OPINIÃO
27 Novembro 2015
No próximo dia 27 de Novembro de 2015, completar-se-ão exactamente 26 anos sobre a data da morte do nosso saudoso Padre Cyr Crettaz, um ícone da Paróquia de São Miguel Arcanjo cuja vida foi toda ela dedicada à Paróquia que tanto amava.
Por: Nataniel Vicente Barbosa e Silva
Nascido em Valais-Suíça, a 10-02-1912, chegou a Cabo Verde no ano de 1948. Trabalhou inicialmente nas Paróquias de Santo Amaro Abade, Santiago Maior-Pedra Badejo e finalmente em São Miguel Arcanjo-Calheta - onde viria a falecer conforme era o seu desejo. Um grande obreiro como realçou o Padre Nuno Miguel da Silva Rodrigues, alguns anos atrás na sua passagem pela Paróquia de São Miguel Arcanjo.
A realização de um sonho
A construção de uma igreja num dos pontos mais elevados da povoação de Calheta nos anos 60, considerada na altura como uma das mais importantes da ilha de Santiago privilegiada por uma ampla vista panorâmica do mar, foi muito provavelmente um dos velhos sonhos do Rev. Padre Cyr Crettaz - uma obra que viria mais tarde a mudar completamente a imagem de Calheta São Miguel. Hoje esta igreja está totalmente restaurada e modernizada, à semelhança das outras igrejas católicas existentes no arquipélago.
O Padre Crettaz foi sem dúvida um grande homem de acção. Um estrangeiro que se adaptou aos nossos hábitos e costumes e fez de Calheta São Miguel a sua própria Valais - que foi o seu berço, natal como já foi mencionado em outras crónicas (aqui publicadas). O povo de São Miguel jamais esquecerá o seu grande contributo para o desenvolvimento da Paróquia de São Miguel.
Padre Crettaz - um sonhador constante
Não se pode descrever naturalmente a vida de uma pessoa, mesmo que seja de forma abreviada e ligeira sem se debruçar sobre os seus traços característicos. Padre Crettaz foi realmente uma pessoa com uma boa compleição física, em contrapartida, muito pacífico revelando-se por vezes até um pouco tímido mas muito determinado, ousado e sonhador, à noite projectava e de dia executava. A igreja paroquial e outras obras por ele levadas a cabo falam por si. Urge pois, realçar que a igreja paroquial foi arquitectada e construída pedra a pedra sob a sua direcção. Hoje, totalmente remodelada, é um dos melhores templos existentes em Cabo Verde. Padre Crettaz foi sem dúvida um homem multifacetado. Tinha tanto gosto pela música como pelo teatro e um grande espírito de humor. Dotado de uma excelente capacidade de escrita. Lia muito, tinha uma distinta caligrafia que fazia inveja a qualquer um.
Apesar de todos estes atributos foi uma pessoa simples, afável e de fácil trato, sensível e devoto, um facto que muita gente ignora. Nunca iniciava uma missa sem antes mandar rezar um terço. Tinha um grande poder de comunicação, as suas prédicas eram simples e práticas, o que despertava muita atenção aos fiéis. Dominava tanto o crioulo como o português, mas preferia transmitir as suas mensagens sempre em língua de Camões com forte sotaque do francês, a sua língua materna. Padre Crettaz, como ficou acima referenciado, foi uma pessoa muito extrovertida: conta-se que a um homem que estava a preparar-se para os exames da “desobriga” - mas tinha dificuldades em decorar alguns pontos básicos para o exame -, o padre, para o experimentar, pergunta-lhe: Dego, bu sabi ken e Deos? O homem após uma ligeira reflexão responde: -Nhu padri, N sabi ma Dioz ten, mas kenha e el, go, N ka sabi. O padre continuou examinando o homem, atirando-lhe com esta: _Si N purgunta-u: _O que é Veneza?_ Kel bu ta rispondi? Ripostou o homem de imediato: _Benexa go N sabi. Concluiu: _Benexa e sentru di ranboia di badju i batuku. Como era tempo de Quaresma, designado por tempo de desobriga, pode entender-se na linguagem doutrinal como tempo de reconciliação com Deus), o padre achou a sua resposta muito interessante, concisa e bem enquadrada mesmo que ela nada tivesse a ver com o tema proposto. Perante essa circunstância inusitada, o padre despachou o homem com nota positiva, isto é, apto para a sua almejada desobriga.
A nossa querida Veneza na verdade passou hoje de centro de “rambóia” para uma zona ainda mais atractiva em franco desenvolvimento contando já com algumas importantes infraestruturas, nomeadamente, um Centro de Saúde, um Estabelecimento Liceal, Câmara Municipal e com uma boa projecção para o futuro. Ora, Veneza, na altura, recordando o meu compadre Dego era efectivamente uma zona de “rambóia” de baile e batuco, muito agitada nos fins-de-semana, o que lhe valeu a alcunha de “Bissau”. Coisas do passado! Voltando ao tema do artigo, urge ainda salientar que o Padre Crettaz foi um hospitaleiro por excelência, dava guarida sem olhar a quem, a qualquer pessoa que por um motivo ou outro vinha de fora prestar algum serviço na Calheta.
Foi um conselheiro e um grande educador. Apreciava muito a vida da juventude. Uma das coisas que me ficou na mente é aquele “encontro mensal com jovens da Calheta” após a missa nos primeiros domingos de cada mês em que, durante o encontro, nos alertava sobre certos perigos da juventude. Usava um truque interessante para nos colocar de forma desinibida na reunião, levava maços de cigarros e distribuía a cada um o seu cigarrito para fumar durante o encontro. Ele por sua vez puxava do seu charuto, mandava o fumo para o ar enquanto a rapaziada ia-se entretendo conversando, rindo, fumando, mandando também o fumo para o ar à gente grande. Coisas da juventude!
Tinha evidentemente os seus defeitos, como todo o mundo os tem: Chateava-se depressa. Mas recompunha-se logo, não guardava rancor a ninguém. Foi um homem muito notável tanto dentro como fora de Cabo Verde. Nenhuma entidade pública do Estado português passava por Calheta em alguma visita sem primeiro passar pela Paróquia. Estávamos então no ano de 1969/70, altura em que as visitas de altas figuras do Estado e da Igreja eram frequentes, era ele quem recebia essas personalidades. Bem, fico-me agora por aqui, prometo voltar ao tema numa próxima ocasião. Honra e glória ao sempre lembrado Padre Cyr Crettaz.
Ad aeternum.
Tarrafal, aos 23 de Novembro de 2015
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