domingo, 20 de setembro de 2015

Sobre o imperativo de vencermos

Carta a muitos amigos

Há umas semanas o Parlamento da Guatemala decidiu quase unanimemente levantar a imunidade do Chefe de Estado Otto Pérez, acusado de corrupção. O Tribunal já ordenou a detenção. A Justiça nos dirá se inocente ou culpado, assim Bravo!
Vemos a China mostrar-se implacável contra a corrupção dos mais altos dirigentes que pisam o risco da idoneidade. Bravo!
A coragem dos parlamentares e dos tribunais guatemaltecos e dos chineses deveria fazer eco em muitos países do Primeiro Mundo e, sobretudo, em África, em Moçambique.
Na província onde me encontro neste momento em que escrevo, ouvi Mia Couto no seu doutoramento honoris causa. Antes ouvira as declarações e desafios apresentados por Castel-Branco no seu julgamento.
Ambos demonstraram nas intervenções quanto prezavam os princípios defendidos pela FRELIMO e o seu desgosto e revolta contra o atropelo dos valores preconizados, a infâmia do enriquecimento ilícito, da normalidade do pedido de refresco do polícia na rua à solicitação do suborno por funcionários e dirigentes, para que não se extraviem documentos e se defiram requerimentos legítimos. Como reza a piada, preciso de um patrocínio para me tornar honesto!
Conheço os que chegaram à Assembleia da República e ao CC da FRELIMO pela via da compra de votos e de consciências.
Sinto-me repugnado, mas não me arrependo de haver entregado quase toda a minha vida à causa da libertação da terra e dos homens, à causa da Pátria e do Povo. Moçambique merece honestidade, dirigentes e servidores honrados no Estado, nas forças políticas. Basta de ganância! Basta de abuso dum povo que merece melhor!
Acrescentarei basta de explicações mal dadas, de fugas à verdade, de desculpas com falta de orçamento. A falta de orçamento faz parte das desculpas que chovem quotidianamente sobre nós quando se esbanjam rios de dinheiro em ostentações e pouco se reserva para o essencial. Os estúdios da RM em Tete estão a cair, mas um banquete da RM 1,2 milhões de MT!
Estive num encontro onde se discutia a preservação das memórias das nossas lutas, com ênfase nas de libertação e a manutenção e valorização dos monumentos e locais sobre a luta dos nossos antepassados, sobre o combate libertador e até os crimes do colonialismo.
Em Maputo não se precisa de ir longe, basta olhar para o estado de abandono e degradação da Vila Algarve, onde a PIDE torturou e assassinou tantos mártires do combate pela pátria. Há muitos anos que ouvimos que se vai reabilitar e aí se instalaria um museu dos horrores da PIDE. Depois disse-se que para lá iria a Ordem dos Advogados, agora nada se sabe senão que tudo está nas águas de bacalhau.
Veja-se o Museu da Revolução, fechado faz vários anos, quiçá porque nele não se reflectia a grandeza de quem nos governava e que entendia que, como o sol manda a sua luz para os planetas, assim o seu ego e auto estima deviam iluminar a História da pátria e da revolução. Havia pois que refazer e repensar o Museu.
Agora que desapareceu o sol, de que estamos à espera? Que lá se instale uma nova igreja, demolir-se tudo e construir mais um prédio, outra negociata? Dispensamos e matamos o Museu que retracta a saga da libertação nacional, de Mondlane e Samora que as dirigiram?
Quantas escolas e pais levam alunos e filhos aos Museus de Arte, Geologia, História Natural, Moeda? Casa Malangatana ou Chissano? Só lá devem ir turistas? Como educar o gosto e fomentar a cultura se escolas e pais abstêm-se dessa tarefa? Só desculpas sobre falta de patrocínio, até para os pais? Nenhuma empresa apoiará a ida a um museu num autocarro?
No encontro que mencionei ouvi que todos se esforçavam, tudo faziam e etc. Mas as crianças da nossa terra pouco aprendem sobre a nossa História.
Uma fortaleza queixou-se o representante do sector estatal pertinente, comerciantes a haviam ocupado! Secretamente? Com túneis invisíveis? À revelia do bairro, do município, do administrador da cidade, do Governo, da polícia? O que faz a autoridade perante essa ocupação pelos comerciantes? Imaginam a Torre de Londres ou o Castelo de São Jorge em Lisboa ocupado pelos justamente designados como vendilhões do Templo?
Massacre de Wiryamu ocorreu a poucos quilómetros da capital provincial de Tete. Pergunto à OMM, à OJM, ao Partido FRELIMO, à educação quantas crianças, mulheres, jovens, militantes e cidadãos comuns se levam a visitar o local e a prestar uma homenagem aos mártires? Claro que todos me vão responder que por um lado não dispõem de meios e por outro algo se vai fazendo, embora ninguém o possa testemunhar.
Esquecem-se que o tempo do tudo vai bemestamos a fazer está ultrapassado desde que surgiu um novo timoneiro no Estado e no próprio Partido FRELIMO. Até este momento o Homem quer factos e não apenas meros relatórios e declarações de boa vontade.
Desculpas para esconderem inércia, incompetência, falta de imaginação, carência de iniciativa, burocratismo? Há que dizer em alto e bom som, basta! Falem com as empresas locais e alguma facilitará o transporte. Basta de queixumes para o nada se fazer.
Falam-me que o Turismo deverá valorizar esses locais.
Não se começa pelos habitantes locais pois necessitamos que, de fora os turistas nos venham ensinar a importância e o conteúdo desses marcos da História e da Cultura.
Alguém me perguntou se valia a pena erguerem-se monumentos a Samora nas capitais provinciais e marcar os locais de nascimento de X ou Y.
Respondi que tal só importava se as pessoas que vivem no local estiverem conscientes e claras sobre os feitos que determinaram a construção dos monumentos e marcos. De outro modo isso torna-se um sítio como qualquer outro.
Retirou-se a cadeira de educação política dos curricula. Justo. Mas importa que se dê conteúdo à História de Moçambique, da sua libertação, da construção do Estado. Dever-se-ia introduzir a educação cívica. De todo o modo se à escola cabe a instrução, à família cabe a educação, as boas maneiras, o respeito pela sua sociedade começando pela casa e pela rua. Valorizar a saga de Moçambique.
Estou cansado das lamúrias sobre a ignorância da juventude sobre a nossa História.
Mais do que carteiras importa repensar os conteúdos do ensino, a formação dos professores, a exigência nos diplomas, sobretudo quando nos informam em alto e bom som e letra impressa que mais de metade das teses estão eivadas de plágios.
Teses com plágios e diplomados na aparência, vigaristas com títulos académicos! Precisamos mesmo disso? Sentimo-nos bem assim?
Dizemos que a Luta Continua! Não deixemos que isso se torne um mero slogan para embalar as crianças e ignaros.
Há que lutar para vencer. Necessitamos de vencer. Não podemos deixar que apodreçam os nossos sonhos e atirados para a lixeira os sacrifícios enormes que consentimos. Ergamos as nossas vozes sem ser nos cafés e bares, marchemos nas ruas contra o mal que se faz contra o povo e a pátria, contra a imundice que nos lançam vestida de palavras bonitas. Somos gente que luta, gente que quer um futuro melhor para os filhos e netos e o país. Um abraço para a luta e vitória!
P.S. Pela manhã alguém acorda no Malawi ou Suazilândia e decide navegar o Zambeze em Moçambique ou abrir um canal que ligue o Reino ao Índico. Moçambique de nada sabe, senão o que lê nos jornais. Algum consumo de soruma ou álcool nesses dirigentes? Acordem!
Um abraço ao diálogo e seriedade,
SV
O PAÍS – 15.09.2015

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