(José Gomes Ferreira, Expresso Diário, 17/04/2015)
Não percebo como é que se explica aos contribuintes que a sobretaxa de IRS tem de continuar até 2019 e a contribuição extraordinária das empresas da energia acaba dois anos antes.
Defendi a Austeridade do plano da Troika. Não era uma opção. Era isso ou a falência do país e a miséria por muitos anos.
O plano do Governo para acabar com ela é uma trapalhada.
A Ministra das Finanças anunciou esta semana que o objetivo de um défice estrutural de apenas 0,5 por cento do PIB vai ser conseguido em 2016, um ano mais cedo do que estava previsto.
Defendi a Austeridade do plano da Troika. Não era uma opção. Era isso ou a falência do país e a miséria por muitos anos. O plano do Governo para acabar com ela é uma trapalhada
Ótimo! Vantagem para o país, que alterou radicalmente a sua situação financeira em relação a 2010: se não fossem os juros a pagar pela dívida pública, o Estado já estava a dar lucro contado por milhares de milhões de euros.
A vitória deve ser atribuída aos esforços de todos, contribuintes, trabalhadores, empresários; mas também à determinação do Governo e à teimosia do Primeiro Ministro. Se Passos Coelho tivesse desistido, e razões não lhe faltaram a começar pelas birras do parceiro de coligação, teríamos ido para um segundo resgate, muito pior que o primeiro em austeridade.
O mesmo Governo que apresenta este resultado inegável, revela ao país um plano para os próximos quatro anos, cheio de contradições insanáveis.
Pedro Passos Coelho quer baixar a contribuição para a segurança social sobre os salários dos trabalhadores a cargo dos patrões. Diz que vai usar a flexibilidade do tratado orçamental para o fazer, assim que o país sair do Procedimento por Défice Excessivo no final deste ano. Não explica aos portugueses que uma baixa de um ponto percentual da TSU de 23,75 por cento a cargo dos patrões representa um rombo de 400 milhões de euros na receita da segurança social. Quando os jornalistas pediram os números e as explicações ao Primeiro-Ministro, o gabinete remeteu para o Ministério das Finanças. Maria Luís Albuquerque nem queria acreditar quando soube deste jogo de empurra, porque não foi a autora da ideia nem lhe foi pedido para estudar o seu impacto. Por isso não a detalhou no Programa de Estabilidade a apresentar em Bruxelas este mês. Na conferência de imprensa de apresentação do Programa de Estabilidade e do Plano Nacional de Reformas deixou claro que esta não é uma prioridade para o Ministério das Finanças.
Pelo contrário, Maria Luís Albuquerque anunciou ao país que o Governo mantém a intenção de obter poupanças de 600 milhões de euros no sistema de pensões, seja em cortes de pagamentos seja por outra via (como o aumento do IVA ou a subida da TSU a cargo dos trabalhadores, que já estavam previstos há cerca de uma ano). Mais, a Ministra das Finanças disse que era necessário fazer a reforma do Estado para poupar mais 400 milhões de euros em gastos públicos. E assim, já estamos a falar de 1000 milhões de euros de austeridade que ainda é preciso fazer, que se agravará em mais 400 milhões de euros com a descida de um ponto percentual da TSU a cargo dos patrões, e em muitos mais milhões de euros ao longo dos próximos anos se a ideia de aplicar um plafond aos descontos dos novos trabalhadores for aplicada tal como foi referida pela mesma ministra das Finanças esta quarta-feira.
O Governo (ideia vinda do CDS) insiste na proposta de impor um teto máximo para as reformas dos novos trabalhadores, o que significa que os respetivos DESCONTOStambém vão ser limitados e assim baixar o conjunto dos descontos para um sistema que, num país envelhecido, precisa cada vez mais do contributo dos jovens trabalhadores para pagar as reformas dos velhos.
Passos Coelho insiste na intenção de baixar a TSU para os patrões. Nem por um momento admite que esta baixa vai ser um verdadeiro euro milhões para a banca, as seguradoras, o setor financeiro em geral
Passos Coelho aceitou esta ideia peregrina de Paulo Portas e de Mota Soares, que mais não fará do que descapitalizar o sistema e gerar contribuições para sistemas privados de capitalização, geridos pelas seguradoras e pelos bancos. Quando esses fundos privados rebentarem, como já rebentaram muitos pelo mundo fora, poucos poderão levantar a voz e dizer que avisaram. Por mim, conto estar entre esse grupo que falou a tempo de evitar o disparate.
Passos Coelho insiste na intenção de baixar a TSU para os patrões. Nem por um momento admite que esta baixa vai ser um verdadeiro euro milhões para a banca, as seguradoras, o setor financeiro em geral, a EDP, a REN, a GALP, as empresas de energia que vivem em oligopólio, as grandes superfícies – setores que ou criam empregos precários ou, na maior parte dos casos, destroem empregos para reduzir custos e aumentar margens de lucro. Com TSU mais baixa, ainda ganharão mais, à custa de todos nós. Quanto aos pequenos e médios empresários, não será com baixas marginais de TSU nos seus pequenos quadros de pessoal que vão criar mais empregos. Para isso, precisavam era de uma corajosa reforma do Estado que eliminasse a burocracia infernal a que estão sujeitos; de um Banco de Fomento que lhes emprestasse dinheiro barato e os ajudasse a recapitalizar as empresas; de seguros de crédito e de apoios às exportações; e de uma Justiça económica e administrativa moderna e eficiente.
Por mim, não percebo como é que o Governo quer baixar DESCONTOS de patrões e de novos trabalhadores para a segurança social com o argumento de que isso vai criar novos empregos, e ao mesmo tempo diz a todos os portugueses que tem de continuar a cortar nas pensões porque os sistemas, sobretudo o público, estão desequilibrados.
Tal como não percebo a dualidade de critérios em relação à reversão das medidas de austeridade.
O Governo nunca se cansou de explicar ao país que não é possível repor totalmente os cortes de salários dos funcionários públicos já no próximo ano, sob pena de fazer disparar o défice. A reposição vai ser gradual, ao ritmo anual de 20 por cento, até atingir o nível salarial de 2010, apenas no ano 2019.
Também a sobretaxa de 3,5 por cento de IRS vai ser reduzida ao ritmo de 25 por cento ao ano, o que significa que só desaparece no ano 2019.
Não percebo como é que o Governo quer baixar DESCONTOS de patrões e de novos trabalhadores para a segurança social com o argumento de que isso vai criar novos empregos
Mas se assim é, por que razão é que a contribuição especial sobre as empresas do setor da energia é reduzida em 50 por cento já em 2016 e desaparece logo no ano seguinte?
E por que razão é que a redução da taxa de IRC está a ser feita a um ritmo muito mais acelerado, descendo para apenas 17 por cento em 2019, enquanto a taxa máxima de IRS se mantém nos 48 por cento?
Não sou dos que dizem que a Austeridade não nasceu para todos. Ao contrário do que diz a esquerda, acabou por atingir praticamente todos os portugueses. Uns mais do que outros, mas foi generalizada. Muitos capitalistas perderam até grande parte ou a totalidade do seu capital.
Mas num ponto a Esquerda tem toda a razão: a redução ou o “phasing out” da Austeridade, está a ser socialmente muito descompensado, mesmo injusto. Ganha o capital por muitos pontos, perdem os cidadãos por muitos mais.
Sinceramente, tal como disse na crónica da semana passada, acho que o Governo anda demasiado tempo em feiras, convenções, colóquios, congressos e visitas a empresas de sucesso, e passa muito menos tempo do que devia a estudar os dossiers importantes para o país e a concertar estratégias para definir objetivos e comunicar bem as medidas para os alcançar.
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