15/09/2015
Sua Excelência Magno Chanceler da Universidade Católica de Moçambique,
Sua Excelência Magnífico Reitor da Universidade Católica de Moçambique.
Distintos Membros do Corpo Docente e Discentes
Saúdo:
Ao meu irmão Presidente Chissano,
A minha prima Governadora de Sofala,
Ao meu primo Presidente do Conselho
Municipal da Beira,
Distintos Titulares e Representantes de Órgãos de Autoridades Administrativas, Académicas e Religiosas,
Senhores Membros da Comunicação Social,
Prezados Convidados,
Minhas irmãs e Meus Irmãos,
Excelências,
Estamos hoje aqui para celebrar 20 anos de vida de uma instituição que tem contribuído, e deve continuar a contribuir, para a reconciliação nacional e para o desenvolvimento da sociedade em Moçambique.
A Universidade Católica promove valores civilizacionais e pratica a disseminação de
conhecimentos científicos que são indispensáveis, uns e outros, à consolidação de uma cultura de Paz e Democracia em Moçambique.
Não haverá Paz que não se funde em valores democráticos enraizados nos cidadãos e nas instituições do Estado.
Nem haverá verdadeira Democracia sem a promoção concreta dos princípios fundadores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, consagrados no seu Artigo Primeiro:
«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.»
Porque estamos numa instituição de inspiração cristã, e porque a Paz é um bem a que os Moçambicanos aspiram mas que tem estado permanentemente em risco, permitam-me recordar um pensamento do «legislador, doutor e mestre supremo» de toda a Igreja Católica Romana, o Papa Francisco:
«A paz é um bem que supera qualquer barreira, porque é um bem de toda a humanidade.»
Nada mais verdadeiro, não é?
Então, porque deixar que interesses particulares ou sectários, fundamentalismos religiosos ou ideológicos, ou apenas o inefável, mas criminoso apego ao Poder de um homem ou de um grupo de homens levem nações inteiras para o pântano da guerra e da violência?
Sabemos como é fácil entrar nesse pântano, mas nãosabemos nunca como e quando vamos sair dele!
A nossa pátria tem uma história marcada pelo desencontro dos interesses privados com o interesse público.
A Paz é um bem para todos nós.
Mas alguns entre nós não se mostram disponíveis a dar os passos necessários para a prática efectiva de políticas de Paz, já que tal implicaria uma partilha democrática de Poder.
Enaltecem a Democracia nas suas palavras, mas, pelos seus actos, tornam irrelevante essa mesma Democracia.
Regresso uma vez mais às palavras do Papa Francisco:
«Apenas os que dialogam podem construir pontes e vínculos.»
Em Moçambique, ao longo de mais de duas décadas — mais portanto do que os 20 anos da Universidade Católica de Moçambique que aqui celebramos— construímos pontes através do diálogo entre irmãos que se enfrentaram pelas armas.
Mas infelizmente não criámos os vínculos que garantem a Paz e a convivência democrática entre irmãos.
Este diálogo tem sido como o encontro estéril da semente com uma terra seca.
Bem podemos esperar que a semente concretize a sua vocação de planta, de flor, de fruto.
Se não lhe dermos a água e as chuvas não vierem, nada acontecerá...
As pontes que construímos precisam de gente que as atravesse com vontade efectiva, sincera e empenhada de estabelecer vínculos duradouros para o entendimento entre os irmãos.
Foi também para aqui convidado o meu irmão Joaquim Chissano, que estreitei nos braços em 1992, com o sonho de estar sólida e segura a ponte que construíramospara a paz, depois de um período longo e difícil de diálogo.
Mas tantos anos depois, digo a todos... eis que ainda há dois dias, uma vez mais, me tentaram matar.
A ponte tremeu, eu sobrevivi e aqui estou, pronto uma vez mais para o diálogo.
Mas é necessário mais do que palavras.
São precisos actos.
É preciso que, no Estado, se pratique a alternância e a partilha de Poder que são os filhos naturais da Democracia.
Também no caso de Moçambique, como em qualquer outro Estado de Direito do Mundo, só assim se criarão os vínculos de que nos falou o Papa Francisco, os compromissos e os mecanismos de consolidação da Paz!
Neste processo, o papel da Universidade é fundamental.
A Universidade não é apenas um sistema escolar, com professores e alunos.
A Universidade é um centro vital de renovação e vivificação de valores e conhecimentos.
No processo de pacificação, democratização e desenvolvimento da sociedade, a Universidade desempenha um papel essencial.
Moçambique além de um grande país... é um país grande!
Temos muito território e populações muito espalhadas por esse território.
Infelizmente, esta diversidade étnica e territorial é o cenário de graves desequilíbrios sociais, bem evidenciados no mapa das infra-estruturas educativas.
Até à criação da UCM, o ensino superior estava concentrado na capital.
Graças às novas condições criadas pelo Acordo Geral de Paz de 1992, a Universidade Católica de Moçambique pode instalar-se no Centro e Norte de Moçambique, de alguma forma começando a dar substância a um dos objectivos da nossa luta: dar aos jovens moçambicanos oportunidadeS iguais de acesso ao ensino superior, independentemente da sua origem étnica ou geográfica.
Hoje, existem mais de 50 instituições de ensino superior (públicas e privadas) em Moçambique.
Mas grande parte delas continua inacessível aos filhos do povo.
Os custos associados à frequência de um curso superior são inacessíveis para a esmagadora maioria das famílias moçambicanas.
Há que enaltecer o esforço da UCM em facilitar a vida a muitos estudantes, pois abre as suas portas para que estudem independentemente das suas posses.
Mas ainda é uma gota no oceano, diante das necessidades em quadros do nosso país e face às justas aspirações da nossa juventude.
Seria para mim motivo de muita alegria que aUniversidade Católica de Moçambique abrisse maisfaculdades, novos pólos desconcentrados e continuasse a sua expansão territorial.
Moçambique precisa de uma nova geração de quadros qualificados, quer no sector público quer no sector privado.
Esta é a exigência fundadora de uma nova ecologia social, económica e política.
Terão de ser jovens formados com rigor e competência, num quadro de valores sólidos sem cedências no plano da defesa e promoção do Estado de Direito, da Democracia e da Igualdade.
Competências técnicas e científicas devem acompanhar as competências sociais e emocionais que levem Moçambique para um novo patamar de Desenvolvimento e de Cidadania.
Precisamos de juristas que produzam leis correctas, adaptadas à nossa realidade e estruturantes de um regime democrático de relações sociais e económicas equilibradas.
Precisamos de juízes e magistrados judiciais competentes no conhecimento das leis, mas também independentes de interesses particulares, libertos de pressões ou sujeiçõespartidárias.
Precisamos de médicos e enfermeiros cujo saber não seja apenas a técnica do diagnóstico ou da cura, mas também um humanismo que os capacite para interagir de forma preventiva e pedagógica com as populações carenciadas.
Precisamos de economistas que saibam fazer contas e projectar cenários, mas que não sejam escravos do dinheiro ou dos senhores do dinheiro, qualquer que seja a cor da sua pele ou a sua doutrina financeira.
Precisamos de professores dedicados, apaixonados pela missão de ensinar, sensíveis às condições de vida das crianças e dos jovens para cuja promoção social estão a contribuir.
Precisamos de militares e de agentes policiais exímios no manejo das armas e no domínio de estratégia e táctica, tanto quanto na protecção e segurança das populações, com um bom conhecimento das leis da República, educados no respeito pelos princípios dos Direitos Humanos, dos preceitos da Constituição e do primado da Lei sobre a força bruta.
Precisamos de engenheiros civis e agrários, químicos e informáticos, que dominem o estado da arte das suas áreas de conhecimento, mas que não percam nunca de vista que os esforços de modernização não podem ser actos isolados e dispersos.
Só um plano concertado e sustentado de desenvolvimento, com uma estratégia bem desenhada, num quadro de redistribuição das nossas riquezas, nos levará a recuperar do atraso global que nos amarra à pobreza.
Não falo de outros profissionais que a Universidade também forma, para não abusar do tempo que generosamente me deram para expor as minhas ideias.
Direi apenas que, mais do que técnicos e profissionais, deve a Universidade formar Homens e Mulheres, cidadãos plenamente conscientes dos seus direitos e dos seus deveres, súbditos de uma Nação Democrática que espera que eles sejam a força transformadora rumo a um futuro melhor para o povo Moçambicano.
Excelências,
Com a abertura das suas portas a jovens carenciados, a Universidade Católica de Moçambique contribui para que esses jovens possam, terminado o curso superior, trabalhar para a ascensão social das suas famílias, das suas comunidades e do país em geral.
São eles que chamarão a atenção dos agentes do Estado para as injustiças e para as más práticas, levando-os a mudanças na sua forma de actuar.
Haverá mais cidadãos, competentes e bem formados,exigindo uma boa governação e uma democraciaverdadeira.
Se esta Universidade Católica é fruto da Paz que começámos a construir em Moçambique com o Acordo Geral de Paz de 1992, esse acordo também é fruto do esforço de intermediação da Igreja Católica, que graças a esse acordo passou a ver respeitadas em todo o território nacional a sua missão e existência.
É lamentável que aqueles que comprometeram a sua palavra em Roma, e mais recentemente no Maputo, com promessas de respeito pelas regras da Democracia, apenas levem esse compromisso até ao limite da partilha e alternância no Poder.
Não é Democracia realizar eleições ciclicamente, sem transparência, onde os resultados são manipulados milimetricamente para que um determinado partido «vença» e conquiste os lugares de efectivo poder, mantendo os instrumentos de gestão e de segurança do Estado, incluindo os judiciais, sob o controlo dos militantes e dirigentes desse partido.
Sob a capa de um regime de multipartidarismo parlamentar, vivemos num Estado de partido único.
Não é uma originalidade de Moçambique, como infelizmente todos sabemos, sobretudo em África.
Mas assume aqui contornos especialmente perversos, porque as eleições são ganhas manipulando os processos, através da instrumentalização de um aparelho de Estado que se confunde com o aparelho partidário da Frelimo, perante a passividade frustrante dos observadores internacionais.
Observadores que constatam e denunciam as irregularidades, mas no final sancionam os resultados!
Minhas irmãs e meus irmãos,
Como já referi, fui alvo há dois dias de um atentado testemunhado pela imprensa, perpetrado por agentes policiais com a farda de uma força de segurança do Estado.
Num Estado de Direito, seria suposto que esses agentes velassem pela minha segurança enquanto simples cidadão.
Sabendo quem sou e o lugar que ocupo no sistema político moçambicano, seria suposto que essa protecção fosse reforçada, como acontece em qualquer regime democrático.
Mas em Moçambique não é assim.
Quando vemos aproximar-se um agente das forças de segurança, não esperamos protecção.
A grande maioria sente-se ameaçada.
Esses agentes, pagos pelos impostos do Povo Moçambicano estão ao serviço de quem?
Não estão ao serviço do Estado de Direito, porque também eu, enquanto líder, sou parte desse Estado que é suposto servirem.
Eu não represento uma ameaça para o Estado de Direito.
Mas represento uma ameaça para a Frelimo.
É fácil concluir que aqueles agentes agiram em obediência a instruções da Frelimo.
Não são agentes de um Estado de Direito.
São agentes da Frelimo, são agentes do Estado da Frelimo, o Estado de partido único que foi instalado pela Frelimo e é mantido por força da constante violação das regras mais elementares da vivência e convivência democrática!
Lamento que estas reflexões venham ensombrar o discurso que eu vinha aqui fazer, e que era sobretudo um discurso de esperança, inspirado no grande exemplo de Cidadania que nos foi dado neste últimos 20 anos pela Universidade Católica de Moçambique.
Mas não é iludindo os problemas que os resolvemos.
Se uma Universidade é um foco de luz que ilumina os caminhos que trilhamos, sobretudo quando as trevas teimam em persistir para lá da hora da prometida alvorada, peço à UCM que continue o seu trabalho, que expanda os seus horizontes e leve o ensino superior a mais cidades e cidadãos deste nosso martirizado país.
Até que o ciclo natural da vida se cumpra em Moçambique, sem violência nem sobressaltos.
As sementes serão árvores e as árvores darão frutos.
Os moçambicanos viverão em Paz e escolherão livremente quem os governe, ora de um partido, ora de um outro.
As crianças irão à escola a far-se-ão homens e mulheres, cidadãos e cidadãs de corpo inteiro, no uso de todos os seus direitos, conscientes de todos os seus deveres para com a sua Pátria e o seu Povo.
Todos circularemos em segurança, nas ruas e nas estradas, sem medo de emboscadas.
E teremos um Estado que nos assegura Saúde, Educação, Justiça, trabalho digno, igualdade de oportunidades para todos.
Eu sei que não é para amanhã.
Mas é o nosso amanhã.
O amanhã de Moçambique e dos Moçambicanos.
Saibam que não baixaremos os braços, que não deixaremos de lutar!
Contem com a nossa energia, com a nossa determinação e com a nossa coragem, até esse dia chegar!
Beira, 14 de Setembro de 2015.
Afonso Macacho Marceta Dhlakama.
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