quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O Pacto de Paris e a celerada República d'Abril

O Pacto de Paris e a celerada República d'Abril

1973 – Setembro.27 (5ªfeira)
Ao fim da tarde nas traseiras da Ópera em Paris, num bistrôt, é concluída uma reunião entre os secretários-gerais do imberbe PS de Mário Soares e do geronte PCP de Álvaro Cunhal (que se fez acompanhar pelo seu velho conhecido e amigo secretário do CC/PCUS Boris Ponomariov), tendo sido a conversa atentamente monitorizada à distância por agentes da DST francesa.
– «As listas eleitorais [do PS] com o PCP faziam parte do pacote de iniciativas conjuntas combinado [por Mário Soares] com Álvaro Cunhal em Paris? A unidade antifascista era outra vez “boa”? [...] Que combinou com Álvaro Cunhal?»
– «Nada de muito especial. Fizemos uma análise da situação portuguesa, convergente nos aspectos económico, social e político, e falámos da guerra colonial. Concluímos que era possível que houvesse uma ruptura do sistema, o marcelismo estava apodrecido e esgotado. Reivindicámos eleições sérias, novo recenseamento eleitoral, fim da guerra colonial, temas sobre os quais os dois partidos estavam de acordo e que nos abririam as portas para uma democracia o mais pluralista possível.
[...] Bati-me por uma unidade de acção com o Partido Comunista – mas em nada semelhante ao Programa Comum [PSF/PCF e “Radicaux de gauche”], entretanto posto em prática em França. Não desejava um programa comum: queria uma unidade de acção, o que é diferente. [...] Não negociei com Álvaro Cunhal a “unidade antifascista”. As pseudo-eleições de 1973 foram uma farsa total em que a Oposição – e bem – não quis participar.»
– «Decorre em Paris um encontro de delegações do comité central do PCP e do conselho directivo do PS, sendo divulgado [!?] um comunicado conjunto (Pacto de Paris).»
– «1973 - Setembro: O Partido Socialista e o Partido Comunista divulgam
[!?] um comunicado conjunto. [...] O PCP terá entre 2 e 3 mil militantes.»
– «Em Setembro do mesmo ano, reuniram-se no estrangeiro as direcções do PCP e do Partido Socialista (PS), acabado de formar, e que eram os 2 únicos partidos
[!?] políticos portugueses de oposição, organizados na clandestinidade. Dessa reunião saiu um comunicado conjunto, no qual se afirma a identidade sobre os objectivos imediatos da luta da oposição, entre os quais se incluem o fim da guerra colonial e o estabelecimento de negociações, tendo em vista a independência dos povos de Angola, Guiné e Moçambique.»
– «A 1ª ideia errada que orientou os militares portugueses ao derrubar o “marcelismo”, foi a de que o País rapidamente se tornaria próspero, bem governado, etc., pela adopção de um regime político marxista, podendo de entrada permitir-se o aparecimento de partidos polítcos, à maneira ocidental, como aconteceu. A 2ª ideia, pelo menos apresentada como possível, foi a de que haveria uma via original portuguesa para fazer funcionar um tal regime e de que Portugal entraria no concerto das nações como um querubim desejado, admirado e indispensável. A 3ª ideia, a mais errada, foi a de que os militares tinham capacidade para governar com um tal regime e promover a educação do povo no sentido que desejavam, actuando como políticos e com o apoio dos políticos que os bajulavam. Ora eles mostraram desconhecer tudo o que já tinha acontecido em Espanha [14Abr31-01Abr39] e no Chile [04Set70-11Set73], e em muitos países e igualmente na Rússia, ou simplesmente seguiram as instruções dos dirigentes russos em programas de comunização mundial, desde as receitas do Comintern (extinto [teoricamente] em 1943), até às de Ponomariov na actualidade. [...] O 25 de Abril trazia tudo isto incubado, mas não o revelou bem no seu “Programa”.»
– «Nessa altura vivia-se sob a ameaça das grandes potências. Havia a possibilidade de os russos quererem espalhar por todo o mundo as suas teorias, a sua política, as suas ideias. E a África estava dentro do seu pensamento. Tanto que na célebre reunião de 1973, no pacto que se formou entre o senhor Cunhal e o senhor Soares, previa-se um levantamento em comunhão de ideias, e que o Ultramar – Angola principalmente – seria entregue à órbita soviética.»
– «O golpe de Estado parece ter-se feito menos por conta deste ou daquele partido da oposição, do que por uma empresa nacional de envergadura para o acesso à independência, duma forma ou doutra, dos territórios portugueses de África. Os tempos parecem maduros de há muito.»
– «Até finais de Novembro
[!?] de 1973, nenhum [!?] sector significativo da sociedade portuguesa julgava possível o derrube próximo, pela força das armas, do regime do Estado Novo, incluindo [!?] os líderes dos 2 principais partidos oposicionistas, Álvaro Cunhal e Mário Soares.»
Efectivamente em data recente [Ago73], o politburo soviético, conhecedor da manifesta dissenção no seio do MPLA e consciente da eminente derrota da sua estratégia nas províncias africanas de Portugal – e como sequência da agit-prop instigada abertamente entre a classe castrense portuguesa (e de modo absolutamente secreto na Armada) –, por um lado forçou a recente proclamação de independência do PAIGC e por outro acenou aos chefes do PCP e do PS com a eficácia política do frentismo esquerdista francês, levando aqueles marxistas lusófonos a formalizar um pacto de cooperação, cujos 3 objectivos essenciais e a curto-prazo são: «fim da guerra colonial; negociações para a independência da Guiné, Moçambique e Angola; e intervenção conjunta na formação de um governo provisório, em caso futuro de eleições para uma Assembleia Constituinte». Por um lado, o PCP renova os seus «9 Pontos do Programa para a Unidade Nacional» que em Mar43 foram a base do MUNAF, e por outro adapta o «Programa de Emergência do Governo Provisório» que em Mai44 propôs ao comité redactorial castrense do CNUAF; quanto à última parte do actual pacto secreto, copia o moderno figurino adoptado pelo recém-formado PSF de Mitterrand, que em Junho do ano transacto estabeleceu com o euro-comunista Marchais um programa comum com o PCF mas à custa do esvaziamento deste, sendo que, para o caso português o PCUS mantém no entanto veladamente um objectivo inverso e a mais longo prazo.
– «O PCP estava numa fase iminente de assalto ao poder. Só quem não conhecesse a actuação dos partidos comunistas no mundo, a firmeza da linha estratégica que a Internacional Comunista tem transmitido aos partidos seus filiados para a conquista do poder, poderia admitir que o PCP entraria no jogo democrático de eleições. [...] O PCP, de acordo com a sua essência, procuraria por todos os meios assaltar o poder a todos os níveis, desde as autarquias locais até aos mais altos postos do Governo [...], coadjuvado pelo seu “submarino” (como lhe chamávamos”), o MDP/CDE.»
– «Soares, antigo informante da CIA, mal conhecendo a importância relativa do Partido Comunista, queria ver reeditada aqui [em Portugal] a Frente Popular [da 1ª metade dos anos 30 e da França do pós-guerra], como única forma pacífica de aquietar a pesporrência de Cunhal. Casado com uma actriz que a “estupidentzia” indígena endeusara como se fôra a Duse, afamara-se pelo diletantismo cultural e pelas ambições de vedeta. O Partido Socialista havia de se organizar apressadamente em torno de um grupo de seus amigos e servia-lhes financiamentos internacionais, americanos e alemães. [...] Peitado pelo Partido Comunista da União Soviética, Cunhal pretendia criar em Portugal as condições logísticas necessárias à instalação de uma democracia popular como a dos países do leste europeu, onde os mais vários partidos, das mais desvairadas ideologias, servindo de paus-de-cabeleira ao comunismo permitiram que este governasse sem oposição.»
– «Sem grandes consultas ao seu pequeno grupo político [PS], este contrato transformar-se-ia num “pacto de governo”, após a reunião “clandestina” dos 2 partidos [!?] que teve lugar em Paris, em Setembro desse ano. Do qual, por sua vez, só não resultou um programa de acção comum, porque o PC desconfiava das expectativas que os fundadores da ASP tinham manifestado em relação à chamada “primavera marcelista” e estava convencido de que os socialistas não tinham o menor peso no que eles consideravam ser o “conjunto do movimento democrático” português. De facto, o único trunfo dos socialistas era o terem sido admitidos 1 ano antes, na Internacional Socialista, organização [da CIA] que a União Soviética pretendia penetrar, apesar das “críticas” às suas características “social-democratas”! Mas o PCP, embora seguindo as superiores directivas do PCUS em matéria de política externa, estava desfasado da realidade nacional. [...] Apesar disso, Soares desenvolveria todos os esforços para o dar a conhecer junto dos parceiros da IS, pedindo-me mesmo [em carta de 28Set73] que o traduzisse para sueco, o divulgasse e o mostrasse ao Partido Social-Democrata Sueco. [...] O interesse [em Langley do director-adjunto da CIA general Vernon Walters] pelo líder socialista português, que vinha já dos anos 70 [quando adido militar da embaixada dos EUA em França até 72], seria mantido em Paris através de Irving Brown, então representante na capital francesa da AFL/CIO e reconhecido internacionalmente enquanto “representante na Europa da AFL e principal agente da CIA no controle da Confederação Europeia de Sindicatos Livres”. Mas, graças ao acordo de governo com o PCP, Brown acabaria por considerar Mário Soares “um traidor à causa ocidental”.»
Fundamentalmente, este acima citado Pacto PCP/PS constitui a renovação de uma velha aliança de alta traição à Pátria, tanto mais que – na véspera de abertura da campanha eleltoral em Portugal – tem concretamente em vista «estruturar um movimento militar capaz de derrubar o Governo Português, com duas cláusulas secretas: a União Soviética financia a organização do golpe; PCP/PS comprometem-se a dar independência imediata às Províncias Ultramarinas portuguesas, representadas no acordo pelo PAIGC, FRELIMO e MPLA».
– «É curioso salientar a falta de referências aos outros 2 movimentos de Angola: UNITA e FNLA. Será altura de se pôr a questão sobre o tipo de interesses que são defendidos pelos movimentos de libertação: se de uma qualquer superpotência; se a ambição pelo poder dos seus líderes; ou se a vontade da grande maioria das populações dos territórios onde grassava a subversão e que não aderiram a esta subversão. [...] Se a questão em Moçambique e Guiné estava mais simplificada pela existência de 1 único movimento [minoritário e pró-soviético em cada 1 daquelas províncias ultramarinas], em Angola era sem dúvida bastante mais complexa com a presença de 3 movimentos [bacongo pró-americano, umbundo pró-soviético e ovimbundo “tem-te não caias”] que durante 13 [!?] anos foram incapazes de constituir 1 frente única para combater a presença portuguesa naquele território. [..] Um dos “jogadores” entrara em cena e com força, tirando partido do cansaço da guerra conduzida pelos portugueses na defesa do seu Império e explorando a síndrome do Vietnam [a par do desnorte com o Watergate Affair] que reinava no outro potencial “jogador”. [...] Era a grande oportunidade da URSS para evitar ou inviabilizar uma previsível e muito possível solução política para a questão das províncias ultramarinas que levasse a situá-las [mantê-las] na esfera de influência do mundo ocidental.»
– «Basta alguém planear, projectar, por qualquer meio violento ou fraudulento ou com auxílio extrangeiro, separar da Pátria parte do território português, sem que se sigam actos de execução ou sequer preparatórios, para incorrer na pena do nº1 do art.55º do Código Penal. Por conseguinte caberá a mesma pena tanto ao que se limita a formar tal projecto, como ao que, passando de intenção, previamente tomada à acção, executa actos de violência com aquela finalidade, [...] situações a que corresponderia a mesma pena, de 20 a 24 anos de prisão maior. [...] O art.143º [equivalente ao art.144º do Código Penal de 1852, reportando-se a 1ªparte daquele ao art.141º] do Código Penal, contempla precisamente aqueles casos em que não chegou a existir começo de execução. Aí se prevê a conjura e o concerto para o cometimento de qualquer dos crimes declarados nos art.141º e 142º, dizendo-se que a conjuração foi seguida de alguns actos preparatórios de execução a pena é a do nº4 do art.55º, no caso contrário a do nº5 do mesmo art.55º. [...] A actual redacção de tais artigos, com excepção do § único do último, foi dada a ambos pelo Decreto-Lei nº32832 de 7 de Junho de 1943 [que modificou a maior parte das disposições do Código Penal relativas aos crimes contra a segurança exterior do Estado, sendo pelos art.103º e nº1 do art.104º considerados cúmplices materiais], pelo que não se concebe que, se o legislador quisesse excluir do âmbito do art.143º o nº1 do art.141º, não o declarasse então expressamente.»
– «O art.141º do Código Penal, nº1, pune quem intentar contra a integridade territorial ou contra a independência do País. O termo intentar não pode, porém, ser entendido apenas com o significado valor e comum de planear ou projectar. No primeiro art.171º do Código Penal, nº1, punia-se a tentativa de destruir, “quem tentar destruir” a integridade do Reino; também no Dec. de 30-4-1912, nº1 do art.1º, a tentativa de destruir a integridade territorial da República Portuguesa; depois no Dec. 23203 de 6/11/1933 [que substituiu o dec.21942] o art.1º § nº1, o atentado (como sinónimo de tentativa, compreendendo qualquer acto executivo: § 2º do cit. art.1º) contra a integridade territorial da Nação. Nenhuma das correspondentes disposições anteriores punia o simples projecto ou desígnio de atentar contra a integridade do território Nacional. E igualmente pelo actual art.141º não pode considerar-se punível a mera resolução criminosa. Efectivamente, pune-se aí quem intentar separar da Mãe-Pátria ou entregar a país estrangeiro território português, ou ofender ou puser em perigo a independência do País: com a pena do nº1 do art.55º, quando por “meio violento” ou “fraudulento” ou com “auxílio estrangeiro” (nº1 do art.141º, redacção do Decreto 32832 de 7/6/1943); com a do nº4 do art.55º, quando por “acção colectiva” destinada a excitar a opinião pública ou a “actividade” concordante com a pretensão estrangeira (§ único, aditado pelo Decreto 39998 de 29/12/54). Sempre se prevê e sanciona, portanto, não a simples intenção mas efectivo meio de execução do crime. O art.143º pune a conjuração para cometer o crime do art.141º ou do art.142º, com a pena do nº4 ou a do nº5 [do art.55º] conforme é ou não seguida de algum acto preparatório de execução. Na referência do art.143º ao art.141º não se exclui o seu nº1 e não há nem se alega razão válida e conveniente para supôr no legislador o propósito de o considerar excluído, de mais quando ambos os artigos têm a redacção do Decreto 32832. A conjuração, como é definida e limitada no art.143º, consiste no concerto com outras pessoas para a perpetração do crime do art.141º (ou do art.142º). Os art.141º e 143º contemplam e punem distintos momentos ou fases da acção criminosa contra a integridade territorial ou contra a independência do País. A interpretação do termo “intentar” apenas com o signifcado de projectar, mal se compreenderia, e menos se justificaria com o concreto para cometer o crime de traição à Pátria, seguido de actos preparatórios de execução, seria punido com a pena do nº4 do art.55º (8 a 12 anos), enquanto ao simples projecto criminoso, é mera intenção, corresponderia a pena do nº1 (20 a 24 anos).»
– «Tinha alguma informação sobre o que se passava em Angola, não só do lado do MPLA como da FNLA ou da UNITA: dificuldades, divisões e intrigas ocorrem em todos os movimentos de libertação, é dos livros; daí a pensar que Angola estava a caminho de ser pacificada, vai um abismo. Nunca partilhei o optimismo ostentado “a posteriori” [!?], quanto à situação de Angola, por certos meios militares portugueses... Não era seguramente um especialista nesse tipo de informações, nem tinha tido ainda acesso, nessa época, às informações de que dispunham os nossos serviços militares. Mas sabia mais do que o comum das pessoas, porque tinha muitos contactos indirectos com todos esses movimentos, através dos meios da emigração política, nomeadamente de Argel. Recorde-se que no meu livro “Portugal Amordaçado”, que é de [edição francesa de Fev72 distribuída em fins de Abril] 1972, traço uma panorâmica bastante completa [!?] da situação, em especial no capítulo intitulado “A Aventura Colonial”. [...] Não era possível democratizar sem descolonizar e vice-versa [cf velha tese leninista]. A descolonização só poderia ser feita em democracia, mas não era possível consolidá-la sem, previamente, descolonizar. Foi isso que tornou inevitável o resto. [...] Apesar de o ter feito sempre por forma tão directa [!?] e clara, repito: a minha ideia era, 1º chegar rapidamente ao cessar-fogo e à paz; o que passava, necessariamente, em 2º lugar, pelo reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos sob domínio colonial, decorrente da Carta das Nações Unidas e das repetidas resoluções aprovadas na ONU sobre a matéria; 3º, que daí resultariam, necessariamente – ao fim de 13 anos de guerras cruentas [!?] e inúteis [!?] e do reconhecimento internacional [!?] dos movimentos nacionalistas existentes, até [!?] por Sua Santidade o Papa [...] –, inevitáveis independências cujo calendário e condições deveriam ser negociados [!?], com realismo e rigor [!?], tendo em conta os interesses portugueses legítimos e o imperativo (para mim absoluto) de assegurar a continuidade da nossa presença em África, não pela força [!?] mas em função da língua, do afecto e da cooperação, no respeito mútuo, na igualdade e na reciprocidade de vantagens. [...] Tinha uma ideia para Portugal, o que não significava que, nessa altura, conhecesse profundamente alguns segmentos importantes da população portuguesa. Conhecia bem o chamado “reviralho”, as pessoas do “contra” e o mundo político em geral. Ignorava quase tudo dos círculos empresariais, dos meios militares, diplomáticos, ou da vida interna da Igreja; conhecia, razoavelmente, os círculos intelectuais e universitários. E sabia o que se pensava [!?] de Portugal na Europa e no mundo. [...] Tinha – e tenho – “uma ideia para Portugal”, que implicava uma estratégia coerente para a resolução das guerras em África, assegurando [!?], num futuro não muito distante, a presença portuguesa [!?] nessa região do mundo, em liberdade e em paz. Mas essa ideia nunca teve nada [!?] a ver com interesses pessoais – ou mesmo, sequer, partidários –, mas com valores fundamentais e com a ambição que sempre tive para Portugal. [...] Descolonização e democracia eram 2 vertentes indissociáveis do mesmo projecto: uma implicava necessariamente a outra. Sem consolidar ambas, nunca poderíamos ter acesso à Europa Comunitária. Passava por aí, também, a indispensável modernização de Portugal. E a construção – em liberdade – sobre os escombros [!?] de um sonho imperial obsoleto, irrealista e inviável [!?] de uma verdadeira Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Às vezes, como se diz, é-se obrigado a escrever direito por linhas tortas. [...] Eu não via a questão como o fim da nossa presença em África: via-a, antes, como o termo da guerra colonial; o que, para mim, era muito diferente. Sabia que existia uma situação terrivelmente [!?] difícil, uma guerra prolongada, sangrenta, sem saída, inglória [!?], em 3 frentes: Guiné, Angola e Moçambique. E que era indispensável, quanto antes, pôr fim à guerra, como condição prévia indispensável para, justamente, assegurar [!?] a presença possível [!?] de Portugal em África. [...] A guerra não estava ganha em Angola, mas amortecida: a guerrilha era apenas menos intensa do que fôra antes. Em Moçambique estava, é certo, circunscrita ao Norte; e na Guiné, perdida. Mas isso não significava que não surgisse noutro sítio, que não recrudescesse em Angola e em Moçambique. Este tipo de guerras não se ganham. Enquanto o assunto não estivesse politicamente resolvido, por uma negociação de paz, a guerra não era susceptível de ser ganha. Nunca tive qualquer ilusão a esse respeito. E por tudo isso é que disse, logo a seguir ao 25 de Abril: “É preciso chegar ao cessar-fogo, rapidamente”. Não elaborei qualquer teoria, nessa época, acerca do que iríamos fazer às ex-colónias no futuro imediato. Nunca [!?] me passou pela cabeça que se fizesse uma descolonização com a rapidez com que se concretizou, particularmente em Angola e Moçambique. Muito menos em Cabo Verde, em São Tomé ou em Timor. [...] O modo, o ritmo e as condições seriam a negociar [!?] com os movimentos nacionalistas [!?] com real implantação no terreno – os que nos faziam a guerra –, sem excluir a ajuda das Nações Unidas e dos nossos aliados e amigos (os Estados Unidos, os países da Europa Ocidental, o Vaticano, o Brasil) e mesmo – porque não? – dos países de Leste. [...] A minha visão de Tito é que fôra capaz de levar a cabo uma revolução original, não importada, executada com os seus próprios meios, ao contrário do que ocorrera com as outras “Democracias Populares”. [...] Tito apoiou o PS, indiscutivelmente. Além disso, não gostava nada de Cunhal, que conhecia bem. Acaso não esquecia que tinham estado em lados opostos da barricada, quando da cisão jugoslava, e que Cunhal o apelidara de “víbora ao serviço da CIA”. [...] As pretensões soviéticas em relação às colónias portuguesas só despertaram depois [!?], quando compreenderam a desagregação do Estado português e a nossa incapacidade de conduzir, por forma gradual e controlada, o processo de descolonização. Alguns países de Leste, especialmente a Jugoslávia e a Roménia, deram-nos inicialmente algumas pistas importantes para negociar com os movimentos de libertação que, em alguns casos, conheciam bem. [...] A independência seria o termo do processo. [...] Independência que fôra já unilateralmente proclamada na Guiné. Contava que em Angola e Moçambique teríamos de fazer negociações complexas, passando por fases intermédias de preparação, mais ou menos prolongadas. E nem sequer pensava em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.»
– «Se o moscovita Barreirinhas lutou por sua dama, Mário Soares foi cavalo-de-Tróia [ou a “Cleópatra do Marco António”] como agente-motor da estratégia global do PC. Os 2 partidos dispõem de fundos inesgotáveis, para minguar Portugal às dimensões de uma quinta. Eles e os seus satélites, ambos são réus de alta traição ao povo português.»
– «Procurando reter a “mundialização” do Estado Moderno que tinha propiciado com a sua formação durante o século XV, o mais antigo Império Colonial da História foi também o último a acabar. Terminou onde começara: na Guiné Portuguesa principiou e decidiu-se o fim do colonialismo português, pois o processo de independência da Guiné-Bissau foi um dos principais factores do 25 de Abril de 1974 e o factor decisivo, a chave de toda a descolonização portuguesa.»
– «Movimento previsto no acordo da Rua da Ópera em Paris, que ele [PM Caetano] conhecia perfeitamente, para o qual estava a ser usada uma “clique” de oficiais das Forças Armadas como ingénuas marionetas. [...] Em síntese, os termos desse acordo que a Sûreté francesa detectou, fornecendo a seguir pormenores à CIA norte-americana e à PIDE/DGS. O acordo rezava: “Os responsáveis pela rebelião, uma vez esta triunfante pela queda do regime político vigente, comprometiam-se a descolonizar procurando, nesse processo, privilegiar os movimentos pró-marxistas que lutavam nos territórios ultramarinos portugueses”. Refira-se ainda que aquele acordo da Rua da Ópera em Paris, celebrado em 1973, teve como intervenientes: Boris Ponomariov, membro do politburo da URSS para as relações internacionais; e 2 conhecidos políticos portugueses, Mário Soares e Álvaro Cunhal. [...] Foi ainda decidido dar 1 milhão de dólares (ao tempo cerca de 37 mil contos) aos 2 portugueses exilados, Soares e Cunhal, para as despesas (do que tinha sido acordado) dos 2 partidos políticos que representavam em Portugal. A reunião teve lugar num café do acima citado local, onde a Sûreté, desconfiada pela presença de Ponomariov em França, já lá tinha colocado um sistema de escuta.»
Ao princípio da noite a RTP e a EN transmitem em directo mais uma «conversa em família» do PM Caetano, que discursa sob a epígrafe «Na Véspera de Eleições» e acusa os candidatos oposicionistas de:
– «Apenas para aproveitar as facilidades da campanha eleitoral, [lançam] um clima de agitação, de reivindicação, de luta, um clima pré-revolucionário, senão revolucionário, em que se destaca o propósito de preconizar o que chamam “fim da guerra colonial”, ou seja, o abandono imediato do Ultramar e a sua entrega aos movimentos terroristas, [sendo] inegável a conivência destes ardorosos partidários do abandono do Ultramar com os movimentos terroristas que lá atacam Portugal. [...] O Governo tem a obrigação de proporcionar todas as facilidades para que o acto eleitoral venha a constituir uma séria manifestação da vontade nacional. Mas ninguém lhe pode exigir que, por boa fé excessiva, aceite um jogo em que os parceiros desde logo digam não quererem jogar segundo as regras, mas apenas aproveitá-las para fazer batota. E uma batota que neste caso, e a revolução social e o abandono do Ultramar. [...] Estamos num momento delicado da vida nacional, em que há que tomar opções decisivas. Optar por perseverar na construção de soluções nossas, de acordo com as realidades, para os problemas a resolver aqui e no Ultramar, ou adoptar as soluções que o estrangeiro nos queira impôr, com a catástrofe em África e a redução de Portugal na Europa a um cantão da península Ibérica. Optar pelos homens que, se, ambições pessoais, se dispõem a servir a Pátria, ou por outros que se preparam para fazer as contas dos seus ódios, dos seus ressentimentos e dos seus recalques de mistura com muita utopia, muito primarismo ideológico, muito aventureirismo irresponsável. Grandes opções! Pensem os portuguesas nelas. Nem é preciso muito saber para decidir, porque hoje os campos são tão separados, os caminhos são tão divergentes, os destinos são tão marcados, as experiências são tão claras, que bastam o instinto e o bom senso para optar. E eu não acredito que o instinto dos homens os leve à sua perdição, nem que se tenha perdido o bom senso nestas velhas Terras de Portugal.»
(extractos de "Outra História", em construção; vs.2002 © J.C. Abreu dos Santos)
Ver
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/10/ainda_a_entrevi.html
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2006/08/sobre_o_plano_b.html
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