É preciso avaliar se entre os cerca de 11 mil cadáveres de prisioneiros torturados fotografados em Damasco por um ex-polícia militar sírio haverá algum francês, ou franco-sírio, para o processo avançar.
O trabalho que César tinha na Síria, entre 2011 e 2013, era horrível: tinha de fotografar pormenorizadamente todas as feridas, nódoas negras e outros sinais de maus-tratos de prisioneiros do regime de Bashar Al-Assad que tinham morrido em cativeiro, vítimas de tortura. Quando fugiu, para França, trouxe fotos de 11 mil desses cadáveres. Agora, França lançou um inquérito oficial que poderá levar à abertura de um processo por crimes de guerra contra o Presidente sírio.
César é o seu pseudónimo. Ninguém sabe como se chama este ex-polícia militar que entrou em contacto com a oposição, para fugir do país com 55 mil fotos de 11 mil prisioneiros que são provas da metódica burocracia da crueldade do regime. As fotografias que estava encarregado de tirar todos os dias, nas morgues dos hospitais militares de Mezzeh e de Teshrin, em Damasco, tinham um duplo propósito.
Por um lado, serviam às autoridades de Damasco para produzirem uma certidão de óbito para as famílias – sempre por “problemas respiratórios” ou “ataque cardíaco” – e, por outro, para os torturadores as juntarem aos ficheiros dando prova à hierarquia de que tinham cumprido a ordem de matar os prisioneiros. A sua história é contada pormenorizadamente no livroOpération César - Au coeur de la machine de mort syrienne [algo comoOperação César – no coração da máquina de morte síria], da jornalista Garance Le Caisne, que será publicado em França a 7 de Outubro, diz a AFP.
Estas fotos, analisadas por um ex-procurador do Tribunal Especial para a Serra Leoa, Desmond de Silva, e por dois outros procuradores de tribunais de guerra – Geoffrey Nice, ex-procurador chefe da acusação a Slobodan Milosevic no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, e David Crane, que acusou o Presidente Charles Taylor da Libéria no tribunal da Serra Leoa – têm sido mostradas na ONU, no Parlamento Europeu e outros fóruns internacionais, desde Janeiro de 2014, quando César revelou a sua existência, já em França. Mas a possibilidade de serem usadas num processo do Tribunal Penal Internacional contra Assad tropeça no problema de a Síria não ser membro deste tribunal.
O inquérito francês, iniciado a 15 de Setembro por indicação do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Paris, atribuiu a investigação do processo ao Gabinete Central de Luta contra os Crimes contra a Humanidade, Genocídios e Crimes de Guerra.
No entanto, o processo só poderá avançar em França se entre as vítimas de Assad – presumivelmente, entre os 11 mil mortos das fotos de César – se encontrar um francês ou um franco-sírio. Só assim a justiça francesa poderá ser competente para um tal julgamento, explica a rádio Europe 1.
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