda, Luís Miranda e Paulo Mota e que o seu chefe mandou-lhe cumprir a ordem, porque eram orientações superiores. ” Continuou dizendo que “ Não disparei porque não conhecia o Paulo Mota e só disparei quando recebi a ordem do meu chefe, por estar em causa uma ordem superior.” Perguntado ainda quem matou Alves Camulingue? A esta pergunta o co-Réu Tanda Daniel foi claro no seu interrogatório do dia 1 de Setembro confessando (vide fls. 1937ss) “ Que ele fez o disparo mortal sob orientação do seu Chefe.”

19.º

VENERANDOS CONSELHEIROS,

Acompanhemos este raciocínio. Naquele factídico dia 27.05.2014:
- As viaturas utilizadas eram da P.N., os oficiais envolvidos eram da P.N., a arma utilizada é da P.N., o executor material é da P.N., o local de execução foi escolhido pela P.N., são esses agentes, oficiais da PN que obedeceram piamente a ordem do SINSE? Como se o SINSE desse ordens a P.N. ou esta estivesse desprovida de uma cadeia de comando e direcção? A experiência de vida do Tribunal impediu-lhe de chegar a óbvia conclusão que o SINSE não manda na Polícia e vice-versa, como afirmaram os dois declarantes supra citados? A experiência de vida do Tribunal levou-lhe a chegar a convicção que, mesmo depois de as operadoras de telefonia móvel (UNITEL e MOVICEL) terem afirmado que não é possível, não existe nenhum registo de voz ou SMS e ter ainda o Co-Réu Paulo Mota afirmado que não recebeu nem deu ordens, diziamos, a experiência do Tribunal, mesmo contra a prova produzida, chegou a conclusão que VIERA LOPES deu a ordem por telefone e PAULO MOTA recebeu e mandou executar que os Agentes da Polícia Nacional executaram uma ordem transmitida por um Desconhecido. Ora, não É LÍCITO a um Tribunal chegar a uma conclusão diversa da prova produzida sem apresentar nenhum fundamento declaratório ou testemunhal que sustente a sua posição. Essa postura adoptada pelo tribunal muito se parece com arbitrariedade e leviandade.  


20.º
A decisão do tribunal a quo é inqualificável,   indesejável e leviana, hoje e sempre, porque de facto não se pode conceber julgadores com postura semelhante, mormente no que tange à liberdade   das pessoas, senão vejamos:
21.º
Como o próprio Acórdão refere, ficou “suculentamente” provado que o Infeliz Kamulingue foi abordado pelos agentes da Investigação Criminal e convidado a entrar no Chevrolet Spark e conduzido para a região dos Ramiros e desta viatura saiu apenas para entrar na viatura do Manuel Miranda e quando de lá foi retirado já se encontrava na picada e de lá não saiu.
22.º
Ora, como pode então o Tribunal vir fundamentar a sua decisão sobre o interesse do SINSE com as declarações do Lourenço Sebastião, em instrução preparatória (fls 442): “A captura do Kamulingue pelo Tukayano tem caracter institucional, pois o capturado foi entregue ao declarante Lourenço e este por sua vez fez a entrega do mesmo a uma área do SINSE Provincial de Luanda”! Pasmem-se Venerandos!!! Afigura-se defensável referir que o tribunal a quo   apresenta-se num “desnorte no caso concreto”. O Tribunal veio ainda (que barbárie) dizer que o mandatário do Assistente pediu pena máxima, para VIEIRA LOPES, “QUANDO ESTE PEDIU A ABSOLVIÇÃO E ATÉ PEDIU AO JUIZ PARA TER CUIDADO E NÃO CHEGAR A CONCLUSÕES ILÍCITAS SOBRE PRODUÇÃO DE PROVA DE FACTOS COMO TELEFONEMAS E SMS’S” , Enfim….

VENERANDOS,

23.º
Como nos ensina aquela autêntica sebenta viva, o ilustre Sr. Prof. Grandão Ramos nas suas Lições de Direito Processual Penal, pág. 249 «porque formada a partir da prova produzida no processo, a convicção do julgador não é arbitrária, não pode basear-se em razões de natureza subjectiva nem é produto do voluntarismo. A convicção do juiz é uma convicção fundamentada, a partir dos dados objectivos fornecidos no processo, com vista a um objectivo específico –DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL OU OBJECTIVA, A VERDADE TAL COMO ELA, NA REALIDADE DOS FACTOS, OCORREU. Ela só é livre no sentido de que não se subordina a determinações formais exteriores. É o critério, o saber, o senso de justiça, a consciência e a clarividência do juiz que determinam, a partir da prova, a decisão do judicial.»

24.º
Na linguagem saborosa de Carnellutti “convicção é a palavra que alude a vitória e a luta: a vitória das razões do pró, face às do contra”.

25.º
A posição do tribunal deve ser de imparcialidade, O Tribunal não é parte processual. O modelo de estrutura acusatória, assume-se como garantia para o Réu, na medida em que a audiência de julgamento é o local ideal para este fazer valer, isento de coacções ou temores, todos os seus direitos de defesa, pois, em última analise, estes serão apreciados por um terceiro equidistante.
Assim,

26.º
Como pode alguém ser considerado um AUTOR MORAL, quando a natureza das funções que desempenhava obrigavam-no à recolha, análise, filtragem e tratamento, para a informação para ser conduzida para os órgãos de consumo de interesse da mesma e nesta função e neste interesse comunicou a presença do epicentro da manifestação (vide declarações da testemunha, como nós não iriamos participar, o Kamulingue já estava na cidade e a manifestação iria seguir com outras forças) e mais ficou dito e provado que não deu nenhuma ordem, pois o Co-Réu com quem interagiu afirmou que não recebeu nenhuma ordem do Delegado e por consequência não a transmitiu, assim não devia, salvo entendimento dogmático contrário, o co-Réu Vieira Lopes ser qualificado como agente do crime e muito menos como AUTOR MORAL. A responsabilidade do SINSE começou com o Telefonema e culminou com a indicação aos oficiais da Investigação criminal. Pois é a Investigação Criminal (órgão especializado na investigação de crimes e que melhor ciência têm nos actos a praticar ou não, quando tem os cidadãos detidos) aqueles que têm por responsabilidade perseguir criminosos e denunciar os crimes e instruir preparatoriamente processos, razão pela qual não há participação criminosa do Recorrente Vieira Lopes, que vezes sem conta prestou a mesma informação sobre outros manifestantes e outras manifestações sem nunca interferir no trabalho da P.N. ou “ordenar” fosse o que fosse à PN.

27.º
Por fim, Venerandos, tal como o réu ora Recorrente referiu na sua contestaçãohá que se fazer recurso à dogmática jurídico penal, explicando que os elementos constitutivos do tipo são: A acção – ilícita - que consiste   na prática de actos que contrariam a ordem jurídica O dolo – elemento subjectivo do tipo, que é a vontade ou intenção da prática do ilícito criminal.
Pois, se é verdade que os oficiais afectos à DPIC, raptaram o infeliz Kamulingue;
Se constitui verdade que Kamulingue foi morto por efectivos afectos à Policia Nacional;
O mesmo já não se pode dizer em relação à ordem para matar, pois não foi dada pelo Recorrente, tão pouco existem provas irrefutáveis de tal facto. Que o diga o co-Réu Mota.

28.º
Eventualmente, o tribunal a quo, ter-se-á   deparado com uma questão de consciência pessoal, não necessariamente legal. Ou seja, se há suspeitas, necessariamente há certeza da prática do acto criminoso, há dúvidas, então na convicção do Tribunal, seguramente o Recorrente mandou matar, é essa a triste conclusão a que se chega.
29.º
Porém, é bom de ver que a exigência de julgar baseando-se em critério de estrita legalidade, é uma imposição da Constituição, nos termos do artigo 175.º que estabelece que os tribunais e juízes no seu funcionamento devem apenas obediência à Constituição e a Lei.

30.º
Não obstante o estatuto dos Magistrado, artigo 7.º da Lei 7/94 de 29 de Abril consagrar que no exercício das suas funções, os magistrados judiciais devem obediência apenas à lei e à sua consciência (…), não significa que seja consciência voluntária. Aliás a própria Constituição já delimita, o seu poder, limitando-se à obediência apenas à Constituição e à Lei, sendo a consciência (pelo subjectvismo que suscita e seguramente suscitou no caso concreto), tida como irrelevante.

31.º
Portanto, a convicção criada pelo tribunal a quo, patrocinada pela consciência dos juízes, porque desfasadas das normas legais (direito probatório) e da Constituição não deverá ser sufragada pelo tribunal ad quem. Seguramente,   o Tribunal a quo, como não podia deixar de ser,   socorreu-se do princípio da livre apreciação da prova, para concretizar o juízo de suspeita em certeza, condenando o Recorrente. Entretanto, neste particular,   é bom de ver que entre o princípio da livre apreciação da prova e o princípio basilar da presunção de inocência, de que o “in dubio pro reo” é uma das suas várias dimensões, existe uma estreita conexão.

32.º

O princípio da presunção da inocência é um princípio fundamental num Estado de Direito Democrático, cuja função é, sobretudo (mas não só), a de reger a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção com base nos meios de prova..
Como bem faz notar Cristina Líbano Monteiro (“Perigosidade de Inimputáveis e In Dúbio Pro Reo”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1997, pág. 53), o princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, encontra no “in dubio pro reo” o seu limite normativo e “livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca de razoabilidade ou da racionalidade objectiva”.

33.º
Destarte, vistas as coisas na perspectiva que se configura, e alinhando no diapasão do Acórdão - TJ-PR - 6115991 PR 611599-1 (Acórdão) (TJ-PR) “Tem-se, portanto, uma prova nebulosa, controversa, insegura, quanto ao delito, podendo-se dizer que, quando muito, o apelante pode ser considerado suspeito, todavia, apenas indícios, ainda que veementes, não bastam para sustentar um decreto condenatório, uma vez que a probabilidade não se traduz em certeza, e não logrando êxito a acusação em produzir provas concretas de que o Recorrente concorreu para a prática dos fatos narrados na exordial, deverá ele, no caso, ser socorrido pelo vetusto princípio do in dubio pro reo, pois, como dito, meros indícios não são suficientes para sustentar uma condenação e, nesta hipótese,prefiro absolver um culpado que condenar um inocente, uma vez que para se absolver não é necessária a certeza da inocência, bastando somente à dúvida quanto à culpa.”, mais vale absolver um suspeito do que condenar um inocente;
34.º
Deve-se atender ao espírito dos direitos e princípios patentes na Constituição da República de Angola, vide n.º 1 do artigo 67.º, 72.º,   o Recorrente é inocente;

35.º
Afinal, na senda do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 14 -12-2010, 1 – o princípio “in dúbio por Recorrente” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgado uma dúvida positiva e invencível a sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do Réu, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.

36.º

Notório é o erro indiscutível, facilmente perceptível pelo comum dos observadores, que é facilmente cognoscível pela generalidade das pessoas, de tal modo que não haja motivo para duvidar da sua ocorrência. Há erro notório “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória , ou notoriamente violadora das regras da experiência comum , ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida” (acórdão do STJ de 04.10.2001 (CJ/AcSTJ, IX, T. III, 182.
37.º
Reconhece o Recorrente que a apreciação do Tribunal Supremo, Ad quem, sobre a eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o Réu, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o Réu que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

36.º

Afinal, no tocante ao princípio da livre apreciação da prova, “o mesmo não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» –, de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.” – Cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 202-203.
“Em idênticos termos aos acima consignados também a livre apreciação da prova está sujeita ao controlo do tribunal de recurso, ainda que este conheça somente de direito, sempre que a violação do princípio da objectividade for evidente, sem necessidade de outras indagações probatórias. ”in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, SJ200903120017693, de 12 de Março de 2009.

37.º
Por fim, expressa o sentido da jurisprudência in Tribunal da Relação de Coimbra, 1058/08.0TACBR.C1, de 25 de Março do ano 2010 “ O tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o Réu não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
  1. Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.
  2. Da conjugação de provas materiais, concretizadas e objectivadas, com outras indirectas e de cariz meramente indiciário, pode o tribunal formular uma conclusão em termos de determinar o modo como o pedaço da realidade em equação efectivamente sucedeu, sua motivação e intencionalidade e quem são os seus agentes, sem que, com isso, sejam postergadas as regras aplicáveis ao processo subjectivo de formação da convicção do julgador, por um lado, e as garantias constitucionais do Réu, por outro.
  3. O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 67.º, n.º 2, da Constituição da República de Angola.” – o sublinhado é nosso.

VENERANDOS CONSELHEIROS,
38.º
Em síntese, pede-se que a decisão recorrida seja revogada e decretada a inocência do co-Réu, por não ser Autor Moral, nem ter dado causa aos factos, justamente porque:

  1. A Delegação do SINSE em Luanda tem cerca de 500 (Quinhentos) profissionais de inteligência, pelo que para atentar contra um colaborador secreto não seria necessário fazê-lo com o auxílio de outras forças (policiais);

  1. Alves Kamulingue era Agente Secreto desde 2010, com ficha devidamente preenchida na Delegação e cabia ao Tribunal, por dever de ofício, dar nota ao SINSE para a confirmação desde facto para fazer prova em juízo, pois a defesa tentou e não recebeu nenhuma resposta;

  • O SINSE não tinha nenhuma razão para atentar contra ALVES KAMULINGUE, pois que este era um seu agente operativo infiltrado nos movimentos de cariz político-subversivo, e prestava um serviço de relevante importância;


  1. Se o Comandante Provincial da P.N. em exercício não tivesse solicitado força da Investigação Criminal, Alves Kamulingue, não estaria morto, atentem Conselheiros que foi da iniciativa dele o envio da Investigação criminal, quando a solicitação foi de força policial para o perímetro;

  1. O Delegado Adjunto do SINSE é CIVIL, não pode dar ordens a um Oficial Superior da Policia, AINDA MAIS uma ordem para matar e este cumprir; bem como entre o SINSE e a PN não existe um elo de hierarquia e cada um obedece a sua estrutura de mando;

  1. Durante o julgamento, as declarações dos três Oficiais da Policia, que executaram o acto, valeram mais que a palavra do Delegado e Delegado Adjunto do SINSE e do Oficial da Polícia que executou os disparos mediante ordens directas do seu superior, conforme declarou em Tribunal;

  • Os Serviços de Inteligência e Segurança do Estado fizeram o seu trabalho ao informar a Polícia quem eram os protagonistas da manifestação e que estas manifestações trazem sempre um receio de vandalismo e da perturbação da Ordem Constitucional e Pública, pelo que cabia, como sempre coube e ainda tem cabido a P.N., o acautelamento dessas situações de perturbação social.

Termos em que requer que a decisão recorrida seja revista e esta Câmara do crime absolva o Co-Réu da pena em que veio condenado em primeira instância.


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